Escritor critica indicação de Levy (Fazenda) e Kátia Abreu (Agricultura), mas acredita que Dilma vetará gestão "capitalista selvagem"
"Dilma conversou com um grupinho de intelectuais, no qual eu fui incluído, em que ela abriu o jogo: 'A minha força será a dos movimentos sociais, eles que vão me apoiar'" ...
Prestes a completar 76 anos, que serão celebrados no próximo domingo, Leonardo Boff é um dos mais lidos e premiados escritores do país. Professor emérito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e um dos principais formuladores da teologia da Libertação, ele conversou com o Correio em sua última passagem por Brasília, na sexta-feira, antes de participar de um encontro sobre a causa ambientalista. Signatário de um manifesto contra as indicações de Kátia Abreu (Agricultura) e Joaquim Levy (Fazenda), Boff critica ambos. E diz que o país padece de um “analfabetismo ambiental”. Apoiador de Dilma nestas eleições, ele afirma que pretende “influenciar o governo para que tenha outras políticas, não só desenvolvimentistas”.
O encontro de vocês aqui, hoje, é sobre a temática ambiental. Qual sua leitura sobre o tema no país neste momento?
No Brasil, há um grande analfabetismo ecológico, partindo do próprio governo, que não tem noções básicas de ecologia. Por isso, estamos vendo crescer o desmatamento da Amazônia; o agronegócio avançando sobre o Cerrado. Naquilo que acontece em São Paulo, a seca com falta de água, o fator determinante é o desmatamento da Amazônia e a agressão ao Cerrado. Cada árvore da Amazônia, com 10 metros de copa, emite de 300 a mil litros de umidade por dia, que vai para o cerrado. E o Cerrado é a grande caixa d’água onde nascem todos os grandes rios brasileiros, à exceção do Amazonas. (...) Os rios estão secando, como o São Francisco. Até a própria Itaipu é afetada, e essa conexão não é vista. Pensam que é uma seca como outras secas. Não. É uma seca produzida pela crise ecológica.
Nesse quadro, não é uma sinalização ruim a possível nomeação de Kátia Abreu para a Agricultura?
Veja, não é segura a nomeação de Kátia. A presidente é sensível às pressões que vêm de baixo. Ela já nomeou um ministro lá do Mato Grosso (o peemedebista Neri Geller), e é muito amiga de Kátia, mas a Kátia representa um grupo de interesses que não são gerais do Brasil, que são os interesses do agronegócio.
Que é um negócio de exportação, que não traz nada para a mesa do brasileiro. Quem traz é a agricultura familiar, a pequena agricultura, que alimenta 60% dos brasileiros. Então ela (Dilma) deve buscar um equilíbrio nisso.
E eu penso que ela será sensível a evitar certos confrontos com a base social dela. (...) Dilma conversou com um grupinho de intelectuais, no qual eu fui incluído, onde ela abriu o jogo: “A minha força será a dos movimentos sociais, eles que vão me apoiar. Caso contrário, eu vou ter um governo altamente atribulado”.
O anúncio dos nomes da equipe econômica desagradou a muita gente no PT.
Eu acho que a gente precisa conhecer a presidente Dilma, e eu tive a oportunidade de estar várias vezes com ela e dialogar. Eu sinto que ela é uma mulher que tem mão firme. Ela conduz e não se deixa conduzir.
Se ela escolhe Joaquim Levy para ministro da Fazenda, que é da linha dos “Chicago boys”, que é neoliberal… Ele é ministro, não é presidente. E ela vai impor limites, especialmente nas questões sociais, para que esse ministro, que tem habilidades, consiga acalmar os mercados. Nós temos que reconhecer que não estamos fora da macroeconomia mundial.
Não temos uma alternativa. O PT se situa dentro da macroeconomia mundial, só que ele conseguiu, nesses últimos 12 anos, tirar a perversidade do capital, introduzindo cunhas que beneficiassem o povo, como as políticas sociais. E que permitiram a inclusão de mais de 40 milhões de pessoas. Esses compromissos serão impostos à economia.
Será uma gestão capitalista e neoliberal, mas não será selvagem como é em outros países.
Como o senhor vê a conjuntura política atual?
É uma situação não definida. Creio que será um governo muito difícil o da Dilma, dada a oposição que ela vai encontrar dentro do próprio povo. E eu lamento profundamente que haja muito ódio, muita raiva, que foi insuflada a partir dos meios de comunicação, da própria campanha política. Isso dificulta o diálogo entre as pessoas, até divide famílias. (...)
E por outro lado faz-se uma situação confusa, dos extremistas que querem chamar os agentes da ordem, que seriam os militares. Eles invocam a ditadura, mas são ingênuos, porque não sabem o que significa a ditadura. Perder a liberdade, ser preso, ser torturado, ser morto. São pessoas de extrema-direita, mas são minoria, graças a Deus.
Fonte: Correio Braziliense, André Shalders - 08/12/2014 - - 09:29:25
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