10/02/2014
às 5:54A barbárie brasileira e a gritaria dos hipócritas. Ou: Não adote um bandido; adote as pessoas de bem. Ou ainda: O linchamento de Sheherazade
A
VEJA fez muito bem em estampar na capa da edição desta semana um
emblema da barbárie brasileira. Emblema é mais do que retrato, é mais do
que fotografia; é um símbolo.
A reportagem aborda os vários fatores que concorrem para o processo de “incivilização” do Brasil.
Fazer justiça com as próprias mãos, obviamente, é uma das manifestações de uma sociedade doente. O procedimento tem de ser repudiado de maneira clara, inequívoca, sem ambiguidades. Não custa lembrar que as milícias no Rio e os matadores das periferias das grandes cidades brasileiras nascem do sentimento de autodefesa e logo se transformam em franjas do crime organizado.
A reportagem aborda os vários fatores que concorrem para o processo de “incivilização” do Brasil.
Fazer justiça com as próprias mãos, obviamente, é uma das manifestações de uma sociedade doente. O procedimento tem de ser repudiado de maneira clara, inequívoca, sem ambiguidades. Não custa lembrar que as milícias no Rio e os matadores das periferias das grandes cidades brasileiras nascem do sentimento de autodefesa e logo se transformam em franjas do crime organizado.
O estado
tem de conservar o monopólio do uso legítimo da força — até porque essa
conversa tem um pressuposto: estamos falando do estado democrático.
Exposto o princípio de maneira solar, vamos ver agora como algumas almas
e penas farisaicas resolveram se apropriar do tema e sair gritando,
como costumo ironizar, feito o coelho do filme Bambi: “Fogo na floresta!
Fogo na floresta!”.
Em 2012,
foram assassinadas no Brasil 50.108 pessoas. Em três anos, a guerra
civil na Síria, estima-se, matou uns 100 mil. No período, 150 mil
brasileiros foram assassinados. Boa parte dos que gritam agora contra os
justiçamentos e linchamentos — e todos temos mesmo de fazê-lo — estavam
onde? Fazendo o quê?
Não sou
governo. Não tenho partido político. Não faço política. O único
instrumento de que disponho para tratar do assunto é o teclado. Neste
blog, sei lá quantas dezenas de textos, talvez centenas, escrevi a respeito! Na Rádio Jovem Pan, já comentei o assunto mais de uma vez. Na Folha, no dia 10 de janeiro, num texto intitulado “Mortos sem pedigree”, escrevi (em azul):
Em
novembro, veio a público o Anuário Brasileiro de Segurança Pública com
os dados referentes a 2012. Os “crimes violentos letais intencionais”
(CVLI) somaram 50.108, contra 46.177 em 2011. A taxa saltou de 24 para
25,8 mortos por 100 mil habitantes. Na Alemanha, é de 0,8. No Chile,
3,2. Os “CVLI” incluem homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal
seguida de morte. Nota: esses são números oficiais. A verdade deve ser
mais sangrenta.
Segundo a ONU, na América Latina e Caribe, com população estimada em 600 milhões, são assassinadas 100 mil pessoas por ano. Com pouco menos de um terço dos habitantes, o Brasil responde por mais da metade dos cadáveres. O governo federal, o PT, o PMDB, o PSDB e o PSB silenciaram. Esse é um país real demais para produtivistas, administrativistas e nefelibatas. A campanha eleitoral já está aí. Situação e oposição engrolarão irrelevâncias sobre o tema. Prometerão mais escolas e mais esmolas. Presídios não!
Algumas dezenas de black blocs mobilizaram o ministro da Justiça, os respectivos secretários de Segurança de São Paulo e Rio e representantes da OAB, do CNJ e do Ministério Público. Rodrigo Janot, procurador-geral da República, quer até um fórum de conciliação para juntar policiais e manifestantes. Sobre a carnificina de todos os dias, nada!
Quem liga para cadáveres “pobres de tão pretos e pretos de tão pobres”, como cantavam aqueles? No país em que os aristocratas são, assim, “meio de esquerda”, segurança pública é assunto da “direita que rosna”, certo? Os 400 e poucos mortos da ditadura mobilizam a máquina do estado e a imprensa. É justo. Os 50 mil a cada ano só produzem silêncio. Dentro e fora dos presídios, são cadáveres sem pedigree.
Segundo a ONU, na América Latina e Caribe, com população estimada em 600 milhões, são assassinadas 100 mil pessoas por ano. Com pouco menos de um terço dos habitantes, o Brasil responde por mais da metade dos cadáveres. O governo federal, o PT, o PMDB, o PSDB e o PSB silenciaram. Esse é um país real demais para produtivistas, administrativistas e nefelibatas. A campanha eleitoral já está aí. Situação e oposição engrolarão irrelevâncias sobre o tema. Prometerão mais escolas e mais esmolas. Presídios não!
