Há sete meses o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vem se
reunindo com representantes das empreiteiras envolvidas no esquema de
corrupção instalado na Petrobras e investigado pela Operação Lava Jato.
ISTOÉ apurou que de maio até a última semana foram realizados pelo menos
quatro encontros com a presença do próprio Janot e outros dois com
procuradores indicados por ele (leia quadro nas páginas seguintes). O
objetivo dessas conversas, que inicialmente foram provocadas pelos
empresários, é o de buscar um acordo no Petrolão.
No Brasil, onde a legislação da delação premiada ainda engatinha, não é comum que o chefe do Ministério Público mantenha conversas com representantes de empresas envolvidas em um processo criminal. Mas, em se tratando de um caso com a alta octanagem que têm as investigações da Operação Lava Jato, as reuniões de Janot com os empreiteiros não poderiam, a princípio, ser tratadas como um pecado. Trata-se de uma prática comum nas democracias mais maduras, cujo principal objetivo não é o de evitar punições, mas o de acelerar as investigações e permitir que o Estado adote medidas concretas e imediatas para evitar a repetição de atos criminosos.
O
problema dos encontros de Janot é que, segundo advogados e dois
ministros do Supremo Tribunal Federal ouvidos por ISTOÉ na última
semana, o acordo que vem sendo ofertado pelo procurador-geral nos
últimos meses poderá trazer como efeito colateral a impossibilidade de
investigar uma suposta participação do governo no maior esquema de
corrupção já descoberto no País. Na prática pode ser um acordão para
livrar o governo.
Na sexta-feira 5, através de sua assessoria, Janot confirmou os
encontros com representantes das empreiteiras e negou que esteja
negociando um acordão. “Como os investigados não têm prerrogativa de
foro, os acordos devem ser tratados com os integrantes da força-tarefa
da Operação Lava Jato, no Paraná”, diz o procurador. Nas conversas que
manteve com representantes dos empresários, porém, Janot, segundo
advogados ouvidos por ISTOÉ, definiu qual o modelo de acordo interessa à
Procuradoria.
Ele quer que as empresas, seus diretores e executivos
assumam a responsabilidade pelos crimes investigados. Pede que as
empresas reconheçam a formação de cartel e que concordem em pagar multas
recordes (no caso da Mendes Júnior, estudos preliminares feitos pelos
empreiteiros indicam que a multa poderá até inviabilizar a sua
continuidade no setor de construção civil). Ainda de acordo com os
advogados, Janot sugere que na delação premiada sejam feitas menções a
políticos de diversos partidos, e não só os da base aliada do governo, e
que as empresas abram mão de recorrer aos tribunais superiores. Em
troca, as empreiteiras continuariam a disputar obras públicas e seus
dirigentes poderiam cumprir as futuras penas em regime de prisão
domiciliar.
Os casos dos parlamentares mencionados serão remetidos ao
Supremo Tribunal Federal (STF) para investigações posteriores. “Isso é
um absurdo. Embora não acredite que seja essa a motivação do procurador,
um acordo nesses termos protege o governo de eventuais investigações”,
disse à ISTOÉ um ministro do STF na tarde da quinta-feira 4, sob o
compromisso de manter o anonimato para não ser impedido de participar de
futuros julgamentos provenientes da Operação Lava Jato.
Segundo este
ministro, ao admitir a formação de cartel e apontar o nome de
parlamentares que teriam se beneficiado, as empreiteiras estariam
indiretamente colocando o governo na situação de vítima de um esquema
montado pelos empresários e alguns agentes políticos, sem que fosse de
seu conhecimento e do qual não obteve nenhuma benesse financeira ou
política.
E, ainda conforme o mesmo ministro, proibir que as empresas recorram aos tribunais superiores pode impedir que elas venham a participar como colaboradoras nas investigações contra as autoridades com foro privilegiado.
E, ainda conforme o mesmo ministro, proibir que as empresas recorram aos tribunais superiores pode impedir que elas venham a participar como colaboradoras nas investigações contra as autoridades com foro privilegiado.
“Se cabe ao STF investigar os políticos com foro especial, limitar que
pessosas que participaram do esquema recorram ao tribunal é violar o
direito de defesa e reduzir o alcance da investigação”, afirmou um outro
ministro do STF ouvido por ISTOÉ. A iniciativa de buscar um acordo com a
procuradoria partiu da Camargo Corrêa. A proposta era a de mobilizar os
empreiteiros para um entendimento comum.
Em 14 de junho, Janot recebeu
os advogados José Geraldo Grossi, Pierpaolo Bottini e Márcio Thomaz
Bastos. Em 20 de outubro, quase um mês depois de homologada a delação
premiada de Paulo Roberto Costa – o ex-diretor da Petrobras que revelou a
existência do propinoduto na estatal e listou empreiteiras e políticos
que teriam participado do esquema –, o procurador recusou uma minuta de
acerto elaborada por Thomaz Bastos.
