sexta-feira, 15 de maio de 2015

“STF está tomando decisões baseadas em política, e não em questões técnicas”, diz Lindomar Terena sobre anulação de demarcações



Inserido por: Administrador em 12/05/2015.

Fonte da notícia: Luciana Gaffrée, Rel-UITA

 
Estado brasileiro cadê sua culpa?


Não vê que suas mãos estão manchadas de sangue? 


Quem é esse indivíduo ensanguentado? É apenas um indígena sem alma


Lindomar Terena, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, presente no Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas, em Nova York (EUA), encerrado na sexta-feira, 1° de maio, em entrevista para A Rel, denuncia que os povos indígenas no Brasil estão sendo perseguidos e assassinados impunemente, com o aval do Estado brasileiro.  

Você também esteve no Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas no ano passado. De lá para cá houve alguma mudança na situação dos povos indígenas do Brasil?
Não. De fato, a situação piorou muito.  



Por quê?
Porque não vemos nenhuma sinalização por parte do governo brasileiro, de estarem dispostos a ouvir o clamor dos povos indígenas. Pelo contrário, a cada dia o governo atua com decretos que ferem mais drasticamente os direitos dos povos indígenas no Brasil.



Por exemplo?
Eu citaria a decisão política do Poder Executivo Federal, em um ato da Presidência da República, a Portaria 303/12 da Advocacia Geral da União (AGU), que está em vigor, de fato e de direito, desde o dia 05 de fevereiro de 2014, e que diz que os povos indígenas não precisam ser consultados sobre quaisquer empreendimentos que afetarem as suas comunidades. Ao vincular as ditas “Condicionantes” a todas as terras indígenas do Brasil, tudo que o Estado quiser fazer nas terras indígenas, não precisará de consulta aos povos indígenas. Isto desrespeita a Convenção 169, que diz que os povos indígenas precisam ser consultados diante de qualquer empreendimento que for passar por suas terras.
Além disso, a Funai, instituição que defende e cuida dos povos indígenas no Brasil, hoje não pode defender os povos indígenas sem antes pedir autorização ao Procurador Geral da União. Aliás, em muitos casos, a Funai é pressionada a não defender situações de interesses dos povos indígenas do Brasil, porque a opinião do governo brasileiro é de que os povos indígenas não precisam ser consultados. 


E sobre a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal de anular a terra já demarcada dos Povos Terena?
Recentemente, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anular o ato do Poder Executivo com relação à única terra Terena demarcada na história do Brasil, que é a Terra Indígena Limão Verde. Essa terra já estava homologada, os fazendeiros que estavam nela já tinham saído, e já tinham recebido da União a sua indenização, e aí, o que causa estranheza e revolta é que o STF anulou esse decreto de homologação das terras indígenas. Ou seja, eles já tinham tirado as terras dos fazendeiros, já tinham pago aos fazendeiros pelas terras e, mesmo assim, resolveram expulsar  o Povo Terena que já está nessas terras. A única terra Terena na história do Brasil homologada, onde os Povos Terena se esconderam durante a guerra do Paraguai, buscando se salvar. Agora vemos essa decisão, que deixou a todos chocados, da 2ª Turma do STF. 


Há condição de reverter a decisão?
Sim, há. Inclusive os advogados do CIMI e da própria Funai entraram com uma representação do Ministério Público no próprio STF. Quando fomos protocolar o documento, informando que temos provas de que esta terra já era homologada, que os fazendeiros já receberam suas indenizações pelas terras, aí eles se fizeram de espantados, “ah, eu não sabia”. Mas, na verdade, o que se percebe é que a 2ª Turma do STF está tomando decisões baseadas em política, e não em questões técnicas, e nem respeitam o que manda a Constituição Federal Brasileira. 


E qual é essa política, para você?
Política de interesses econômicos, de favores, que muitos dos ministros que estão lá ou são fazendeiros ou devem favores aos fazendeiros, em resumo, é uma troca de favores entre eles. E para cumprirem com seus interesses políticos, não seguem o que manda a lei. Reinterpretam a lei de acordo com interesses particulares. 


