domingo, 30 de novembro de 2014
Artigo intitulado "Trinta dias" publicado hoje, na Folha de São
Paulo, por Aécio Neves, presidente do PSDB e ex-candidato presidencial
que recebeu quase 52 milhões de votos nas urnas.
Completamos um mês do fim das eleições presidenciais. Tudo o que se viu neste período comprova, na prática, o que a oposição denunciou no processo eleitoral: a grave situação em que o país se encontra. Além dos prejuízos causados pela má gestão e pela corrupção endêmica, o PT prestou, recentemente, mais dois grandes desserviços ao Brasil. Um na campanha, outro nos dias que se seguiram.
O primeiro, na ânsia de vencer a qualquer custo, o de legitimar a
mentira e a difamação como armas do embate político. O segundo, o de
contribuir para a perda da credibilidade da atividade política ao fazer,
sem qualquer constrangimento, nos dias seguintes à eleição, tudo o que
afirmou que não faria.
Como a atividade política é instrumento fundamental da vida democrática,
sua desmoralização só interessa aos autoritários, para quem o discurso
político não é compromisso, mas encenação que desrespeita e agride a
cidadania.
Finda a eleição, a candidata eleita, rapidamente, pôs de lado as
determinações do marketing e colocou em prática tudo o que acusou a
oposição de pretender fazer. Fez isso sem dar satisfação à opinião pública. Sem dar explicação sequer
a seus próprios eleitores. Os mesmos eleitores que observam, atônitos, a
presidente implantar as "medidas impopulares", que usou como
matéria-prima do terrorismo eleitoral contra seus adversários.
Hoje a realidade demonstra que ela concordava com todos os alertas que
fiz sobre os problemas enfrentados pelo país, mas entre o respeito à
verdade e aos brasileiros, e a insinceridade ditada pela conveniência do
marketing, a presidente escolheu o marketing, o que não contribui para
engrandecer a sua vitória.
Na campanha, o PT dizia que aumentar os juros tiraria comida da mesa do
trabalhador. Três dias depois da eleição, foi justamente isso o que o
governo Dilma fez. No discurso do PT, se eleita, a oposição iria reajustar a gasolina,
governar com banqueiros e patrões. Vencida a eleição, o governo anunciou
o aumento dos combustíveis e convidou um banqueiro para a Fazenda.
Anunciou ainda dois novos ministros: para cuidar da agricultura e da
indústria, a dirigente e o ex-dirigente das confederações patronais.
Mesmo conhecendo a realidade, a candidata teve coragem de dizer que a
inflação e as contas públicas estavam sob controle. Agora, deparamos com
mais um rombo espetacular e manobras inimagináveis para maquiar as
obrigações da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Surpresos, os brasileiros assistem àquilo que muitos estão chamando de
estelionato eleitoral. Tudo isso explica a indignação de milhares de
pessoas que vão às ruas e se mantêm mobilizadas nas redes sociais. São
pessoas que se sentem lesadas, mas esse sentimento não tem relação
com o resultado eleitoral em si. Processos eleitorais fortalecem a
democracia, qualquer que seja o resultado da eleição. Vencer e perder
são faces da mesma moeda. As pessoas estão se sentindo lesadas porque os
valores que saíram vencedores na disputa envergonham o país.
Além do grave descalabro econômico e administrativo agora revelado, é
assustador o que ocorre com a nossa maior empresa. Nos debates, ofereci
várias oportunidades para a candidata oficial pedir desculpas aos
brasileiros por ter tirado a Petrobras das páginas econômicas e a levado
para o noticiário policial. A situação, desde então, agravou-se de uma maneira jamais imaginada. A
Petrobras hoje é um caso de polícia internacional. Não há mais como se
desculpar.
Por outro lado, não deixa de ser simbólico o fato de a presidente ter se
negado a participar do anúncio dos novos ministros da área econômica. É
possível que ela tenha se sentido constrangida por correr o risco de se
encontrar com a candidata Dilma Rousseff.
Os últimos 30 dias são uma amostra da situação real do Brasil e do que
vem pela frente. E nos mostram por que não podemos nos dispersar.
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