quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
O governo desencadeou, ontem, uma operação para defender a
permanência no cargo da presidente da Petrobras, Graça Foster, como quer
a presidente Dilma Rousseff.
O vice-presidente da República, Michel Temer, disse que não há acusação formal contra Graça e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu que ela permaneça no cargo. A estatal divulgou nota em que assegura que Graça só soube de irregularidades denunciadas pela geóloga Venina Velosa da Fonseca, em e-mail enviado em 20 de novembro deste ano.
No entanto, mensagens anteriores e documentos confidenciais que o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, teve acesso mostram que, muito antes dessa data, Graça foi informada por Venina de problemas graves na Petrobras. CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR
O vice-presidente da República, Michel Temer, disse que não há acusação formal contra Graça e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu que ela permaneça no cargo. A estatal divulgou nota em que assegura que Graça só soube de irregularidades denunciadas pela geóloga Venina Velosa da Fonseca, em e-mail enviado em 20 de novembro deste ano.
No entanto, mensagens anteriores e documentos confidenciais que o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, teve acesso mostram que, muito antes dessa data, Graça foi informada por Venina de problemas graves na Petrobras. CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR
Às 3h50 do dia 3 de abril de 2009, Venina pediu ajuda a Graça para
concluir um texto em que descreve irregularidades. Na época, Graça era
diretora de Gás e Energia e Venina, gerente executiva da Diretoria de
Abastecimento. "Gostaria de ter uma opinião sua sobre um texto final que
preciso encaminhar. Posso deixar para você ler? Você sabe qual é o
assunto. Fique à vontade se você achar melhor não ler. Aguardo sua
resposta para deixar ou não o material com a sua secretária." CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR.
No mesmo 3 de abril de 2009, há um "Documento Interno do Sistema
Petrobras", chamado de DIP, em que Venina concluiu pela ocorrência de
"irregularidades administrativas" na área de comunicação do
Abastecimento. O assunto a que a geóloga se referiu era uma auditoria
presidida por ela para desbaratar um esquema que desviou milhões de
reais da estatal.
O esquema beneficiou integrantes do PT da Bahia - o mesmo grupo
político do então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Venina
escreveu para Graça na madrugada, pouco antes de concluir o DIP em que
pediu a demissão de Geovanne de Morais. Ela procurou Graça para obter
ajuda.
Sozinho, o militante petista Geovanne pagou quase R$ 38 milhões a
serviços não realizados na área de comunicação. O desvio foi maior do
que isso: R$ 58 milhões em contratos, cujos serviços não foram
prestados. Foram identificadas também notas fiscais com o mesmo número,
totalizando R$ 44 milhões na área de comunicação.
Em nota divulgada ontem, a Petrobras informou que Geovanne não foi
demitido, em 2009, porque "seu contrato de trabalho estava suspenso, em
virtude de afastamento por licença médica". A demissão só foi efetivada
quatro anos depois, em 2013. No entanto, Venina pediu que Geovanne fosse retirado imediatamente da
empresa e apresentou um parecer jurídico para tanto. "A demissão deve
ser implementada ainda que esteja o empregado gozando de auxílio doença,
visto o risco representado pela manutenção de seu vínculo empregatício
para a continuação das averiguações", escreveu ela.
Mesmo com essa determinação expressa da geóloga que comandou a
auditoria sobre desvios na área de comunicação, Geovanne foi mantido nos
quadros da estatal por pressões internas feitas por Paulo Roberto
Costa, então diretor de Abastecimento que, após ser preso, neste ano,
delatou casos de corrupção na companhia. A alegação de Costa para que
Geovanne ficasse foi a mesma utilizada na nota divulgada ontem pela
Petrobras: a de que ele estava em licença médica.
Graça foi informada sobre esses problemas e, portanto, sabia dos
desvios que aconteceram na estatal. Mas, em depoimento à CPI mista da
Petrobras, ela disse, em 11 de junho, que não sabia de irregularidades
na companhia, mas apenas de suspeitas. O episódio de desvios milionários na área de comunicação não foi mera
suspeita. Houve comprovação de que ilícitos ocorreram e Venina pediu
ajuda a Graça no dia em que concluiu a auditoria sobre o caso.CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR.
Em outro e-mail, enviado às 12h05 de 7 de outubro de 2011, Venina fez
um verdadeiro desabafo a Graça sobre os problemas na estatal. "Oi,
Graça! Eu gostaria de estar aí, conversando com você, olhando direto nos
seus olhos, para você sentir o que eu quero dizer, mesmo correndo o
risco de chorar na sua frente; não seria a primeira vez", escreveu a
geóloga. "Vou escrever para você mesmo sabendo que existe a
possibilidade de você ir à sala do diretor Paulo Roberto e de ele depois
me questionar o que eu fui fazer na sua sala", continua, referindo-se a
Costa, na época, o chefe imediato de Venina.
