Contribuição do escritor e poeta Ítalo Pasini
Foi
recolhida nas imediações do supermercado Candangão, em 16-01-2 016).
Encontra-se em minha casa (telefone: xxxx.xxxx).
Prezados
Contatos do Sr. Ítalo, aqui é a Yara, a cadelinha da fotografia. Ontem,
aconteceu algo ruim comigo, como sói acontecer até com os humanos: fugi de casa
e fiquei perdida pelas ruas. Somente sei ganir latir, uivar, etc. fazendo-me
entender apenas por aquelas pessoas que gostam dos animais. Assim, para
contar-lhes o que quero, faço o Sr. Ítalo de meu “alterego”.
Visualizando
uma pequena abertura na grade da varanda de minha casa, não me fiz de rogada e
adotei a postura de qualquer cachorro que se sente preso: passei por ali e me
mandei para a rua. Encontrava-me no meio da avenida, em meio aos automóveis,
completamente desamparada. Uma camionete aproximou-se, parou e a Sra. Railda
pegou-me nos braços, de maneira muito carinhosa; mostrou-me para seu esposo que
se encontrava na viatura.
Perguntaram
aqui, acolá, ninguém tinha idéia de onde eu viera.
Levaram-me
para a casa deles, nas proximidades. Lá, uma cadela, mais ou menos do meu
tamanho, simplesmente fingia que não me percebia. É como se eu não existisse.
Muita
desgraça seria evitada, se os seres humanos soubessem fazer o que aquela tal de
Cherry, como a chamavam, estava fazendo. Simplesmente desprezar aquilo que lhes
causa contrariedade. Evidentemente que a Cherry não gostou de minha presença
naquela casa, no entanto, em vez de latir, tentar morder, etc. ela simplesmente
menosprezou-me. Achei uma atitude que se adéqua às normas de boa educação.
Colocaram-me
em uma varanda onde havia uma vasilha com água, outra com ração para cães
pequenos e um “iglu” bem confortável. A Sra. Railda conversava com as vizinhas,
tentando obter alguma informação a meu respeito. Tudo em vão. Por outro lado,
nunca fui de vaguear por aquelas bandas, como fazem aqueles cães sem dono.
Mais
tarde, observando minha agonia, a Sra. Railda levou-me para seu quarto de
costura, colocou-me numa caminha de cachorro, certamente daquela tal de Cherry,
que nem sequer olhava para mim... De certa forma, fiquei mais tranqüila, mas
não foi suficiente, minha agonia fazia-se sentir e o casal a sentia.
O
senhor Ítalo fotografou-me com o celular, foi até o computador e imprimiu
alguns papéis, nos quais dizia que eu estava em sua casa e colocou seu
telefone. Distribuiu nas imediações, pregou um na estrutura de um orelhão
vizinho; outro na parede do supermercado do outro lado da rua, etc.
Mais
tarde, mostrando-se agoniado, o Sr. Ítalo começou a caminhar nas imediações,
abordando as pessoas. Uma senhora, ao ver o papel, disse-lhe: “alguma pessoa
que não mais queria esse cão, soltou-o na rua”. Ao que o sr. Ítalo retrucou,
como ouvi-o contar para sua esposa: “senhora, essa cadelinha está muito bem
tratada; foi recentemente tosquiada e tem um enfeite na cabeça”. Ela insistia
em sua argumentação...
Outra
senhora, numa rua abaixo, foi abordada pelo meu “benfeitor”. Ao ver a
fotografia, afirmou: “essa é a Yara, cadela de minha vizinha”. Dito e feito.
Foram até minha casa e constataram que lá havia apenas dois cachorros; eu não
me encontrava lá. Minha proprietária estava fora de casa. Por mais que fosse
perguntado, não havia um vizinho que tivesse o telefone de minha proprietária.
Esse é o fator que levou meu “alterego” a escrever essa crônica.
Há
um isolamento das pessoas, no âmbito da comunidade, no agrupamento social em
que
habitam. No caso, com a violência reinante em todo o país, com bandidos à
solta até nos altos escalões, o cidadão está atrás das grades de suas varandas,
reprimidos e sufocados pelos desmandos das autoridades.
A coisa mais elementar,
ouvia meu “alterego” comentando com sua esposa, é que as pessoas devem trocar números de telefones com a vizinhança, principalmente
num local onde as casas são geminadas. No caso de uma emergência (doença,
incêndio, tentativa de assalto, etc.) de que adianta o celular? Como falar com
o vizinho? Teria que haver uma coesão baseada num consenso espontâneo das
pessoas que formam um agrupamento qualquer.
Aqui,
na minha condição de cadelinha, acho que meu “alterego” está pleno de razão.
O
Sr. Ítalo deixou o papel com a vizinha de minha proprietária. Quase duas horas,
de madrugada, escutei a voz de minha dona, que se aproximava da casa do Sr.
Ítalo. Minha alegria era indescritível; quando abriu a porta, eu tentava
dizer-lhe: é a minha dona, é a minha dona.
Ela
e o marido choravam de emoção.
Prometo-lhes
que envidarei esforços no sentido de não fugir novamente, porém, sou apenas uma
cadelinha; eles, os humanos é que têm que se precaver. -.-.-.
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