sábado, 6 de dezembro de 2014

Só é possível preservar florestas se os povos tradicionais forem ouvidos

G1


Igarapé do Arquipélago de Bailique, na Amazônia
As florestas são o elemento mais importante para atenuar os efeitos dos gases nocivos que a atividade humana tem deixado na atmosfera.


 Tanto assim que, durante a Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas – COP 15, realizada em Copenhague em 2009, o representante do Gabão, país da África, chegou a sugerir a criação de uma organização não governamental que se chamasse Aliança das Florestas, unindo países que têm esse trunfo em seu território. A iniciativa não foi para a frente.


Mas preservar as florestas deve ser um dos assuntos prioritários entre os líderes que estão reunidos até o dia 12 em Lima (COP 20), convocados pela ONU para debater sobre as mudanças climáticas.



O Brasil, nesse sentido, tem muito a dizer, já que a Amazônia é a região que tem a maior floresta tropical do mundo. Conversei sobre o assunto com Paulo Amaral (foto abaixo), pesquisador sênior do Imazon, instituto de pesquisa cuja missão é promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia.


A boa notícia que ele me deu é que, sim, há meios de manter a mata preservada e, ao mesmo tempo, extrair dela madeira e frutos. Mas, para atingir esse objetivo, é fundamental ouvir e negociar com os povos tradicionais, pessoas que, de verdade, vivem o dia a dia num dos maiores tesouros que a humanidade tem atualmente.


E mais: há 24 milhões de hectares de terra desmatada na região amazônica. Se esses espaços forem usados pelas empresas de agropecuária, desde que façam uma recuperação adequada, por muito tempo não se precisará avançar mais sobre a floresta para esse fim. Veja abaixo a entrevista:
Paulo Amaral, pesquisador do Imazon 


Qual a proposta que vocês, ambientalistas, têm para preservar a Floresta Amazônica?
Paulo Amaral – O que nós estamos propondo é o Manejo Florestal Comunitário e Familiar. Que ele seja feito em áreas de concessão florestal que não envolva apenas as empresas, o setor privado, mas também as comunidades. Sem envolver áreas públicas, setor privado e áreas de comunidade, a conta não vai fechar.


O que você quer dizer com isso?
Paulo Amaral – Não teremos madeira suficiente para atender a demanda do setor florestal. Uma forma de organizar o setor florestal e combater a ilegalidade é conceder áreas para o setor privado sim, mas dando todo o poder de comando e controle ao estado e cobrar o cumprimento desses contratos. Dessa forma vai-se conseguir organizar mais o setor em termos até de logística. Por outro lado, tem que estimular a participação das comunidades.


Estou entendendo que essa parceria entre empresas e comunidades é possível desde que cada um possa trocar com o outro a sua expertise... É isso?
Paulo Amaral – Sim, e já existe essa experiência, por exemplo, na Guatemala. A comunidade vai sendo capacitada com oficinas, fazendo projetos-piloto de manejo florestal na região. O que precisa é dar escala para isso. Além disso, o fundamental é que as comunidades possam fechar contratos que não sejam desfavoráveis a elas. Aí é necessário que os órgãos fiscalizadores fiquem atentos.


O que é mais difícil nessa relação, quando as empresas entram para administrar as florestas?
Paulo Amaral – A questão que se precisa entender é que não existe planejamento e exploração de floresta a curto prazo. Para fazer um manejo sustentável tem que saber que o cenário será de, no mínimo, 25 anos. Não adianta fazer uma exploração desordenada no primeiro ano e deixar o problema para a comunidade resolver. Os preços também têm que ser aqueles praticados pelo mercado, senão é injusto.



Qual o conceito de manejo florestal sustentável?
Paulo Amaral – O manejo florestal envolve algumas etapas e a exploração de madeira é apenas uma etapa. Tem que fazer planejamento, tem que ter técnica para fazer a extração da árvore causando poucos danos para as que estão do lado. E aí, com esses cuidados, é preciso fazer um monitoramento para saber como essa floresta está se comportando. O manejo preconiza que só vai ser retirado, em cada ciclo, a quantidade de volume que aquela floresta é capaz de recompor.


Infelizmente, sabemos que esses cuidados nem sempre são tomados. O próprio Imazon detectou 244 quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia Legal em outubro. Qual o processo que leva a esse crime, esse desastre ecológico?


Paulo Amaral – Temos que ver que o princípio é que floresta tropical tem que ser úmida. Uma intervenção feita de maneira irresponsável, sem levar em conta o tamanho das árvores que são retiradas, sem levar em conta os danos que uma retirada feita de qualquer maneira podem causar às outras árvores, abre clareiras, deixa resíduos e seca essa floresta. Uma floresta seca fica mais suscetível a incêndios.

E floresta que pega fogo uma vez tem muita chance de pegar fogo novamente. A exploração intensiva reduz a biomassa e ela tem mais dificuldade de se regenerar. Com isso, o prejuízo é total para todos porque o ciclo de corte, que era de 50 anos, passa a ser de 90 anos.


Bem, então o que você está me dizendo é que é possível ter lucro com florestas se houver cuidados na hora de explorá-la. Nós temos bons exemplos de exploração de baixo impacto aqui no Brasil?


Paulo Amaral – Sim, há projetos-piloto na reserva Verde Para Sempre, na reserva Chico Mendes, na Vila Jatobá (onde irmã Dorothy foi assassinada em 2005). Nesses lugares deu certo, a comunidade se capacitou. Mas tem que dar escala, ou seja, mais comunidades precisam ser treinadas. E o governo tem que olhar o pequeno como pequeno e o grande como grande. Fazendo assim, pode haver parceria entre empresas e comunidades.



Inserindo os povos tradicionais na negociação.
Paulo Amaral – Sim, claro! Qualquer discussão sobre Amazônia tem que entender que há várias Amazônias: a seca, a úmida, a do cerrado. E tem que levar em conta também que lá tem muita gente morando, é uma população de São Paulo inteira. Se não inserir essa população nesses processos, eles vão fracassar. A Amazônia tem um potencial enorme para produção de serviços ambientais, por exemplo: pagar pelos serviços de proteção aos mananciais de água...


Há especialistas que criticam esse processo de remuneração porque acaba que o morador vai receber dinheiro sem produzir...
Paulo Amaral – O benefício direto é para quem produz e conserva. É uma forma de proteger, conservar, valorizar. Só se conserva aquilo que tem valor e quanto mais valor, mais cuidado a região terá. Esses povos tradicionais (índios, quilombolas...) são fundamentais para a Amazônia justamente por isso. É só olhar o mapa e verificar: as terras que têm dono são protegidas, produtivas.


Considera-se, genericamente, o agronegócio como um vilão da floresta. É isso?
Paulo Amaral – Hoje as áreas abertas na Amazônia são suficientes para atender a demanda de grão e de gado. Há 24 milhões de hectares desmatados, bastante para atender a demanda do mercado. O agronegócio pode restaurar essas áreas, recuperar parte delas. O governo pode dividi-las e criar infraestrutura, abrir estradas somente onde há áreas desmatadas, por exemplo. Para que elas possam ser um polo de produção.


O Manejo Florestal Comunitário, então, é uma luz no fim do túnel para as gerações futuras?
Paulo Amaral – Envolver todos os atores é, sim, um elemento fundamental para a conservação das florestas.




*Fotos: Igarapé do Arquipélago de Bailique, na Amazônia (Amelia Gonzalez)
Paulo Amaral, pesquisador do Imazon (Arquivo pessoal)

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