O enigma do tesoureiro
Tesoureiros têm a chave do cofre e apenas obedecem. Vaccari não é diferente de DelúbioSoares ou PC Farias
Decifra-me ou te devoro. João Vaccari Neto não é boquirroto, não ergue
punho cerrado, fala baixo e sempre arrecadou quieto para o PT. Bancário e
sindicalista, Vaccari é considerado um soldado do Partido dos
Trabalhadores. Aos 56 anos, com olhar triste ou resignado e aquela barba
branca de ursinho fofinho, o agora ex-tesoureiro do PT, afastado após
meses de corda bamba, parece ter a consciência tranquila de quem apenas
cumpriu ordens. E com eficiência.
Essa é a sina dos tesoureiros. Eles têm as chaves do caixa e do cofre e
apenas obedecem. Vaccari não é diferente de Delúbio Soares, o operador
do mensalão. Não é diferente de PC Farias, o tesoureiro de campanha de
Fernando Collor nas eleições de 1989. PC Farias foi acusado de ser testa
de ferro de Collor em vários esquemas de corrupção. A diferença, a
favor (?) de Vaccari, é o valor. PC Farias teria arrecadado de
empresários privados o equivalente a US$ 8 milhões em dois anos e meio
do governo Collor (1990-1992). O “esquema PC” movimentou mais de US$ 1
bilhão dos cofres públicos. Tudo fichinha diante dos atuais desvios
denunciados pela Lava Jato – apenas a Petrobras admite um prejuízo de R$
6 bilhões.
Vaccari não poderia ser abandonado por Lula e Dilma até cair. Por mais
que setores do PT alertassem para afastar o tesoureiro antes da tragédia
anunciada, como abandoná-lo sem que ele se sentisse traído? Alguns
dirigentes do partido têm medo que Vaccari possa, encarcerado, virar um
“homem-granada”, depois de ter adquirido, com razão, a fama de
“arrecadador eficiente”. O caixa do PT era um antes dele. E outro
depois. Em 2007, o PT arrecadou R$ 8,9 milhões; em 2009, R$ 11,2
milhões. Em 2010, Vaccari passou a comandar a tesouraria. Sucesso
absoluto. Em 2011, o PT arrecadou R$ 50,7 milhões; em 2013, R$ 79,8
milhões.
Presidente do Sindicato dos Bancários desde 1994, Vaccari entrou no
Banespa aos 19 anos como escriturário. Sindicalista de alma e ação,
participou da fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). De
lealdade canina ao PT, Vaccari age como os que servem ao chefe e à chefa
sem perguntar o que é moral, amoral ou imoral. O tesoureiro não move um
músculo do rosto quando acuado, só as rugas de expressão na testa
denunciam o desamparo. Disse candidamente à CPI da Petrobras que não
sabe por que motivo foi ao encontro do doleiro Alberto Youssef.
Em
fevereiro, recusou-se a abrir o portão de sua casa para a Polícia
Federal. Os policiais pularam o muro para cumprir mandado de busca e
apreensão. Vaccari já flertava com o malfeito havia tempos. É um dos
réus no Caso Bancoop. Acusado de crime de formação de quadrilha,
estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, por desvios
milionários e prejuízo a cooperados que não receberam suas casas. [mas entregou o triplex comprado pelo Lula na mesma Bancoop.]
Vaccari foi finalmente preso no dia 15 de abril. Essa prisão, que
envolve acusações à família do tesoureiro – mulher, filha e cunhada –, é
mais que simbólica. A história contemporânea dos tesoureiros é prova
disso. Eles podem levar a culpa por tudo. Podem fugir para a Europa,
para a Tailândia. E até ser assassinados, como PC. O ex-patrão de PC,
Collor, tornou-se amigo dos reis. Dá para entender a amizade. É a
“nomenklatura”. Eles se reconhecem, se afagam, se solidarizam.
Não sei se Dilma Rousseff hoje se vangloria de ter vencido as eleições.
O preço é alto demais. A cada manhã, ela depara com uma nova denúncia. A
cada fim de tarde, sofre uma nova derrota. A cada divulgação de números
– do PIB à Educação, passando por todos os setores essenciais –, Dilma
se confronta com o fracasso de seu primeiro mandato e com o desperdício
de anos de irresponsabilidade fiscal e gastos desmesurados da máquina,
comprometendo os bancos públicos. Dilma poderia hoje estar apenas
pedalando sua bicicleta caso tivesse perdido as eleições. O Brasil deve
esquecer essa história de impeachment. A presidente tem de expiar
publicamente seus pecados, submeter a economia e a política a ajustes de
valores numéricos e morais e recolocar o país num rumo que reverta a
herança maldita.
Agora, o tesoureiro está preso. Em entrevista à CNN espanhola, Dilma
foi categórica. “Estou segura de que minha campanha não tem dinheiro de
suborno.” Dilma tem “certeza” disso porque suas contas da campanha foram
todas “auditadas” e “aprovadas”. “Gostaria de dizer o seguinte: se
alguma pessoa ganha dinheiro de suborno, essa pessoa será responsável. É
assim que deve ser.” Quem será essa pessoa que transformou propina em
doação legal? Quem será?
O procurador Deltan Dallagnol disse que “Vaccari tinha consciência de
que os pagamentos eram feitos a título de propina”. A denúncia foi
aceita pela Justiça Federal do Paraná. Vaccari pertence à mesma corrente
do PT de Lula, José Dirceu e Antonio Palocci, chamada “Construindo um
Novo Brasil”. Ele é hoje a esfinge a ser decifrada.
Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época
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