Algumas dezenas de black blocs mobilizaram o ministro da Justiça, os respectivos secretários de Segurança de São Paulo e Rio e representantes da OAB, do CNJ e do Ministério Público. Rodrigo Janot, procurador-geral da República, quer até um fórum de conciliação para juntar policiais e manifestantes. Sobre a carnificina de todos os dias, nada!
Quem liga para cadáveres “pobres de tão pretos e pretos de tão pobres”, como cantavam aqueles? No país em que os aristocratas são, assim, “meio de esquerda”, segurança pública é assunto da “direita que rosna”, certo? Os 400 e poucos mortos da ditadura mobilizam a máquina do estado e a imprensa. É justo. Os 50 mil a cada ano só produzem silêncio. Dentro e fora dos presídios, são cadáveres sem pedigree.
Retomo
O Sindicato dos Jornalistas do Rio pediu a cabeça de Rachel Sheherazade, jornalista e apresentadora do SBT, em razão de um comentário que ela fez sobre aquele rapaz que foi atado pelo pescoço. Não endosso boa parte do que ela disse. É preciso, reitero, deixar claro com todas as letras que aquela não é uma solução — e, a rigor, ela não disse que é.
Faz-se necessário evidenciar que se trata de outro crime. Mas parte de suas observações procede, sim, e vai ao ponto: dissemina-se, de maneira perigosa, preocupante, a sensação do homem comum de que lhe cabe fazer alguma coisa, já que, para expor a ideia genérica, “ninguém faz nada”.
Estamos
começando a chegar a um limiar perigoso. É claro que a gritaria mais
estridente contra Sheherazade — que parte de gente que nunca deu 10
tostões pelos mais de 50 mil cadáveres brasileiros a cada ano — tem
muito pouco de humanidade, de piedade, de bondade congênita ou algo
assim. É ideologia! Há muito tempo esperavam que ela cometesse um erro
para maximizá-lo no limite do insuportável, declarando, então, que ela
tem de ter a cabeça cortada. É um caso clássico de farisaísmo, de gente
que apela a supostos “fundamentos” para eliminar aqueles que considera
incômodos.
Leio, por
exemplo, um texto contra Sheherazade assinado por um notório defensor de
mensaleiros; que andou se esmerando, há coisa de 15 dias, em, ora
vejam!, nos recomendar que ouvíssemos o que Henrique Pizzolato tinha a
dizer. É isso mesmo! Imaginem quantas criancinhas poderiam ter sido
tiradas da pobreza com aqueles mais de R$ 70 milhões do Fundo Visanet,
né? Outro, uma espécie de intérprete permanente da alma de José Dirceu,
também quer ver pendurada no poste a cabeça da jornalista. E fica
evidente que não é só por causa do comentário que ela fez: é pelo
conjunto da obra.
Hipócritas!
Farsantes!
Vigaristas!
Se
perguntarem a esses delinquentes morais quem é Fabrício Proteus, eles
dirão de primeira: “É a vítima da Polícia de São Paulo” — aquela
“vítima”, vocês sabem, que avançou com estilete contra PMs. Mas
perguntem quem é Alda Rafael. Nunca ouviram falar. É possível que nem
vocês se lembrem porque o caso logo desapareceu. Trata-se da policial
que levou um tiro pelas costas no Complexo da Penha, no Rio.
Direitos humanos
Não se trata de saber se direitos humanos devem existir também para bandidos. Os direitos humanos, vejam que coisa!, humanos são — e deles ninguém se exclui ou pode ser excluído. Ponto final. A questão é de outra natureza: cumpre tentar entender por que esses prosélitos mixurucas, esses propagandistas vulgares, jamais se ocupam da guerra civil que está em curso no Brasil há décadas. Então os mais de 50 mil que morrem por ano no país não merecem a sua atenção?
Não se trata de saber se direitos humanos devem existir também para bandidos. Os direitos humanos, vejam que coisa!, humanos são — e deles ninguém se exclui ou pode ser excluído. Ponto final. A questão é de outra natureza: cumpre tentar entender por que esses prosélitos mixurucas, esses propagandistas vulgares, jamais se ocupam da guerra civil que está em curso no Brasil há décadas. Então os mais de 50 mil que morrem por ano no país não merecem a sua atenção?
Sei que
pode parecer estranho a esses oportunistas, mas Sheherazade não amarrou
ninguém. A violência que a gente vê é só um pouco da violência que a
gente não vê. Os linchamentos se espalham Brasil afora. Os mais de 50
mil homicídios a cada ano no país é que mereciam uma “Comissão da
Verdade”. Por que os que agora pedem a cabeça de uma apresentadora de TV
jamais se ocuparam das 137 pessoas (média) que são assassinadas todos
os dias no Brasil? Por que não acenderam, como vela, ao menos um
adjetivo piedoso por Alda Rafael?
