segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Deus é brasileiro, o papa é argentino e nosso futebol é jesuíta. Ok, mas quem ganha a Copa do Mundo?

24/02/2014



 

Às vésperas da Copa, Dilma vira cronista esportiva e faz extraordinária revelação ao Papa: ‘Os jesuítas batiam um bolão’

 

 

CELSO ARNALDO ARAÚJO

Nos encontros com o papa ─ e ela acaba de ter o segundo ─ o dilmês se transforma em dilmunhol. 

E Francisco, um argentino iluminado que fala português melhor que a presidente da República, finge com meneios de cabeça que compreende tudo – como compreende os mistérios deste e de outros mundos.

Mas semana passada, no Vaticano, após a sagração de dom Orani Tempesta como novo cardeal brasileiro, o Sumo Pontífice ouviu de Dilma uma confusa história a respeito de jesuítas fazendo embaixadinhas em Itu. 

E deve ter ficado atordoado: escrituras em sânscrito interpretadas por Eduardo Suplicy seriam mais claras.

Desde esse encontro com Dilma, o papa Francisco está convencido de que a carta da irmã Lúcia sobre o terceiro segredo de Fátima, guardada e aguardada por mais 70 anos e agora exposta ao público até 31 de outubro no Santuário de Fátima, perdeu todo o seu interesse para os cristãos.

Em ano de Copa, o “bate-bolão” dos jesuítas, tal como lhe foi revelado pela presidente Dilma Rousseff, se transformou numa espécie de quarto segredo ─ a mobilizar os teólogos da Igreja.
Foi na entrevista coletiva dada por Dilma à imprensa brasileira, logo após seu encontro com o papa Francisco ─ assista ao vídeo no confessionário desta coluna. 

Nos primeiros minutos, ela vaga, como sempre, no sombrio mundo do pensamento humano transcrito em dilmês ─ ao tentar descrever sua conversa “muito, acho muito importante” com o “santo papa” e”“uma Copa pela Paz e uma Copa contra o Racismo”, portanto duas

Diz ter pedido a Francisco uma “mensagem dele sobre esse posicionamento da Copa do Mundo no Brasil, que é a Copa das Copas”. 

E, enfim, diz que conversaram a respeito “dessa questão, que sempre que brasileiros e argentinos se encontram e falam sobre a Copa é tocada a questão de quem ganha a Copa do Mundo”.
Ninguém havia ainda reparado nisso: sempre que se fala em Copa do Mundo, alguém toca nessa questão incômoda de que só uma seleção vai ganhá-la. 

Ah, teve também a história dos presentes ao papa ─ incluindo uma camisa do Palmeiras, fora do protocolo, contrabandeada pelo carola Gilberto Carvalho. 

Não é de estranhar que, em virtude desse pecado venial, o Palmeiras tenha perdido ontem sua invencibilidade no Paulistão. 

Enfim, Dilma surge com uma epifania surpreendente sobre o novo cardeal brasileiro: “Dom Orani é um homem de fé”.

Mas, até aqui, eram apenas dilmices pontifícias ─ nenhuma surpresa. 

E eis que, aos 8min30s do vídeo, surgem as primícias da revelação que mudou o rumo da conversa com o papa:

“Eu recebi outro dia um livro de um pesquisador lá da Unicamp”.


Meu Deus: um livro? De novo o salto no escuro ─ e agora sem rede de proteção. 

Até hoje, sempre que tentou lembrar publicamente do título de um livro que acabou de ler, ela contou com a ajuda dos universitários do governo. 

Desta vez, espera-se, será diferente ─ mesmo porque, ela está sozinha diante dos microfones. Ademais, o livro foi citado, e provavelmente entregue ao papa junto com outros sobre a história dos jesuítas no Brasil, apenas cinco minutos atrás. 

Ok, o nome do livro é…
Agora acabei de esquecer o nome do livro… Mas ele é interessante”.

Quando a presidente acaba de esquecer algo, não há a menor possibilidade de lembrar logo ─ o esquecimento está muito recente e tem vida longa.


Mas o que vale é o conteúdo, não?

