O
noticiário político da última semana foi o mais movimentado desde as
eleições. No Congresso Nacional, em dois episódios, a oposição ao
governo Dilma Rousseff ganhou visibilidade. Um deles
foi a aprovação da manobra fiscal em que o governo acoberta o
descumprimento do superávit primário, na manhã da quinta-feira. Por
causa da obstrução de parlamentares oposicionistas, a vitória dos
aliados só foi sacramentada após 18 horas de canseira.
Apesar
de ter maioria de votos, os governistas sofreram para fazer valer a
vontade do Executivo. Líderes da base precisaram telefonar para
deputados e senadores durante a madrugada: por trás dos cochilos no
plenário, o que se viu foi uma tentativa desesperada de impedir o
esvaziamento do plenário – pelo tamanho da encrenca e pela literal
distribuição da fruta, a sessão foi apelidada de noite do abacaxi.
O
prolongamento da votação só ocorreu porque os partidos de oposição
cumpriram com a estratégia com empenho: obstruir a votação ao não marcar
presença, protelar ao máximo as discussões, pedir verificação de quórum
sempre que possível e usar o Regimento do Congresso para apresentar
questões de ordem e impedir que a matéria fosse aprovada a toque de
caixa.
A tática não é nova e já havia sido usada durante a apreciação
da Medida Provisória dos Portos, no ano passado. Apesar da vitória
governista, os aliados tiveram de enfrentar a sessão mais longa da
história da Câmara para aprovar o projeto. Foram duas madrugadas
seguidas em claro. Agora, a estratégia protelatória foi repetida com
alguma eficiência.
Os
parlamentares de oposição se revezavam no microfone para esticar a
sessão.
Os governistas, por sua vez, acabavam abrindo mão da palavra
justamente para abreviar os trabalhos. Com isso, a tribuna foi usada
para uma torrente de críticas ao governo, raramente rebatidas.
Tudo a ver: Henrique Alves incrementou a acidez da sessão oferecendo abacaxi em fatias. |
Um dos
momentos mais acalorados ocorreu quando o senador Aécio Neves (MG),
presidente do PSDB, foi à tribuna para atacar a troca de emendas
parlamentares pela lealdade dos deputados e senadores: "Hoje a
presidente da República coloca de cócoras o Congresso Nacional, ao
estabelecer que cada parlamentar aqui tem um preço: os senhores que
votarem a favor desta mudança valem 748 000 reais".
O discurso não
passou indiferente: aplaudido por oposicionistas e vaiado por aliados de
Dilma, Aécio encerrou seu pronunciamento aos gritos, para superar o
ruído. Os 51 milhões de votos obtidos na disputa presidencial o elevaram
ao posto de líder da oposição. E o tucano estava cumprindo a promessa
de fazer um combate "sem tréguas" aos desmandos do governo.
O texto
da manobra fiscal foi aprovado às 5 horas da manhã desta
quinta-feira. Entre os senadores, o quórum era o mínimo necessário: 41
parlamentares. E, como ainda restou um destaque a ser apreciado, a
matéria terá de ser discutida novamente na próxima semana. Será mais uma
oportunidade da oposição tentar desgastar o governo.
A segunda cena
ilustrativa da semana ocorreu um dia antes, na terça-feira, quando o
Congresso se reuniu para começar a sessão em que a manobra fiscal seria
apreciada. Apesar do esforço do presidente do Congresso, Renan Calheiros
(PMDB-AL), para limitar o acesso de manifestantes à galeria do
plenário, um grupo de pouco mais de vinte pessoas conseguiu entrar para
assistir à sessão e marcar posição contra a maquiagem fiscal.
Impaciente
com os protestos, o peemedebista ordenou que a segurança retirasse os
manifestantes. A oposição reagiu: parlamentares foram até a galeria para
garantir que a retirada forçada não acontecesse.
A Polícia Legislativa
levou a maior parte dos manifestantes, mas não conseguiu terminar a
tarefa. Mais de uma hora depois, Renan encerrou a sessão.
O ato
dos deputados de oposição – muito deles literalmente de braços dados com
manifestantes – foi representativo do novo momento que os partidos
contrários ao governo parecem viver: o contato direto com as ruas nas
eleições não acabou com a derrota nas urnas.
"Isso talvez não
aconteceria num passado recente", reconhece o líder do PSDB na
Câmara, Antônio Imbassahy, sobre a ida de deputados e senadores às
galerias. Para ele, o surgimento de uma militância espontânea contra o
governo foi determinante para a oposição aumentar o ritmo.
Mesmo
em minoria, os oposicionistas já haviam criado problemas ao governo na
última legislatura. Mas é fato que o entusiasmo do período pós-eleitoral
reforçou os ânimos dos oposicionistas – em 2012, o bloco contrário ao
governo chegou ao menor patamar da história do Congresso, com 17,5% das
cadeiras.
José Sarney, o todo poderoso, não resistiu e abriu aquela bocarra num sonoro bocejo enquanto cumpria a ordem da Dilma e do Lula, de olho na bufunfa da chantagem. |
Apesar
da derrota na disputa presidencial, os adversários do governo estão mais
fortes do que antes. O PSB de Marina Silva não deve se alinhar à
base.
Além disso, o recém-criado Solidariedade (SDD) se juntou ao bloco
oposicionista.
Numericamente,
o núcleo da oposição não crescerá significativamente na próxima
legislatura: PSDB, DEM e PPS têm hoje 79 deputados e 16 senadores.
Passarão a ter 88 deputados e 15 senadores em 2015.
Mas a mudança
qualitativa, especialmente no Senado, será visível: entram nomes como
José Serra (PSDB-SP), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Antonio Anastasia
(PSDB-MG) e Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Além
disso, o próximo Congresso será mais pulverizado: nunca tantos partidos
diferentes elegeram parlamentares. A pluralidade de interesses torna
mais difícil a formação de um bloco governista sólido – e favorece o
surgimento de um "centrão", cujo apoio tradicionalmente costuma ser
negociado pela troca de cargos e liberação de verbas em Casas
Legislativas do país. Por razões diversas, o número de dissidentes
dentro dos partidos da base tem aumentado.
Por fim, a crise econômica e o
escândalo do petrolão completam o rol de motivos pelos quais os
oposicionistas estão confiantes de que poderão se manter na ofensiva.
Nada
garante que as mobilizações contra o governo vão continuar, seja nas
ruas ou nas galerias do Congresso.
A militância espontânea que tem
protestado contra o governo não faz parte de um grupo coeso e
controlável, como os braços sindicais do PT. "Um jogador de futebol que
entra em um estádio vazio joga sem muito ânimo. Quando o estádio está
cheio, com a torcida se manifestando, é outra história",
afirma Imbassahy.
Na manhã seguinte à votação da manobra fiscal, o
recado estava claro: se a oposição não perder o viço, o governo Dilma
Rousseff terá muitas noites do abacaxi pela frente. Do site da revista Veja/Reportagem de Gabriel Castro
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