domingo, 14 de junho de 2015

O Governo os abandonou e por essa razão nosos filhos vão ser assasinados, nossas filhas estupradas?

Maioria dos menores infratores estão nas ruas, sem amparo

Não há efetivo para acompanhar quatro mil que cumprem medida socioeducativa longe da internação

jessica.antunes@jornaldebrasilia.com.br


Aos 17 anos, Alan (nome fictício) tem passagens pela Delegacia da Criança e do Adolescente por roubo, furto, invasão de domicílio, lesão corporal e tentativa de latrocínio.


Por três vezes, foi interno do Sistema Socioeducativo – em uma delas, no antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Apesar disso, 38 dias foi o máximo que ficou internado, revela. Ele deveria ser acompanhado para não voltar ao crime, mas não é o que acontece.


Hoje, mais de cinco mil adolescentes cumprem medidas socioeducativas no DF. Destes, pouco mais de mil estão em restrição total ou parcial de liberdade. A maioria, 4,6 mil, deveria ser assistida em liberdade, como Alan, mas a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude admite falhas e planeja convênios para sanar o déficit de profissionais, que ultrapassa 700.



liberdade assistida
“Deveria haver o acompanhamento do adolescente   porque, quando ele é liberado da medida socioeducativa, precisa ficar em liberdade assistida com  acompanhamento”, explica Jane Klébia, a titular da pasta. No entanto, admite que “hoje não há como fazer isso” justamente pela falta de profissionais.


De acordo com a secretária da Criança, o déficit de 720 servidores se reflete na atividade diária. “Sem funcionário, todo o processo é comprometido”, mas há um concurso previsto para contratação de 200 em caráter imediato e de mil para cadastro reserva. A expectativa é que o concurso seja realizado até o fim do ano, uma vez incluído na Lei Orçamentária.


A intenção agora é publicar um edital para que instituições ligadas a crianças e adolescentes ajudem a acompanhar com convênios. “A gente quer que todo adolescente que acabou de cumprir a medida seja acompanhado fora das unidades para que tenhamos controle da reincidência”, ressalta. No ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que, no Brasil, a reincidência alcança um índice de 54%. No Centro-Oeste isso chega a 75%.


Para Jane Klébia, a “notória reincidência acontece logo nos primeiros dias” após a liberdade e, “se não tiverem um acompanhamento, vão voltar à mesma comunidade, aos mesmos amigos, às mesmas práticas e  ficar tentados a reincidir”.


Fora da escola, imerso na criminalidade
Alan, que apareceu no início da reportagem, é magro, negro, deve ter seus 1,80 metro de altura, conversa encarando fixamente e sabe de cor os artigos das infrações cometidas. Diz viver entre o Buraco do Rato, apelido dado aos estacionamentos subterrâneos do Setor Comercial Sul, e o P Norte, em Ceilândia, onde mora a família.



Com camisa da Seleção Brasileira, blusa de frio  e boné com alusão aos Estados Unidos, não larga o isqueiro da mão direita e um celular da esquerda, que usa para falar com a mãe. “Todo dia ela pede para eu voltar”, confessa. Diz que não pode, mas, com insistência, admite: “Não quero voltar para casa”.


Aos 12 anos, fez o primeiro roubo. “Era para conseguir comprar droga”, conta. Na época, era solvente de tinta e cola. Hoje, são pedras de crack. Alan  não estuda mais. Avisa que parou neste ano, em pleno 5ª ano do Ensino Fundamental, assim como 82% dos internos no Distrito Federal. Em fevereiro, atingirá a  maioridade e sabe: “Tudo vai ser diferente”.



O garoto tem semelhanças e diferenças com o perfil do menor infrator no Brasil e no DF. Menino, negro, pobre, largou os estudos e a família, mas entrou no mundo do crime bem antes que a maioria: Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, apenas 9% dos internos no País iniciaram na infância.


GDF é contra a redução da maioridade penal
Apesar de casos de apreensões de menores terem crescido mais de 60% no primeiro quadrimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2014, a secretária de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude é contra a redução da maioridade penal.


Para Jane Klébia, colocar um ser humano em formação na cadeia com bandidos formados é fomentar a escola do crime.


“A discussão não passa pelo entendimento do caráter ilícito da conduta dele. É um ser que está em formação e precisa ter uma medida diferenciada”, explica Jane. Para ela, quando o jovem sair, estará pronto para praticar crimes mais graves. “Diminuir a idade penal e encarcerar não diminui o problema”, acredita. Mesmo assim, propõe mudanças no sistema.

Após a desativação do Caje, a titular da pasta afirma que “a mudança estrutural em termos de acomodação é clara”, passando de uma para sete unidades de internação socioeducativas. Hoje, diz, há uma melhora qualitativa na acomodação dos adolescentes e a possibilidade de desenvolver um trabalho de ressocialização.


PROFISSIONALIZAÇÃO 
Segundo a secretária Jane Klébia, em regra, o adolescente que comete um ato infracional já rompeu com vários vínculos, inclusive com a educação. “Eu preciso criar condições para que ele retorne e, quando cumprir a medida, permaneça na escola e conclua os estudos”, avalia. Depois do acompanhamento e da educação, “é preciso criar condições para que o menor caminhe sozinho”.


Cursos profissionalizantes são buscados pela pasta, diz Jane, para que o adolescente use a condição de jovem em formação para iniciar essa etapa e continue quando sair da unidade de internação. Ela acrescenta que há perspectivas para que se oportunize a entrada no mercado de trabalho.


Menor aprendiz
“Hoje, o governo do DF dá esse exemplo. Elaboramos um decreto que cria condição para que todas as repartições públicas recebam ex-detentos na condição de menor aprendiz”, garante a secretária.


“O que temos hoje ainda é pouco. Eu não diria que está longe do ideal porque, se compararmos com outros estados, pelo menos em estrutura física, estamos bem perto do que determina o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)”, afirma Jane.


Longe do que o ECA prevê
O presidente da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB-DF, Herbert Alencar Cunha, entende que muito se melhorou desde a desativação do Caje, mas “ainda estamos em uma situação bastante longe ao que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê”.



“Temos que ter uma penalidade com aspecto de escola, onde adolescentes envolvidos em atos infracionais passem por aprendizado, ressocialização, estudo, aprendam uma profissão e estejam inseridos no contexto que o ECA prevê”, observa. No entanto, afirma faltar pessoal capacitado, treinado e acompanhamento social.



Ele acredita que o ECA é um instrumento moderno capaz de mudar a realidade, bastando a aplicação da lei. “O Estado é negligente em relação aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Temos uma situação que se agrava a cada dia”, finaliza.



Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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