Os imbecis
tentarão ler no meu texto o que nele não está escrito. Dou uma banana
para os tolos. Quanto mais eles recorrem à tática da desqualificação,
mais leitores vão chegando — e, agora, mais ouvintes também. Não dou a
mínima. Não me deixo patrulhar. Sim, eu acho que os que prenderam aquele
rapaz pelo pescoço têm de ser punidos. Eu acho que os que recorrem a
linchamentos também têm de arcar com as consequências.
Mas acho
igualmente que essa gente que decide resolver por conta própria — que
também é pobre de tão preta e preta de tão pobre — merece ter estado,
merece ter segurança, merece ter proteção. Se sucessivos governos se
mostram incapazes de dar uma resposta — por mais que eu deteste, por
mais que eu ache que o caminho errado, por mais que eu tenha a certeza
de que a situação só vai piorar —, as pessoas farão alguma coisa.
Parece-me
que foi esse o sentido que Sheherazade deu à palavra “compreensível” — o
que não implica necessariamente um endosso. Os historiadores já se
debruçaram sobre os fatores que tornaram “compreensível” a eclosão dos
vários fascismos na Europa do século passado ou da revolução bolchevique
na Rússia. Compreender um fenômeno não quer dizer condescender com ele.
Eu, por exemplo, penso que é compreensível que o PT tenha chegado ao
poder, entenderam?
Ainda que,
reitero, avalie que o comentário foi, sim, desastrado. Mas tentar
linchar Sheherazade moralmente, aí já é um pouco demais! Estranha essa
gente: defende o direito de defesa para os bandidos mais asquerosos — e
nem poderia ser diferente —, mas pede a execução sumária de alguém por
ter emitido uma opinião infeliz.
E por quê?
E por que se silencia de maneira sistemática, contumaz, cínica, sobre a guerra civil brasileira? Naquele artigo da Folha, sintetizei a razão (em azul):
E por que esse silêncio? É que os fatos
sepultaram as teses “progressistas” sobre a violência. A falácia de que
a pobreza induz o crime é preconceito de classe fantasiado de
generosidade humanista. A “intelligentsia” acha que pobre é incapaz de
fazer escolhas morais sem o concurso de sua mística redentora. Diminuiu a
desigualdade nos últimos anos, e a criminalidade explodiu. E por que se silencia de maneira sistemática, contumaz, cínica, sobre a guerra civil brasileira? Naquele artigo da Folha, sintetizei a razão (em azul):
O crescimento econômico do Nordeste foi superior ao do Brasil, e a violência assumiu dimensões estupefacientes.
Os Estados da Região estão entre os que mais matam por 100 mil habitantes: Alagoas: 61,8; Ceará: 42,5; Bahia: 40,7, para citar alguns. Comparem: a taxa de “CVLI” de São Paulo, a segunda menor do país, é de 12,4 (descarta-se a primeira porque inconfiável). Se a nacional correspondesse à paulista, salvar-se-iam por ano 26.027 vidas.
Com 22% da população, São Paulo concentra 36% (195.695) dos presos do país (549.786), ou 633,1 por 100 mil. A taxa de “CVLI” do Rio é quase o dobro (24,5) da paulista, mas a de presos é inferior à metade (281,5). A Bahia tem a maior desproporção entre mortos por 100 mil e (40,7) e encarcerados: 134. Estudo quantitativo do Ipea (aqui) evidencia que “prender mais bandidos e colocar mais policiais na rua são políticas públicas que funcionam na redução da taxa de homicídios”.
Isso afronta a estupidez politicamente correta e cruel. Em 2013, o governo federal investiu em presídios 34,2% menos do que no ano anterior — caiu de R$ 361,9 milhões para R$ 238 milhões. Para mais mortos, menos investimento. Os progressistas meio de esquerda são eles. Este colunista é só um reacionário da aritmética. Eles fazem Pedrinhas. Alguém tem de dar as pedradas.
Encerro
Boa parte dos que estão vociferando não está nem aí para os pobres, os humilhados etc. Estes coitados servem apenas de pretexto para aquela turma perseguir os de sempre. Não fosse assim, esses bacanas estariam mobilizados, cobrando uma ação do estado brasileiro para pôr fim ao Açougue Brasil, especializado em carne humana.
Boa parte dos que estão vociferando não está nem aí para os pobres, os humilhados etc. Estes coitados servem apenas de pretexto para aquela turma perseguir os de sempre. Não fosse assim, esses bacanas estariam mobilizados, cobrando uma ação do estado brasileiro para pôr fim ao Açougue Brasil, especializado em carne humana.
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