(O Globo) Além das denúncias de fraude nas licitações da Petrobras por
carta-convite reveladas pela Operação Lava-Jato, organismos de controle
como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a ONG Transparência Brasil
apontam outras brechas para direcionar contratos de compras da estatal. O
Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobras, criado em 1998 para
dar agilidade à companhia, prevê ainda o uso da tomada de preços, do
leilão e da concorrência nos moldes do que é feito no setor público. No
entanto, a estatal praticamente abandonou essa última opção.
Além das cartas-convite, que passaram a dominar as contratações da
empresa a partir de 2004, a Petrobras usa a inexigibilidade ou dispensa
de licitação para fechar um volume expressivo de contratos. Um
levantamento da Transparência Brasil nos contratos da estatal apenas
entre 2009 e 2014 mostra que empresas e consórcios citados na Lava-Jato
ganharam R$ 3,6 bilhões em acordos sem concorrência.
TCU QUER MUDAR REGULAMENTO
Além de controlar a
lista de participantes nas licitações por convite, executivos da
estatal podem estabelecer especificações ou decretar urgência nos
projetos para contratar por inexigibilidade ou dispensa de licitação.
Foi o expediente usado, por exemplo, para contratar parte das obras da
Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por R$ 1,4 bilhão. Esse tipo de
contratação está na mira do TCU, que desde 2005 pede ao Supremo Tribunal
Federal para obrigar a Petrobras a seguir o regime de licitações do
setor público, regido pela Lei 8.666. As delações premiadas da Lava-Jato
revelaram que a modalidade convite também deu aos diretores da
Petrobras condições de direcionar as contratações.
— A Petrobras deveria se aproximar o máximo possível da Lei de
Licitações do setor público. A licitação por convite tem o problema
fundamental de ficar restrita a um grupo de empresas, mas há
vulnerabilidades em todas as modalidades na Petrobras. O número de
compras por inexigibilidade ainda é muito alto — diz Claudio Weber
Abramo, diretor da Transparência Brasil. — Mesmo que o regulamento não
mude por causa do processo decisório, precisa ser melhor vigiado. Falta
um controle eficiente das compras, do copinho de plástico às
plataformas.
Como O GLOBO publicou ontem, em 2004 (início do período investigado
na Lava-Jato), 92% de tudo que a companhia comprou foi sem concorrência.
Essa proporção caiu drasticamente nos anos seguintes, quando a
Petrobras passou a privilegiar as licitações por convite, que chegaram a
76% em 2009. Desde 2012, os contratos por inexigibilidade e dispensa
voltaram a crescer. No ano passado, quase foram 40% do total. Nessas
duas modalidades, a Petrobras contrata diretamente de um fornecedor, mas
precisa comprovar que só ele é capaz de entregar aquele serviço ou
equipamento dentro de determinadas especificações ou que detém produto
ou tecnologia sem similares no mercado. Há ainda a contratação direta
por urgência.
Em tese, as licitações por convite são melhores para a estatal do que
as compras por dispensa ou inexigibilidade, porque existe concorrência.
Mas investigados na Lava-Jato que se tornaram delatores revelaram que
os certames por convite favoreceram o cartel que direcionava contratos
de grandes obras. Com a ajuda dos ex-diretores Renato Duque e Paulo
Roberto Costa, que também aderiu à delação premiada, muitas
concorrências foram encenadas.
O ex-gerente de engenharia da Petrobras Pedro Barusco e o executivo
da Setal Augusto Mendonça disseram à Justiça que a lista de convidados
para licitações eram decididas pelos ex-diretores com integrantes de um
cartel. Após limitar os convites às “sócias do clube”, decidia-se qual
empresa venceria para que as outras fizessem propostas mais altas. Dessa
forma, um contrato superfaturado, direcionado para determinada
empreiteira, passava pelos órgãos de controle como fruto de uma seleção
por menor preço, sem a necessidade de justificativas como as exigidas na
dispensa ou inexigibilidade de licitação.
A revelação dessa dinâmica já tem sido usada por defensores dos
executivos das empreiteiras que estão presos para derrubar a tese da
Petrobras de que foi vítima do cartel. Costa confirmou o esquema, mas
Duque nega as acusações. Procurada pelo GLOBO, a Petrobras não
respondeu.
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