Assim, o projeto de um acordo comum a todas as empresas envolvidas acabou não prosperando. “Nessa época, ficou evidente o que o procurador-geral buscava e como ele, os procuradores da força-tarefa e o juiz Sérgio Moro iriam agir para forçar as empresas ou parte delas a participar do acordão nos termos propostos pela procuradoria”, disse um dos advogados. Entre os delegados e procuradores da Operação Lava Jato existe a convicção de que manter alguns dos envolvidos na prisão facilita a obtenção de delações premiadas. E as revelações feitas por Costa permitem ao juiz Sérgio Moro decretar as prisões temporárias e provisórias.
Uma estratégia que vem dando resultados, apesar das críticas feitas por alguns setores da sociedade civil. “É inadmissível que prisões provisórias se justifiquem para forçar a confissão de acusados. O combate à corrupção não legitima o atentado à liberdade”, registra manifesto do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovado na terça-feira 2.
Em 13 de novembro, atendendo a pedidos de
Janot, os representantes das empreiteiras participaram de encontro com
procuradores da força-tarefa, em Curitiba. Entre os presentes estavam os
advogados Roberto Telhada, Maurício Zanoide, Dora Cavalcanti, Alberto
Toron, Celso Villardi e Pierpaolo Bottini. Cinco procuradores
representavam a Operação Lava Jato, entre eles Carlos Fernando dos
Santos Lima e Orlando Martello Júnior. Não houve consenso e os
procuradores insistiam na fórmula defendida por Janot.
No dia seguinte
foi deflagrada a sétima etapa da Operação Lava Jato, batizada de Juízo
Final, que levou para a cadeia executivos e diretores das principais
empreiteiras do País. “É evidente que, com os seus principais quadros na
prisão, muitos tendem a acatar as propostas da procuradoria”, afirma
um dos advogados.
Em 16 de novembro, a Toyo Setal aceitou a delação premiada em termos muito próximos do que vem sendo buscado pelo procurador-geral e, em seus depoimentos, os executivos da empresa delataram a formação de cartel e listaram como beneficiários das propinas não só partidos da base do governo como também da oposição. Na quinta-feira 4, o vice-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Leite, também teria feito acordo de delação premiada.
Dez dias depois das prisões, o advogado
Celso Villardi voltou a se reunir com Janot, mas o procurador não abriu
mão de que haja a admissão de culpa de executivos e diretores das
empreiteiras para que houvesse um acordo.
O último encontro de Janot com
representantes das empreiteiras ocorreu em Brasília, na terça-feira 2.
Os advogados Celso Villardi, Maurício Zanoide, Dora Cavalcanti, Alberto
Toron e Roberto Telhada levaram uma proposta de acordo que foi
prontamente rechaçada. A exemplo do que é comum em países como os
Estados Unidos e a Inglaterra, os empreiteiros admitem o pagamento de
multas milionárias, concordam em colaborar com o Ministério Público
fornecendo dados que permitam aprofundar as investigações, se
comprometem a não repetir os mesmos erros, mas recusam a confissão das
pessoas físicas e a abrir mão de recorrer aos tribunais superiores, caso
julguem necessário.
De acordo com os advogados e ministros ouvidos por ISTOÉ, a postura
tomada por Janot nas últimas semanas procura forçar as empreiteiras a
aderirem ao acordo e acaba favorecendo o braço político do Petrolão. Há
mais de dois meses a Justiça homologou a delação premiada do ex-diretor
da Petrobras Paulo Roberto Costa. Isso significa que as informações
prestadas por ele sobre os milionários desvios de recursos ocorridos na
estatal passaram por uma primeira análise e foram consideradas
relevantes.
Com base nesses depoimentos e na comprovação de centenas de
movimentações financeiras realizadas no Brasil e no exterior, diretores e
executivos das maiores empreiteiras do País estão presos. Com os
políticos acusados por Costa de receberem boa parte dos recursos
roubados da Petrobras a situação é outra, apesar de as provas serem as
mesmas.
Para que as investigações sobre eles sejam iniciadas é preciso
que Janot faça uma denúncia ao ministro Teori Zavascki, do STF. O
procurador-geral, no entanto, tem dito que só tomará essa medida depois
de homologada a delação do doleiro Alberto Youssef. Enquanto isso,
empreiteiros que continuam presos podem aderir ao acordão. Quando o caso
chegar no STF, segundo os advogados ouvidos por ISTOÉ, os rumos poderão
ser diferentes. “No STF poderemos saber exatamente do que somos
acusados e responder a tudo, inclusive apontar todos os envolvidos”,
asseguram pelo menos dois grandes empreiteiros citados na Operação Lava
Jato. (ISTO É)
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