segunda-feira, 26 de março de 2018

Afrouxar proteção ambiental não é sinônimo de justiça


5 de Março de 2018 / por Aldem Bourscheit, Jornalista

Uma das passagens mais interessantes do primeiro volume de A República, de Platão, é a narração de um diálogo entre Sócrates e Trasímaco, onde esse afirma que a justiça não é outra coisa “senão a conveniência do mais forte” e que “a injustiça, quando chega a determinado ponto, é mais potente, mais livre e mais despótica do que a justiça”.

O episódio, escrito há quase quatro séculos antes de Cristo, ganha tons de atualidade quando colocado diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que chancelou uma série de recuos legislativos na proteção das florestas e de outras expressões da vegetação nativa brasileira.

Apesar da proliferação de discursos exaltando as benesses da manutenção do equilíbrio ambiental, a maioria dos ministros da Suprema Corte contrariou o falatório próprio e jogou por terra um arcabouço legal que era construído desde os anos 1930, acertadamente sempre ampliando a defesa do verde da bandeira nacional.

Com isso, o Judiciário engrossa as fileiras de setores representativos de parte do mercado, dos Governos e dos Parlamentos para os quais as agendas modernas de proteção da biodiversidade, de abrigo a populações tradicionais e indígenas e da manutenção do balanço climático são "amarras radicalmente ecológicas" ou "mero achismo" , como afirmou um ministro do Supremo ao votar pela derrubada da proteção das florestas.

Com tal linha de pensamento disseminada entre cabeças decisórias, foi tarefa fácil ignorar  três centenas de análises científicas e alertas da Sociedade Civil organizada quanto aos efeitos colaterais da derrocada imposta ao Código Florestal. Na lista, desmatamento em alta e abastecimento de água em baixa não figuram na lista de popularidades do agronegócio nacional.

Não esqueçamos que a legislação florestal brasileira tem baixo nível histórico de implantação, especialmente pelo desânimo de repetidos Governos, pela falta de incentivos econômicos para seu atendimento e por repetidos dribles na restauração do que foi ilegalmente desmatado. A nova legislação traz essas recomendações, mas passados seis anos de sua publicação, quase nada foi regulamentado nesse sentido.

Ainda no devir da história, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva normativas tentaram fazer valer a lei e punir com mais vigor quem desmatou onde não devia. Bastou isso para os que defendem a desregulamentação do uso dos recursos naturais cerrassem os dentes, organizassem um arsenal de falácias e fizessem sua vontade colher maioria de votos no Legislativo Federal.

Esses sim, como se montados sobre um cavalo de Átila, que por onde passava nem grama crescia, seguem atuando explicitamente pela aprovação de pautas arcaicas como maior uso de venenos agrícolas, eliminação de reservas ambientais, drible no monitoramento do que é pescado no país, afrouxamento do licenciamento ambiental, mineração onde lhes der na telha e outras agendas dignas de um futuro alheio à sustentabilidade.

Um dos aspectos mais aviltantes do debate público sobre a proteção da vegetação nativa são os pequenos produtores seguidamente usados como bode expiatório. Afinal, têm suas necessidades lembradas quase que somente em discursos eleitoreiros ou como ferramenta para embasar reduções na proteção ambiental.

Enquanto isso, só crescem as dificuldades de seu dia-a-dia com apoio oficial e linhas de crédito diminutos em relação aos do agronegócio, com assistência técnica precária, pelas pressões do avanço desenfreado da grande produção sobre o território e por outras questões sempre estrategicamente esquecidas pelos porta vozes do retrocesso ambiental.

Esses também vociferam que produtores rurais de todos os portes colherão segurança jurídica a partir do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, conservação da natureza e produção no campo podem atingir um equilíbrio verdadeiro e, especialmente, mais concreto que o proferido pela balança econômica do Legislativo ou que o exalado pelos discursos da Corte.

Desta maneira, sem reformas que atualizem a legislação florestal para as verdadeiras demandas do presente e do futuro dos brasileiros, podemos seguir alimentando injustiças impostas pela conveniência de uns em detrimento de todos.




© Conect@ - Assessoria em Comunicação & Política
Aldem Bourscheit / Jornalista DRT/RS 9781
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Brasília (DF) - Brasil

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