5 de Março de 2018 / por Aldem Bourscheit, Jornalista
Uma das passagens mais interessantes do primeiro volume de A República,
de Platão, é a narração de um diálogo entre Sócrates e Trasímaco, onde esse
afirma que a justiça não é outra coisa “senão a conveniência do mais forte”
e que “a injustiça, quando chega a determinado ponto, é mais potente, mais
livre e mais despótica do que a justiça”.
O episódio, escrito há quase quatro séculos antes de Cristo, ganha
tons de atualidade quando colocado diante da recente decisão do Supremo
Tribunal Federal, que chancelou uma série de recuos legislativos na
proteção das florestas e de outras expressões da vegetação nativa
brasileira.
Apesar da proliferação de discursos exaltando as benesses da manutenção do
equilíbrio ambiental, a maioria dos ministros da Suprema Corte
contrariou o falatório próprio e jogou por terra um arcabouço legal
que era construído desde os anos 1930, acertadamente sempre ampliando a
defesa do verde da bandeira nacional.
Com isso, o Judiciário engrossa as fileiras de setores representativos de
parte do mercado, dos Governos e dos Parlamentos para os quais as agendas
modernas de proteção da biodiversidade, de abrigo a populações tradicionais
e indígenas e da manutenção do balanço climático são "amarras
radicalmente ecológicas" ou "mero achismo" , como afirmou um
ministro do Supremo ao votar pela derrubada da proteção das florestas.
Com tal linha de pensamento disseminada entre cabeças decisórias,
foi tarefa fácil ignorar três centenas de análises científicas e
alertas da Sociedade Civil organizada quanto aos efeitos colaterais da
derrocada imposta ao Código Florestal. Na lista, desmatamento em alta e
abastecimento de água em baixa não figuram na lista de popularidades
do agronegócio nacional.
Não esqueçamos que a legislação florestal brasileira tem baixo nível
histórico de implantação, especialmente pelo desânimo de repetidos
Governos, pela falta de incentivos econômicos para seu atendimento e por
repetidos dribles na restauração do que foi ilegalmente desmatado. A nova
legislação traz essas recomendações, mas passados seis anos de sua
publicação, quase nada foi regulamentado nesse sentido.
Ainda no devir da história, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva
normativas tentaram fazer valer a lei e punir com mais vigor quem desmatou
onde não devia. Bastou isso para os que defendem a desregulamentação do uso
dos recursos naturais cerrassem os dentes, organizassem um arsenal
de falácias e fizessem sua vontade colher maioria de votos no Legislativo
Federal.
Esses sim, como se montados sobre um cavalo de Átila, que por onde
passava nem grama crescia, seguem atuando explicitamente pela aprovação de
pautas arcaicas como maior uso de venenos agrícolas, eliminação de reservas
ambientais, drible no monitoramento do que é pescado no país, afrouxamento
do licenciamento ambiental, mineração onde lhes der na telha e outras
agendas dignas de um futuro alheio à sustentabilidade.
Um dos aspectos mais aviltantes do debate público sobre a proteção da
vegetação nativa são os pequenos produtores seguidamente usados como bode
expiatório. Afinal, têm suas necessidades lembradas quase que somente
em discursos eleitoreiros ou como ferramenta para embasar reduções na
proteção ambiental.
Enquanto isso, só crescem as dificuldades de seu dia-a-dia com apoio
oficial e linhas de crédito diminutos em relação aos do agronegócio, com
assistência técnica precária, pelas pressões do avanço desenfreado da
grande produção sobre o território e por outras questões sempre
estrategicamente esquecidas pelos porta vozes do retrocesso ambiental.
Esses também vociferam que produtores rurais de todos os portes colherão segurança
jurídica a partir do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal
Federal. Todavia, conservação da natureza e produção no campo podem atingir
um equilíbrio verdadeiro e, especialmente, mais concreto que o proferido
pela balança econômica do Legislativo ou que o exalado pelos discursos da
Corte.
Desta maneira, sem reformas que atualizem a legislação florestal para as
verdadeiras demandas do presente e do futuro dos brasileiros, podemos
seguir alimentando injustiças impostas pela conveniência de uns em
detrimento de todos.
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