Vocês acham que conseguirão lutar contra esses interesses particulares, que são no fundo os das mineradoras, dos latifúndios, do agronegócio e das empreiteiras?
Olha, nós vamos lutar. Embora a conjuntura política do país não seja favorável, com todo esse panorama que sabemos, acreditamos até o último momento que vamos fazer com que a lei seja respeitada. Os povos indígenas estão reivindicando o que reconhecemos como nosso. Nada mais justo que o Brasil, país que posa na ONU e em qualquer lugar do mundo como país exemplo de democracia e de respeito aos direitos humanos, respeite e garanta os nossos direitos. Mas na verdade, o Brasil ainda funciona por meio de práticas que lembram a ditadura. Na teoria mil maravilhas, mas na prática os nossos povos estão sendo banhados de sangue na sua própria terra. 


Se o Estado brasileiro continuar por esse caminho político e econômico, o que eles estão dizendo é que acabarão com os povos indígenas?
Eles não estão dizendo, eles estão fazendo isso. Eles estão criando decretos na presidência da república. Por exemplo, por causa de Belo Monte, a Presidência da República baixou um decreto, o Decreto 7957/14, autorizando as Forças Armadas a inclusive tirar a vida de qualquer manifestante indígena sem serem penalizadas por isso. Ou seja, as FA se ameaçarem a vida de lideranças e povos indígenas que se manifestarem contra aquele empreendimento, poderão matá-los, sem ter que responder por isso. Ou seja, eles não estão dizendo que vão acabar com a nossa vida. Eles estão agindo, eles estão fazendo isso. 


Um exemplo disso foi o assassinato do indígena Eusébio Ka’apor[i], que morreu por lutar pela preservação da Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão. E temos uma liderança Guajajara internada no hospital porque levou um tiro também. Então, essas são ações aplicadas por agentes do governo brasileiro ou por fazendeiros, porque estão em comum acordo. Porque no governo brasileiro está a bancada ruralista de mãos dadas com o agronegócio. Ou seja, cada um pode fazer o que bem entender porque não estão matando seres humanos, estão matando apenas “indígenas” que, para o Brasil, não têm alma e, como não são seres humanos, está permitido matar impunemente, sem haver qualquer intervenção defendendo os indígenas. 



- Então, para o Estado brasileiro os indígenas não têm alma?
- Sim, exatamente. A forma como o governo nos trata é exatamente assim.  E não se pode lutar (ele faz um silencio, profundamente emocionado, suas palavras a partir de agora estarão embargadas pela emoção) pelo seu território, (silêncio), não se pode lutar pelas suas gerações futuras, (silencio) porque você (as palavras não saem) está sujeito a perder a sua vida. 


Então, o alerta que a gente faz para toda a América Latina e para o mundo é a recomendação deixada na União Europeia e aqui na ONU, para que o mundo reavalie e procure saber a origem dos produtos que estão saindo do Brasil, como a cana-de-açúcar, o eucalipto, a carne bovina, porque muitos desses produtos saem das nossas terras indígenas. São produtos exportados para o mundo afora, mas que saem daqui manchados (longo silêncio) com o sangue da população indígena do Brasil. (Longo silêncio, com a voz muito emocionada) Seria isso. 


Luciana Gaffrée


Rel-UITA


[i] Eusébio Ka’apor, 42 anos, da aldeia Xiborendá, da Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, foi assassinado no domingo (26) com um tiro nas costas. De acordo com indígenas que pediram pra não serem identificados, os responsáveis pelo crime são madeireiros do município de Centro do Guilherme, que mataram Eusébio devido às ações de autofiscalização e vigilância territorial iniciadas em 2013 pelos Ka’apor, que culminaram, em março deste ano, no fechamento de todos os ramais de invasão madeireira da Terra Indígena Alto Turiaçu.  Eusébio era um importante guerreiro no combate à exploração ilegal de madeira na TI e membro do Conselho de Gestão Ka’apor. (Fonte: Cimi)

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