segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A cadelinha perdida






Contribuição do escritor e poeta Ítalo Pasini

Foi recolhida nas imediações do supermercado Candangão, em 16-01-2 016). Encontra-se em minha casa (telefone: xxxx.xxxx).


Prezados Contatos do Sr. Ítalo, aqui é a Yara, a cadelinha da fotografia. Ontem, aconteceu algo ruim comigo, como sói acontecer até com os humanos: fugi de casa e fiquei perdida pelas ruas. Somente sei ganir latir, uivar, etc. fazendo-me entender apenas por aquelas pessoas que gostam dos animais. Assim, para contar-lhes o que quero, faço o Sr. Ítalo de meu “alterego”.

Visualizando uma pequena abertura na grade da varanda de minha casa, não me fiz de rogada e adotei a postura de qualquer cachorro que se sente preso: passei por ali e me mandei para a rua. Encontrava-me no meio da avenida, em meio aos automóveis, completamente desamparada. Uma camionete aproximou-se, parou e a Sra. Railda pegou-me nos braços, de maneira muito carinhosa; mostrou-me para seu esposo que se encontrava na viatura.
Perguntaram aqui, acolá, ninguém tinha idéia de onde eu viera.

Levaram-me para a casa deles, nas proximidades. Lá, uma cadela, mais ou menos do meu tamanho, simplesmente fingia que não me percebia. É como se eu não existisse.

Muita desgraça seria evitada, se os seres humanos soubessem fazer o que aquela tal de Cherry, como a chamavam, estava fazendo. Simplesmente desprezar aquilo que lhes causa contrariedade. Evidentemente que a Cherry não gostou de minha presença naquela casa, no entanto, em vez de latir, tentar morder, etc. ela simplesmente menosprezou-me. Achei uma atitude que se adéqua às normas de boa educação.

Colocaram-me em uma varanda onde havia uma vasilha com água, outra com ração para cães pequenos e um “iglu” bem confortável. A Sra. Railda conversava com as vizinhas, tentando obter alguma informação a meu respeito. Tudo em vão. Por outro lado, nunca fui de vaguear por aquelas bandas, como fazem aqueles cães sem dono.

Mais tarde, observando minha agonia, a Sra. Railda levou-me para seu quarto de costura, colocou-me numa caminha de cachorro, certamente daquela tal de Cherry, que nem sequer olhava para mim... De certa forma, fiquei mais tranqüila, mas não foi suficiente, minha agonia fazia-se sentir e o casal a sentia.

O senhor Ítalo fotografou-me com o celular, foi até o computador e imprimiu alguns papéis, nos quais dizia que eu estava em sua casa e colocou seu telefone. Distribuiu nas imediações, pregou um na estrutura de um orelhão vizinho; outro na parede do supermercado do outro lado da rua, etc.

Mais tarde, mostrando-se agoniado, o Sr. Ítalo começou a caminhar nas imediações, abordando as pessoas. Uma senhora, ao ver o papel, disse-lhe: “alguma pessoa que não mais queria esse cão, soltou-o na rua”. Ao que o sr. Ítalo retrucou, como ouvi-o contar para sua esposa: “senhora, essa cadelinha está muito bem tratada; foi recentemente tosquiada e tem um enfeite na cabeça”. Ela insistia em sua argumentação...

Outra senhora, numa rua abaixo, foi abordada pelo meu “benfeitor”. Ao ver a fotografia, afirmou: “essa é a Yara, cadela de minha vizinha”. Dito e feito. Foram até minha casa e constataram que lá havia apenas dois cachorros; eu não me encontrava lá. Minha proprietária estava fora de casa. Por mais que fosse perguntado, não havia um vizinho que tivesse o telefone de minha proprietária. Esse é o fator que levou meu “alterego” a escrever essa crônica. 

Há um isolamento das pessoas, no âmbito da comunidade, no agrupamento social em que 
habitam. No caso, com a violência reinante em todo o país, com bandidos à solta até nos altos escalões, o cidadão está atrás das grades de suas varandas, reprimidos e sufocados pelos desmandos das autoridades. 

A coisa mais elementar, ouvia meu “alterego” comentando com sua esposa, é que as pessoas devem trocar números  de telefones com a vizinhança, principalmente num local onde as casas são geminadas. No caso de uma emergência (doença, incêndio, tentativa de assalto, etc.) de que adianta o celular? Como falar com o vizinho? Teria que haver uma coesão baseada num consenso espontâneo das pessoas que formam um agrupamento qualquer.

Aqui, na minha condição de cadelinha, acho que meu “alterego” está pleno de razão.
O Sr. Ítalo deixou o papel com a vizinha de minha proprietária. Quase duas horas, de madrugada, escutei a voz de minha dona, que se aproximava da casa do Sr. Ítalo. Minha alegria era indescritível; quando abriu a porta, eu tentava dizer-lhe: é a minha dona, é a minha dona.
Ela e o marido choravam de emoção.

Prometo-lhes que envidarei esforços no sentido de não fugir novamente, porém, sou apenas uma cadelinha; eles, os humanos é que têm que se precaver. -.-.-.





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