"Hoje, eu posso dizer que estou praticamente sozinha na empresa. Os
fatos que ocorreram quando eu fui retirada do meu cargo e enviada para
Cingapura fizeram com que pessoas mais próximas se afastassem de mim com
medo de sofrer retaliações." Venina se referiu à sua transferência para
o escritório da Petrobras, em Cingapura, para onde foi mandada em
fevereiro de 2010, após fazer denúncias de irregularidades na estatal.
Chegando à Ásia, foi pedido a ela que não trabalhasse.
Nessa mensagem, a geóloga faz comentários sobre os problemas sérios
vividos dentro da Petrobras, revelando que Graça conhecia o assunto.
"Dos cinco e-mails que escrevi ao diretor, quatro foram bastante
cordiais e, no último, eu escrevi o verdadeiro motivo que me afastou das
nomeações: confronto de valores", disse Venina. "Eu escrevi para ele
que eu estava me sentindo humilhada, acuada e assediada."
Em seguida, a geóloga escreveu a Graça que "o que aconteceu dentro do
ABAST (Diretoria de Abastecimento) na área de comunicação e obras foi
um verdadeiro absurdo". Ela questionou disputas entre técnicos por novas
formas de contratação e "licitações sem aparente eficiência".
"Infelizmente, eu não sou sozinha, não posso me aventurar aqui fora. Se
pudesse, pode ter certeza que é o que eu faria. Porém, se não posso
lutar aqui fora, vou para o Brasil para brigar pelos meus direitos. Eu
não fiz nada errado. Não vou aceitar ser penalizada pelo que não fiz.
Não vou, de forma alguma, aceitar isto! Se eu não consigo dialogar
dentro do ABAST não tenho outra alternativa a não ser procurar outros
meios, mas eu não gostaria de fazer isto sem antes conversar com você."
Venina disse para Graça que estava avaliando qual atitude deveria
tomar. Ela é explícita ao ressaltar que parte da documentação que possui
sobre irregularidades já era de conhecimento de Graça. "Existem
alternativas que eu estou avaliando apesar do receio de trazerem risco
para mim e para minhas filhas. Gostaria de te apresentar parte da
documentação que tenho, parte dela eu sei que você já conhece", escreveu
a geóloga.
"Gostaria de te ouvir antes de dar o próximo passo. Não quero te
passar nada sem receber um sinal positivo da sua parte. Mesmo que você
se recuse a se envolver nisto, vou continuar te admirando pela mulher
corajosa, firme e respeitada que você é e que chegou aonde chegou sem
ter que abrir mão dos valores que tem. Minha admiração e respeito por
você vai além desse problema que estou te apresentando. Me desculpe por
tomar seu tempo, tentei ser breve mas a emoção não permitiu."
Cinco meses após essa mensagem, Graça se tornou presidente da
Petrobras. Venina foi trazida de volta para o Rio, onde lhe deram uma
sala, mas lhe pediram que não fizesse nenhum trabalho. Sem alternativas,
ela volta para Cingapura, onde abre investigação contra um novo esquema
de desvio de dinheiro, agora, envolvendo negociadores de combustível de
navios, chamados de bunkers.
Em 19 de novembro, Venina foi comunicada que seria afastada de suas
funções. Um dia depois, escreveu novamente a Graça. A Petrobras
informou, em nota, que Graça Foster só foi informada de irregularidades
nesse último e-mail.
"Hoje, fui surpreendida com um telefonema do gerente executivo,
informando que eu estava sendo destituída", disse Venina, nessa última
mensagem. A geóloga citou novamente os problemas que encontrou na área
de comunicação e na construção das obras da refinaria Abreu e Lima, cuja
terceira fase só foi autorizada depois que ela deixou a Diretoria de
Abastecimento.
"Novamente, agora em Cingapura, me deparei com outros problemas, tais
como processos envolvendo a área de bunker e perdas, e mais uma vez agi
em favor da empresa, tentando evitar atos contra os interesses dela.
Não chegaram ao meu conhecimento as ações tomadas no segundo exemplo
citado, dando a entender que houve omissão daqueles que foram informados
e poderiam agir", lamentou. "Não posso aceitar mais este sofrimento e
esta injustiça. Sinto, mas terei de usar todas as ferramentas
disponíveis para minha defesa."
A oposição vai pedir, nessa quarta-feira, o afastamento de Graça da
presidência da Petrobras. Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), ela
"mentiu" à CPI e deveria deixar o cargo. (Valor Econômico - Colaboraram Elisa Soares, do Rio, e Raquel Ulhôa e Thiago Resende)
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