O Estado de São Paulo
Judas, Cristo ou São Cristóvão, como ele mesmo sugeriu, o ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, tem como grande tarefa produzir um antimilagre -
mais precisamente, desfazer o milagre realizado pela presidente Dilma
Rousseff e sua trupe nos quatro anos anteriores. Uma inflação de 8,47%
numa economia em recessão e com desemprego em alta é certamente um
prodígio. Mas ainda sobram, nesse quadro, maravilhas suficientes para
embasbacar o povo e confundir os incréus. Os seguidores de São Tomé
deveriam dar uma espiada no resto do mundo para bem apreciar os feitos
da presidente.
Na maior potência global, os Estados Unidos, a economia recupera-se,
apesar de alguns tropeços, e cria 200 mil empregos por mês, e até bem
mais que isso, de vez em quando. A produção industrial cresce até na
Europa, onde a desocupação, ainda alta, vai baixando pouco a pouco.
Muitos emergentes perderam impulso, depois de uma longa fase de
dinamismo, mas, de modo geral, continuam mais vigorosos que o Brasil.
Mas nada disso parece impressionar a presidente. Para explicar a
situação brasileira ela mais uma vez invocou, numa entrevista em
Bruxelas, um mundo particular. Nesse mundo, a marolinha da crise
converteu-se em onda e finalmente se espalhou pelo País. Moisés, segundo
a Bíblia, abriu caminho seco no mar. Dona Dilma inundou um país.
Algumas pessoas tiveram amigos invisíveis na infância. Calvin e seu
tigre de pelúcia vivem aventuras e confusões num mundo imaginário.
Snoopy, o cãozinho, tanto pode ser, na sua fantasia, um piloto da 1.ª
Guerra quanto um escritor estiloso ou um valente explorador. A
presidente Dilma Rousseff tem um tsunami particular. Tem de ser um
tsunami, embora ela tenha usado a palavra onda. Só um impacto descomunal
causaria os danos visíveis em quase toda parte, no Brasil, e traduzidos
em números pelo IBGE e outros produtores de pesquisas.
Nem a presidente Dilma Rousseff reconhece inteiramente os danos causados
por seu tsunami de estimação, o mais estranho dos pets num país onde as
famílias já têm mais cães e gatos que crianças.
Falso há muito tempo, o discurso a respeito das boas condições de
emprego no Brasil tornou-se agora obviamente insustentável, menos,
talvez, para quem vive na fantasia. O desemprego chegou a 8% da força de
trabalho no trimestre de fevereiro a abril, segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad). Em 2012 e 2013, no mesmo período,
ficou em 7,8%, uma taxa muito mais alta do que muitos supunham. Entre
janeiro e abril do ano passado esteve em 7,1%. Caiu por alguns meses,
voltou a subir e bateu, finalmente, em 8%, a mesma taxa registrada no
período janeiro-março de 2013.
A presidente Dilma Rousseff continua dando lições ao mundo e alardeando a
preocupação do governo brasileiro com a preservação dos postos de
trabalho. Mas a taxa média ficou em 7%, no primeiro trimestre deste ano,
nos 34 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), formado na maior parte por economias avançadas e por
algumas emergentes.
No grupo das sete maiores economias (G-7) a média foi 6%. Nos Estados
Unidos chegou a 5,6% nesse período. Na União Europeia o quadro foi bem
mais feio, com 9,8% de desempregados, mas o número médio, nesse caso,
foi puxado para cima por uns poucos países, como França, Itália, Espanha
e, naturalmente, Grécia. Entre janeiro e março a Pnad apontou 7,9% no
Brasil. Detalhe importante: mesmo quando as condições pareciam melhores,
a abertura de postos ocorria principalmente em serviços de baixa
produtividade.
No Brasil, o fechamento de vagas ocorreu, nos últimos anos, mais
acentuadamente nas atividades industriais, onde se mantém,
tradicionalmente, a maior parte dos empregos melhores. A crise foi
particularmente dura nessa área, embora o governo tenha despejado muitas
centenas de bilhões, no mercado, para estimular a demanda e favorecer
alguns segmentos escolhidos. Só as transferências do Tesouro ao Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passaram de R$
400 bilhões, desde 2009, com resultados quase nulos sobre o nível geral
da indústria. Muito ruim nos anos anteriores, o quadro se tornou mais
feio no começo de 2015, antes mesmo de iniciada o ajuste das contas
públicas.
A indústria de transformação produziu no Brasil, no primeiro trimestre
deste ano, 8% menos que entre janeiro e março de 2014. Sobre a mesma
base, a indústria cresceu 2,8% em todo o mundo, 3,7% na América do
Norte, 1,2% na Europa e 7,2% na China. Na América Latina houve contração
de 2,1%, mas esse resultado reflete em boa parte o mau desempenho da
indústria no Brasil (-8%), na Argentina (-1,5%) e no Peru (-4,2%). Os
números foram publicados pela Unido, agência das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Industrial, e difundidos no País pelo Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
As perspectivas para o ano continuam muito ruins. O Banco Mundial
projeta para a economia global crescimento de 2,8% neste ano, 3,3% no
próximo e 3,2% em 2017. Para o Brasil as estimativas indicam contração
de 1,3% em 2015 e expansão de 1% em 2016 e 2% no ano seguinte. Mas esses
talvez sejam os detalhes menos interessantes. Para explicar as
dificuldades da economia brasileira, os técnicos do banco foram além da
menção aos fatores mais comumente citados, como infraestrutura
deficiente, baixo nível de investimento, problemas fiscais, depreciação
internacional das commodities, etc.
No capítulo introdutório, acrescentaram à lista mais convencional uma
referência a “investigações” e uma ao “escândalo de corrupção”. No
capítulo sobre a América Latina a palavra “corrupção” aparece mais três
vezes quando se trata do Brasil. Mais uma conquista do PT: nas análises
da situação e das perspectivas brasileiras, corrupção é listada como
variável econômica.
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