Ele coloca a seguinte polêmica, polêmica: quem é que trouxe o futebol para o Brasil? Ora, nós todos, até recentemente… eu até ia ler esse livro achava que era o Charles Miller. 


E ele diz o seguinte, que não foi o Charles Miller, que o futebol chegou no Brasil através dos jesuítas. E isso até falei isso para o papa, e isso no colégio paulista de São Luís, em Itu, que era um colégio jesuíta”.

Humm ─ afinal, a presidente contou isso ao papa no Vaticano ou no “colégio paulista de São Luís, em Itu”? E o futebol “chegou no Brasil”, assim sem mais nem menos? Chegou ao Porto de Santos, com gramado e tudo?


Conhecer o livro e o autor de um livro que Dilma diz ter lido é sempre prudente antes de se ter contato com o pastiche que Dilma fez do livro, ao descrevê-lo em dilmês.

Não há a menor dúvida de que o livro é interessante ─ e, mencionado num encontro com um papa argentino amante do futebol e jesuíta, em pleno Vaticano, e em ano de Copa, é promessa de gol de placa. 

O livro que Dilma diz estar fingindo ler se chama “Visão do Jogo ─ Primórdios do futebol no Brasil” e foi escrito por José Moraes dos Santos Neto, professor do Colégio Pio XII, em Campinas ─ que não é pesquisador da Unicamp, mas apenas formado lá.

Enxuto, com apenas 118 páginas, em bela edição da editora Cosac Naify, o livro traz revelações curiosas sobre os primeiros chutes numa bola de futebol no Brasil. 

E na vasta pesquisa feita pelo professor José, destaca-se a informação de que não foi propriamente Charles Miller o introdutor dos rudimentos do football no Brasil ─ a primazia coube uns 10 anos antes aos jesuítas, companhia do papa. 

Instadas pelo imperador Pedro II a introduzir exercícios físicos ao ar livre no currículo, dentro do princípio “mens sana, corpore sano”, algumas das escolas da elite brasileira saíram a campo para pesquisar novas formas de atividade esportiva. 

O colégio jesuíta São Luis, então instalado na cidade de Itu, enviou uma comissão de padres a Londres, onde só se falava no tal football. 

E, por volta de 1882, os jesuítas do São Luís acabaram trazendo para cá o item mais fundamental do novo esporte ─ a bola. 

Aliás, duas ─ eram câmaras de ar envolvidas por couro. Quando essas bolas se desgastaram com tantos pontapés, os jesuítas as substituíram por bexigas de boi ─ mas o princípio era o mesmo: chutes contra a parede. Era o que eles chamavam de “bate-bolão”.

Padres e alunos do colégio chutavam juntos, mas ainda sem praticar o chamado “association football”, que pressupõe a formação de dois times de 11 e a existência de regras. 

Enfim, o paulista Charles Miller, depois de uma temporada de estudos na Grã-Bretanha, a pátria do esporte bretão, voltou ao Brasil em 1894, com um livro de regras, outro par de bolas e um de chuteiras. 

Foi o começo de times competitivos no Brasil. Resumindo: a verdade é que, no Brasil, os primeiros a jogarem uma pelada improvisada foram mesmo os jesuítas e seus alunos.

Sim: contada a um papa jesuíta, a história podia ser um gol de letra, em pleno campo do Vaticano. 

O problema é que a bola está com Dilma Rousseff, que se prepara para chutar em gol, de orelhada:

Primeiro foi uma espécie que ele chama de bate-bolão. Eu tô lá no fim do livro, eu li no avião. Primeiro ele chamava de bate-bolão. Depois colocaram as, as traves, né, as traves do gol, e construíram os times de 11 de um lado, e 11 do outro. 

Não era aquele tipo de disputa, mas usavam já camisas, camisetas de diferentes cores. Não é, vamos dizer, o início do futebol tal como conhecemos, com todas as regras e tal. 

Mas é, sem sombra de dúvida, muito interessante o fato de ter sido os jesuítas que trouxeram o futebol para o Brasil, no final do século XIX, 1800 e… lá no final do século XIX”.

Resumindo: Deus é brasileiro, o papa é argentino e nosso futebol é jesuíta. Ok, mas quem ganha a Copa do Mundo?

Nenhum comentário: