domingo, 13 de abril de 2014
Procurador do Ministério Público
do Tribunal de Contas da União há quase duas décadas, Marinus Marsico já
comprou briga com corruptos que aparelharam o Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit), enfrentou servidores que insistiam em
receber supersalários no Congresso e participou do acordo com o Grupo OK, do
senador cassado Luiz Estevão, para reaver 500 milhões de reais desviados do
Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
Há cerca de dois anos, revira cada
detalhe da ruidosa compra da refinaria de Pasadena, no Texas, pela Petrobras,
um dos mais malsucedidos negócios da história da petrolífera brasileira. Para
ele, apesar de o caso Pasadena ser "indefensável", a Petrobras sofre
com desmandos políticos desde o segundo mandato do ex-presidente Lula. “A
Petrobras está afundando. Há uma mistura de má gestão com o fato de ter se
tornado um braço político do governo. Se a empresa não fosse pública, já tinha
quebrado”, disse em entrevista ao site de VEJA.
As denúncias envolvendo a
Petrobras, incluindo irregularidades em contratos, não são exatamente uma
novidade para o TCU. A Petrobras é uma caixa-preta?
A Petrobras é uma empresa
muito difícil de fiscalizar e, com certeza, se fosse mais transparente, se não
se preocupasse tanto com essa questão de sigilo comercial, muitas vezes
indevido, tenho certeza que esses contratos desastrosos, como o de Pasadena,
não teriam ocorrido. Se há dez anos houvesse a possibilidade de a Petrobras ser
fiscalizada como deve ser, hoje não teríamos esse tipo de situação. Ela se
fecha em um falso argumento de que é uma empresa de mercado e com sigilos
comerciais. Chama muito a atenção no caso da Petrobras a quantidade de
irregularidades e a magnitude dessas irregularidades. Não falamos de milhões,
mas de bilhões de reais.
Qual foi a influência do governo
nas decisões tomadas pela Petrobras nos últimos anos?
Esse mal de misturar o
público com o privado é algo que sempre existiu, desde o surgimento dessa
esdrúxula figura da sociedade de economia mista. Mas, ultimamente, essa
situação aumentou muito, é só ver os escândalos. Problemas sempre existiram, mas
agora são problemas em grau exponencial e se chegou a um ponto intolerável em
que a empresa, se não fosse pública, quebraria. E isso tudo ocorreu no período
de 2005 a 2010 [no governo Lula]. Esse foi o período mais sério para a
Petrobras mesmo.
A gestão de José Sergio
Gabrielli, presidente da Petrobras na época da compra da refinaria de Pasadena,
era fechada?
Havia muito mais resistência da Petrobras, resistência à
fiscalização do tribunal como um todo, na gestão do Gabrielli. Agora está um
pouco mais transparente, mas há um longo caminho a percorrer. Nas informações
que pedi à Petrobras sobre Conselhos de Administração e Fiscais, os dados foram
passados parcialmente. Sonegar informação ao Ministério Público causa uma ação
de improbidade contra as pessoas que o fizeram. A tarefa da atual presidente da
Petrobras, Graça Foster, é muito difícil porque cabe mudar uma empresa que
ultimamente andou se descuidando muito de sua eficiência, realizando gastos
desnecessários e, sobretudo, sem autonomia, sem condições de determinar pelas
leis de mercado quais seriam suas fontes de receita.
Quando o senhor fala em falta de
autonomia, quer dizer que existe ingerência política?
Sim, há uma forte
ingerência política na Petrobras. A presidente da Petrobras não consegue colocar
o preço do seu produto principal, que é a gasolina, em um patamar compatível
com uma empresa de mercado. Por isso, a Petrobras tem hoje o maior nível de
endividamento entre as grandes petroleiras no mundo, três vezes maior do que o
razoável para o resultado operacional dela. Isso é resultado dessa mão
invisível do governo. Sempre tem um braço forte do governo.
A Petrobras está afundando?
A
Petrobras está afundando, sem sombra de dúvida. Por mais que se fale e se
apresentem números, ou por mais que se coloquem recordes de produção
petrolífera, vemos que ela está afundando. É isso que o mercado pensa sobre a
empresa. Há uma mistura de má gestão com o fato de a empresa ter se tornado um
braço político do governo. Não há nenhuma teoria conspiratória em relação a
isso. E se o mercado precifica a empresa nesse sentido, é sinal de que ela não
vai nada bem.
A compra da refinaria de Pasadena
foi o pior negócio da Petrobras nos últimos anos?
Não há defesa em Pasadena. A
coisa foi tão abertamente um escândalo que não há a mínima possibilidade de se
defender qualquer coisa na transação. Tudo ocorreu justamente na época em que a
administração pública federal atravessava aquela euforia de que tudo era
possível, tudo se podia, com índices políticos de popularidade muito altos.
Criou-se aquela ilusória sensação de que o mundo pertence a nós. Por conta
disso fizeram a transação sem o mínimo cuidado. Fiquei escandalizado com a
questão da Petrobras em Pasadena e me senti até ofendido com o negócio porque,
como órgão de fiscalização, ofendeu a minha inteligência o fato de se ter feito
uma contratação sem o mínimo cuidado. Parece que a Petrobras considera que nós
somos idiotas, que a gente não vai ver nada e que nunca vão descobrir nada.
Há críticas à refinaria Abreu e
Lima?
Abreu e Lima é pior nos valores — e o foco do TCU é economizar para o
contribuinte. Mas, no lado simbólico, Pasadena é uma afronta. Na época do
contrato, a Astra [empresa belga parceira que vendeu metade da refinaria para a
Petrobras] colocava avisos aos acionistas afirmando ‘que maravilha, fizemos um
grande negócio, muito maior do que qualquer expectativa razoável’.
O que o TCU pode fazer em relação
a Pasadena?
Na minha representação pedi que se apurassem responsabilidades na
diretoria-executiva e eventualmente nos conselhos. Configurado o débito, tem-se
o rol de responsáveis que são obrigados a devolver esses recursos. O tribunal
também pode aplicar multas, que podem ser proporcionais ao débito ou
decorrentes de atos de gestão temerários, ilegítimos, antieconômicos. O
problema é que não é factível que se paguem as multas.
A área internacional da
Petrobras, que foi comandada por Nestor Cerveró, é a mais problemática?
A área
internacional é a que tem mais irregularidades. É uma área problemática. O que
quero é que a Petrobras passe a funcionar em prol da sociedade brasileira. É
uma coisa decepcionante e triste porque a Petrobras é uma empresa que não
precisava passar por essas vicissitudes. A gente vê muitos indícios de uso
político da empresa. É uma tristeza ver tanto potencial desperdiçado. Veja o
caso do parecer falho. O parecer era falho e isso foi descoberto depois e nada
foi feito com quem fez o parecer? A pessoa continuou muito bem em uma
subsidiária da Petrobras [Cerveró foi para a Diretoria Financeira da BR
Distribuidora] e só agora, depois do escândalo, é que foi exonerada. Por que as
medidas não foram adotadas antes? Tem que ser investigada se essa omissão no
parecer é dolosa e, se for, isso é um crime. Se foi culposa, por incompetência
ou falta de cuidado, essa pessoa não poderia mais continuar na empresa. Se em
um banco um funcionário causasse um prejuízo de 1 bilhão de dólares para a
instituição, certamente ele não continuaria com o trabalho e poderia até ir para
a cadeia.
O que acha da CPI da Petrobras?
Se a CPI for realmente um instrumento em que todos os seus integrantes tenham a
vontade genuína de investigar e corrigir os problemas encontrados na Petrobras,
ela é muito bem-vinda. A CPI tem instrumentos superiores aos do TCU para a
investigação. Mas esse talvez seja um mundo utópico. Não ponho muitas
esperanças no avanço dessas investigações, por mais respeito que eu tenha pelo
Parlamento. A CPI é um instrumento da minoria. Se ela é sufocada pela maioria governista,
não há investigação. Seria bom se houvesse uma evolução política, que os
direitos da minoria fossem respeitados e que as investigações não fossem
bloqueadas. Mas acho que isso é sonhar muito. (VEJA)
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