08/12/2014
às 6:33
Há
gente no Brasil achando que só manifestações das esquerdas são
democráticas — justamente as da turma que é inimiga teórica e prática
da… democracia!
Mais: há espertinhos lendo pelo avesso uma pesquisa
Datafolha publicada nesta segunda pela Folha. Já chego lá. Antes,
algumas considerações.
O esforço
para matar os protestos de rua contra a corrupção é indecente e junta,
como não poderia deixar de ser, os petistas e parte expressiva da
imprensa.
A má vontade dos jornalistas — e não adianta tentar atribuir
apenas à linha editorial dos veículos — chega a ser eticamente
asquerosa. Se eu dispusesse de tempo para isso, não ficaria difícil
demonstrar que os black blocs mereceram tratamento bem mais respeitoso.
Façam o trabalho vocês mesmos. Recuperem as notícias sobre os
mascarados, que chegaram a ser tratados até como estetas. Já os que se
manifestam contra a roubalheira na Petrobras são jogados na vala dos
golpistas. O mal que a petização das redações fez à inteligência é bem
mais grave do que parece e será mais duradouro. Mas espero que os
manifestantes não desanimem. Para tanto, não podem ficar ao relento. Já
chego lá.
No sábado,
cerca de 5 mil pessoas — segundo estimativas da PM — foram às ruas em
São Paulo para protestar contra o assalto ao estado brasileiro. Os que
organizaram a manifestação fizeram tudo certo: distinguiram-se dos
idiotas que pedem intervenção militar e os isolaram, deixando claro que o
impeachment de Dilma está condicionado, como não poderia deixar de ser,
à comprovação de que ela sabia de tudo. Ou por outra: os que
protestavam levavam à rua um discurso afinado com a democracia e com o
estado de direito.
Mas quê…
Os manifestantes estão sendo tratados com ironia, desprezo e sarcasmo.
Chega a ser nojento. Nesta segunda, a Folha publica números de uma
pesquisa Datafolha indicando que, para 66%, a democracia é sempre melhor
do que qualquer outra forma de governo. Dizem não se importar com o
regime 15%. Apenas 12% sustentaram que, sob certas circunstâncias, uma
ditadura pode ser melhor. E 7% afirmam não saber.
Maliciosos
estão querendo ver uma dissonância entre esses números e os que vão
protestar. Ou por outra: os que vão às ruas contra Dilma estariam na
contramão dos 66% que defendem a democracia. Na melhor das hipóteses, é
uma bobagem. Na pior, uma canalhice. O que essa gente sustenta? Que a
democracia é boa desde que não seja posta em prática? Ora…
É preciso
tomar cuidado com ligeirezas. Em artigo na Folha de domingo, Mauro
Paulino, diretor-geral do Datafolha, e Alessandro Janoni, diretor de
pesquisas, produziram um parágrafo que não honra a especialidade de
ambos. Lá está escrito:
“Quanto às mobilizações populares da oposição, sua ocorrência localizada e regional — assim como o ruído em suas intenções — têm servido muito mais para fixar a ideia de provincianismo na empreitada do que propriamente para gerar fato político relevante para a população”.
Epa! Aí
não! Pergunto à dupla: isso é pesquisa ou é só preconceito? Os
pesquisados estão dizendo que os protestos são “provincianos”,
“localizados” e “regionais”? A propósito: como é que surge uma
manifestação universalista, generalizada e nacional? Assim, não,
rapazes! Isso não é pesquisa, é chute; não é nem análise nem opinião
técnica, mas só uma visão preconceituosa da mobilização.
Ah, sim: a
pesquisa aponta também que, para a maioria, a miséria do sistema de
saúde é um problema mais grave do que a corrupção. E daí? Isso quer
dizer que as pessoas não se importam pouco com a roubalheira? Não! Isso
apenas quer dizer que a saúde consegue ser ainda pior do que a…
corrupção! Entenderam?
Para
encerrar: o senador eleito por São Paulo, José Serra (PSDB), compareceu
ao protesto do sábado. Fez bem! Aliás, é o que deveriam fazer todos os
líderes tucanos. Nem que houvesse apenas 50 pessoas nas ruas. E tanto
mais devem fazê-lo num momento em que antigos defensores das
“manifestações populares” deram agora para achar que os que protestam
são golpistas ou provincianos. A menos que estes carreguem a
universalista bandeira vermelha nas mãos. O vermelho? Ok, serve de
alusão aos milhões que morreram ao longo da história para realizar a
utopia desses bananas.
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