domingo, 2 de fevereiro de 2014

Depois de tragédias, a busca é pela paz no DF

Cerca de 800 pessoas participaram de protesto contra a insegurança no DF

Carla Rodrigues
carla.rodrigues@jornaldebrasilia.com.br

Com quantas mortes se faz uma mudança? Janeiro mal terminou e o Distrito Federal entra o segundo mês do ano com nada menos que 77 assassinatos registrados. 

Entre eles, o do jovem Leonardo Monteiro, 29 anos, morto durante uma tentativa de assalto em frente ao prédio onde morava, em Águas Claras, quando voltava da academia. 

A temeridade do caso chocou os moradores da região que, cansados de esperar pelo fim das recorrentes cenas de crueldade, foram às ruas, vestidos de branco, pedir por paz. Cerca de 800 pessoas participaram do protesto, a maioria pais e mães. “Não queremos mais correr o risco de perder nossos Leonardos”, resumia um cartaz entre a multidão. 

 A manifestação, que foi pacífica do início ao fim, seguiu até a Residência Oficial do Governador Agnelo Queiroz (PT), onde houve um apitasso. Lá, os participantes também fizeram a última oração em homenagem a Leonardo, filho único da esteticista Ana Cleide Almeida. Emocionada, ela confessou que chegou a pensar em suicídio após a morte do rapaz. 

“Quis me jogar da janela do prédio para me juntar a ele. Mas, tirei forças de dentro de mim para estar aqui e apoiar esse protesto”. A namorada do jovem, Rose, os tios e os primos também se juntaram à passeata. 

Em meio às lágrimas e aos abraços dos familiares, Ana Cleide fez questão de ressaltar: "O GDF me deve isso". A esteticista cobrou uma resposta em relação à Operação Tartaruga, instaurada há dois meses pela Polícia Militar. 

Futuro

“Meu filho foi mais uma vítima da violência. E eu não quero, eu espero que mais nenhum jovem que planejou o seu futuro termine como ele terminou”, concluiu. 

Um dos PMs presentes no protesto, que preferiu não se identificar, lamentou a situação e foi contundente: “Sou pai de família e nem imagino perder meu filho assim. Mas, posso dizer com toda a certeza que essa corporação tenta, de todas as formas, proteger a população”.  

União

Todo o percurso da manifestação, que teve início às 9h30 de ontem na Estação Concessionárias de Águas Claras, foi marcado por emocionantes relatos e cenas de solidariedade. 

Uma das organizadoras do protesto, Leila Albano, 36 anos, ressaltou a importância do evento. “Virou normalidade morrer em portas de hospitais públicos.

 Não temos que nos acostumar com isso. Não temos que nos acostumar com a corrupção que suga nosso dinheiro. Estamos unidos e vamos mudar esse quadro, o caos que se instalou na nossa cidade”. 
 
Operação tartaruga é questionada
 
Durante o protesto em Águas Claras, a Operação Tartaruga foi questionada pela população. “Assim como os médicos, os policiais são responsáveis pela vida do cidadão. Eles não podem simplesmente abrir mão do trabalho deles. Isso não é justo com as pessoas honestas”, desabafou a aposentada Jezídia Silva, 61 anos, que perdeu uma filha há 15 anos, morta de forma semelhante a Leonardo. “Mataram por um carro”, lembra. 
 
O cenário da passeata, que clamava também por punição aos menores de idade que cometem infrações graves, foi marcado ainda pela presença de cerca de 30 policiais militares.  A corporação acompanhou o protesto até o fim, na Residência Oficial do Governador. Lá, foi confrontada pelos protestantes: “Onde vocês estavam quando Leonardo morreu? Aqui não precisa de policial”, esbravejou um jovem. 
 
 Em frente ao prédio onde Leonardo morava, na Rua 34 Norte, a mãe do rapaz pediu a todos que cantassem uma música em sua homenagem. Nesse momento, moradores do bloco foram às suas janelas e, junto com as centenas de pessoas que protestavam, prestaram o tributo ao rapaz. 
 
 “Leonardo é apenas um entre centenas de jovens que têm seus sonhos interrompidos pela violência. Estou aqui para fazer nossos governantes enxergarem a necessidade de mudança. E não estamos falando só de polícia nas ruas. Estamos falando de toda uma legislação que peca com o cidadão de bem”, ressaltou a professora Regiane Oliveira, 30 anos. 
 
Medo
 
Para muitos integrantes da passeata, a insegurança chegou a níveis intoleráveis. “Brasília não era assim, não pode continuar assim. Tenho duas moças, de 24 e 26 anos, e tenho vontade de implorar para que não saiam de dentro de casa”, desabafou Márcia Correia, 49 anos. 
 
Lembrar o que querem esquecer
 
Vítimas da violência também fizeram questão de comparecer ao protesto. “Fomos assaltadas na porta de casa, às 16h. Meu filho de dois anos estava comigo no carro. Eles chegaram armados, nos ameaçaram. Achei que íamos morrer”, relatou a empresária Michele Heid Oliveira, 29 anos. Ela teve o carro roubado no último dia 17. 
 
Em 2012, a bancária Luciele Rodrigues, 52 anos, perdeu o irmão mais novo em uma tentativa de assalto. “Ele nem reagiu. Isso acabou com a minha família. Meu pai morreu logo depois, de tristeza. Minha mãe sobrevive hoje. Por isso, acredito que estarmos aqui é um ato de coragem, porque lembramos de cenas das nossas vidas que queríamos apagar, mas não podemos.” 
 
Segundo a tia de Leonardo, Sandra Almeida, 46 anos, para muitos PMs o fato do jovem ter sido assassinado na porta de casa lembrou  a população da importância do trabalho deles. “Será, então, que para eles, cada morte é um motivo de comemoração? É revoltante isso”. 
 
Falta de Cuidado
 
A professora Iara Valéria de Alvarenga, 46, contou que fez questão de participar do protesto porque vê, em sala de aula, a ausência de investimentos. “O que percebo é uma total falta de atenção dos pais, dos governantes e até de alguns professores a essas crianças.”
 
TJDF acata pedido do MP
 
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) acatou parcialmente pedido do Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) e determinou que os policiais militares do Distrito Federal encerrem a operação tartaruga. A ação foi ajuizada na noite da última sexta-feira pela procuradora-geral de Justiça, Eunice Carvalhido, conforme mostrou reportagem do Jornal de Brasília. 
 
De acordo com a assessoria do TJDFT, a decisão em favor do pedido do MP foi deferida parcialmente pela desembargadora Nilsoni de Freitas Custódio. Caso a determinação não seja cumprida, será aplicada multa diária de R$ 100 mil às quatro associações citadas na ação, solidariamente. Ainda segundo a decisão, foi determinado que o comando da Polícia Militar adote medidas para encerrar o movimento dos policiais.
 
Comunicação Oficial
 
Diversos cartazes espalhados pela Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares em todo o Distrito Federal (Aspra-DF) informam que o movimento só será encerrado quando o governo negociar com a categoria. 
 
A Agência Brasil entrou em contato com o diretor Jurídico da Aspra, Francisco Mendes. Segundo ele, o movimento conta com a participação de diversas entidades e que, por isso, aguardam ser informados oficialmente da decisão do tribunal, para se manifestar.
 
Segundo a Polícia Militar, ontem havia 375 viaturas e mil policiais nas ruas do DF.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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