Publicado em dezembro 1, 2014 por Redação
Foto: Fundação Florestal, SP
[EcoDebate] Em relação às Reserva Particulares do Patrimônio Natural, o primeiro esboço de algum mecanismo semelhante para proteção ambiental veio com o reconhecimento de áreas particulares protegidas começou a ser previsto na legislação brasileira no Código Florestal de 1934. Naquela época, essas áreas eram chamadas de “florestas protetoras”. Em 1965, foi instituído o novo Código Florestal e a categoria “florestas protetoras” desapareceu.
Em 1977, alguns proprietários procuraram o extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF- desejando transformar parte de seus imóveis em reservas particulares. Visando atender a essa demanda foi editada a Portaria IBDF n° 327/77, criando os Refúgios Particulares de Animais Nativos – REPAN. Essa Portaria foi substituída mais tarde pela de nº 217/88 que instituía as Reservas Particulares de Fauna e Flora.
Devido à grande procura e à necessidade de se estabelecer um mecanismo mais bem definido, com regulamentação mais detalhada para as áreas protegidas privadas, em 1990, a partir de proposta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, foi publicado o Decreto Federal nº 98.914, criando as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN. Em 1996, esse decreto foi substituído pelo Decreto nº 1.922, de 05/06/1996. Posteriormente, com a publicação da Lei n° 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do SNUC) em 2000, as RPPNs passaram a ser uma das categorias de Unidade de Conservação do grupo de uso sustentável.
Em função da necessidade de adequar os procedimentos de criação e gestão da categoria com relação à Lei do SNUC foi publicado o Decreto Federal nº 5.746, de 05/04/2006, que atualmente regulamenta as RPPNs. Na esfera federal o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio é o órgão ambiental do governo brasileiro responsável pela criação, gestão, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação federais.
Em fins de 2012, o Brasil possuía 1081 RPPNs (Drummond, 2014). Destacadamente no estado do Mato Grosso do Sul são quase 100 mil hectares protegidos por PPPNs Federais e Estaduais, distribuídos em 15 municípios, sendo que quase 90% destas áreas estão dentro do Pantanal. A iniciativa da sociedade civil, fato notório a todos, é comprovadamente muito mais ágil e eficiente do que o Poder Público quando há interesse voluntário, sem contendas ou maiores dispêndios, favorecendo o binômio possibilidade/necessidade.
No entanto, tal medida particular não descabe necessariamente dos incentivos relevantes por parte do Poder Público, uma vez que as RPPNs, ao contrário das demais Unidades de Conservação, não acarretam despesas pelo Governo ( Fernandes&Sarmento, 2013).
Infelizmente, as RPPNs não possuem a ampla difusão que deveriam ter, sendo ainda (em percentual relativo) uma minoria absoluta de proprietários que opta por esse mecanismo. Ou seja, conforme visto acima, entre as milhões de propriedades rurais do país, pouco mais de mil optou por esse mecanismo, e a área coberta por RPPN no Brasil está muito aquém de 1% da superfície territorial. Atualmente, os incentivos legais previstos no Decreto 1992/96 são os seguintes (Little, 2003):
a)Isenção do Imposto Territorial Rural (ITR): o governo propicia a isenção do ITR sobre a área averbada como RPPN. É considerado um mecanismo não muito estimulante, dados os baixos valores de ITR (Little, 2003).
b)Prioridade na análise da concessão de recursos pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente: o artigo 12 do Decreto 1922/96 garante prioridade na análise da concessão de recursos do FNMA aos projetos destinados à implantação e gestão das RPPNs . Na prática, percebe-se que a mera existência do instrumento legal que dispõe sobre a prioridade de acesso aos recursos do FNMA não é suficiente para garantir seu propósito.
c)Preferência na análise do pedido de concessão de crédito agrícola: o artigo 13 do referido Decreto garante a preferência na análise do pedido de concessão de crédito agrícola a instituições oficiais. No entanto, o crédito agrícola tem normatização própria e específica, seguindo as normas estipuladas pelo Banco Central, não contemplando em sua linha geral financiamentos preferenciais em propriedades com RPPN averbada (Little, 2003).
De todo o exposto acima em relação às RPPNs, nota-se que o efetivamente criado e implementado – sobretudo em termos de área protegida- está muitíssimo aquém do que poderia ser. Os mecanismos fiscais e de estímulo são tímidos, a difusão é limitada, impera a burocracia, e muitas propriedades possuem problemas fundiários – como títulos provisórios de posse, sem documentação definitiva.
Ou seja, um mecanismo que teoricamente, seria uma ferramenta de excelência em se aumentar a área protegida de ecossistemas em nosso país, fica muito aquém das expectativas. Outro fator a ser analisado é o fato de que os lugares ou municípios que possuem grande número ou área de RPPNs são aqueles de grande potencial turístico, enquanto praticamente não se criam RPPNs em grandes porções de Cerrado ou Amazônia em locais desconhecidos do grande público.
Para reverter esse quadro, uma abordagem seria a criação de mecanismos fiscais realmente mais eficazes e difundidos. Uma abordagem (já adotada em alguns municípios) seria o repasse de parte do ICMS ecológico para proprietários de RPPNs. Outra idéia seria desconto real no imposto de renda (como acontece no caso de incentivos para a cultura com a Lei Rouanet).
Uma terceira abordagem – e bastante interessante – seria, no caso de compensação ambiental de grandes empreendimentos, em que a Lei prega que 0,5% do valor do empreendimento sejam repassados aos órgãos ambientais, a criação de um mecanismo alternativo: ou seja, ao invés de pagar os 0,5% (que no caso de empreendimentos na casa dos bilhões de reais gera um valor significativo) a empresa criaria e manteria uma RPPN de preferência na mesma região ou bacia hidrográfica do empreendimento potencialmente poluidor.
Obviamente, deveria deveria haver regulamentações que garantissem que o porte da RPPN coadunasse com o porte do empreendimento ou seu potencial poluidor. Ou seja, a empresa, além de sua obrigação legal, ainda poderia associar sua imagem a uma área protegida, gerando o efeito positivo de marketing. Acreditamos ser essa terceira abordagem muito interessante, pois saem ganhando o meio ambiente, o empreendedor e a sociedade como um todo.
Enfim, idéias não faltam para alavancar a criação de RPPNs, para que elas se tornem um real e efetivo mecanismo de proteção de grandes parcelas de nossos ecossistemas. Falta a sociedade e os setores políticos se mobilizarem.
Bibliografia:
Drummond, José Augusto. Proteção e produção: biodiversidade e agricultura no Brasil -1 ed. Rio de Janeiro. Garamond, 2014. P: 32–35.
Fernandes, D.; Sarmento, V. L .G. RPPN: A proteção ambiental pela iniciativa privada. Revista científica da Escola de Direito. Universidade Potiguar. Ano 6, número 1. 2012. P:
Little P. E., org.(2003) Políticas Ambientais no Brasil: análises, instrumentos e experiências. IIEB, São Paulo, Peirópolis, Brasília. P: 186-196.
Bruno Versiani – Analista Ambiental IBAMA / MsC Ecologia
Publicado no Portal EcoDebate, 01/12/2014
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