Maioria dos menores infratores estão nas ruas, sem amparo
Não há efetivo para acompanhar quatro mil que cumprem medida socioeducativa longe da internaçãojessica.antunes@jornaldebrasilia.com.br
Aos 17 anos, Alan (nome fictício) tem passagens pela Delegacia da Criança e do Adolescente por roubo, furto, invasão de domicílio, lesão corporal e tentativa de latrocínio.
Por três vezes, foi interno do Sistema Socioeducativo – em uma delas, no antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Apesar disso, 38 dias foi o máximo que ficou internado, revela. Ele deveria ser acompanhado para não voltar ao crime, mas não é o que acontece.
Hoje, mais de cinco mil adolescentes cumprem medidas socioeducativas no DF. Destes, pouco mais de mil estão em restrição total ou parcial de liberdade. A maioria, 4,6 mil, deveria ser assistida em liberdade, como Alan, mas a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude admite falhas e planeja convênios para sanar o déficit de profissionais, que ultrapassa 700.
liberdade assistida
“Deveria haver o acompanhamento do adolescente porque, quando ele é liberado da medida socioeducativa, precisa ficar em liberdade assistida com acompanhamento”, explica Jane Klébia, a titular da pasta. No entanto, admite que “hoje não há como fazer isso” justamente pela falta de profissionais.
De acordo com a secretária da Criança, o déficit de 720 servidores se reflete na atividade diária. “Sem funcionário, todo o processo é comprometido”, mas há um concurso previsto para contratação de 200 em caráter imediato e de mil para cadastro reserva. A expectativa é que o concurso seja realizado até o fim do ano, uma vez incluído na Lei Orçamentária.
A intenção agora é publicar um edital para que instituições ligadas a crianças e adolescentes ajudem a acompanhar com convênios. “A gente quer que todo adolescente que acabou de cumprir a medida seja acompanhado fora das unidades para que tenhamos controle da reincidência”, ressalta. No ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que, no Brasil, a reincidência alcança um índice de 54%. No Centro-Oeste isso chega a 75%.
Para Jane Klébia, a “notória reincidência acontece logo nos primeiros dias” após a liberdade e, “se não tiverem um acompanhamento, vão voltar à mesma comunidade, aos mesmos amigos, às mesmas práticas e ficar tentados a reincidir”.
Fora da escola, imerso na criminalidade
Alan, que apareceu no início da reportagem, é magro, negro, deve ter seus 1,80 metro de altura, conversa encarando fixamente e sabe de cor os artigos das infrações cometidas. Diz viver entre o Buraco do Rato, apelido dado aos estacionamentos subterrâneos do Setor Comercial Sul, e o P Norte, em Ceilândia, onde mora a família.
Com camisa da Seleção Brasileira, blusa de frio e boné com alusão aos Estados Unidos, não larga o isqueiro da mão direita e um celular da esquerda, que usa para falar com a mãe. “Todo dia ela pede para eu voltar”, confessa. Diz que não pode, mas, com insistência, admite: “Não quero voltar para casa”.
Aos 12 anos, fez o primeiro roubo. “Era para conseguir comprar droga”, conta. Na época, era solvente de tinta e cola. Hoje, são pedras de crack. Alan não estuda mais. Avisa que parou neste ano, em pleno 5ª ano do Ensino Fundamental, assim como 82% dos internos no Distrito Federal. Em fevereiro, atingirá a maioridade e sabe: “Tudo vai ser diferente”.
O garoto tem semelhanças e diferenças com o perfil do menor infrator no Brasil e no DF. Menino, negro, pobre, largou os estudos e a família, mas entrou no mundo do crime bem antes que a maioria: Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, apenas 9% dos internos no País iniciaram na infância.
GDF é contra a redução da maioridade penal
Apesar de casos de apreensões de menores terem crescido mais de 60%
no primeiro quadrimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2014,
a secretária de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude é
contra a redução da maioridade penal.
Para Jane Klébia, colocar um ser
humano em formação na cadeia com bandidos formados é fomentar a escola
do crime.
“A discussão não passa pelo entendimento do caráter ilícito da
conduta dele. É um ser que está em formação e precisa ter uma medida
diferenciada”, explica Jane. Para ela, quando o jovem sair, estará
pronto para praticar crimes mais graves. “Diminuir a idade penal e
encarcerar não diminui o problema”, acredita. Mesmo assim, propõe
mudanças no sistema.
Após a desativação do Caje, a titular da pasta afirma que “a
mudança estrutural em termos de acomodação é clara”, passando de uma
para sete unidades de internação socioeducativas. Hoje, diz, há uma
melhora qualitativa na acomodação dos adolescentes e a possibilidade de
desenvolver um trabalho de ressocialização.
PROFISSIONALIZAÇÃO
Segundo a secretária Jane Klébia, em regra, o adolescente que
comete um ato infracional já rompeu com vários vínculos, inclusive com a
educação. “Eu preciso criar condições para que ele retorne e, quando
cumprir a medida, permaneça na escola e conclua os estudos”, avalia.
Depois do acompanhamento e da educação, “é preciso criar condições para
que o menor caminhe sozinho”.
Cursos profissionalizantes são buscados pela pasta, diz Jane, para
que o adolescente use a condição de jovem em formação para iniciar essa
etapa e continue quando sair da unidade de internação. Ela acrescenta
que há perspectivas para que se oportunize a entrada no mercado de
trabalho.
Menor aprendiz
“Hoje, o governo do DF dá esse exemplo. Elaboramos um decreto que
cria condição para que todas as repartições públicas recebam ex-detentos
na condição de menor aprendiz”, garante a secretária.
“O que temos hoje ainda é pouco. Eu não diria que está longe do
ideal porque, se compararmos com outros estados, pelo menos em estrutura
física, estamos bem perto do que determina o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (Sinase)”, afirma Jane.
O presidente da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB-DF, Herbert Alencar Cunha, entende que muito se melhorou desde a desativação do Caje, mas “ainda estamos em uma situação bastante longe ao que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê”.
“Temos que ter uma penalidade com aspecto de escola, onde adolescentes envolvidos em atos infracionais passem por aprendizado, ressocialização, estudo, aprendam uma profissão e estejam inseridos no contexto que o ECA prevê”, observa. No entanto, afirma faltar pessoal capacitado, treinado e acompanhamento social.
Ele acredita que o ECA é um instrumento moderno capaz de mudar a realidade, bastando a aplicação da lei. “O Estado é negligente em relação aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Temos uma situação que se agrava a cada dia”, finaliza.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
Nenhum comentário:
Postar um comentário