domingo, 13 de abril de 2014

Porte de arma: um jeito de tentar se proteger da violência

Publicação: Domingo, 13/04/2014 às 09:00:00

Em um ano, foram liberadas 72 autorizações para defesa pessoal, no DF
 
Ludmila Rocha
ludmila.rocha@jornaldebrasilia.com.br



“Justiça com as próprias mãos inviabiliza a vida em sociedade”. A frase é de Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e nomeia um artigo de sua autoria que trata sobre as razões que têm levado a sociedade a se defender por conta própria. O fenômeno é nacional e parece mais forte do que nunca também no Distrito Federal, unidade da Federação que possui o maior número de armas de fogo registradas no País. Mas  que motivos levam uma pessoa a adquirir uma arma? 
 Dados da Polícia Federal mostram que, entre 2012 e 2013, foram liberadas   881 autorizações de porte de arma na capital federal,  uma média de 352,4 para cada um milhão de habitantes. Destas, 652 (ou 74%) foram destinadas a vários tipos de uso, como segurança privada e caça esportiva, e  as demais 72  para defesa pessoal.

Entretanto, o porte – liberação para transitar com arma de fogo municiada em via pública – só é concedido mediante necessidade relacionada à atividade profissional de risco ou ameaça à integridade física. Além de enfrentar um processo lento e burocrático (pelo menos 30 dias de espera), o interessado em adquirir o porte precisa passar pelo crivo do delegado responsável pela análise.

 “Você pode preencher toda a documentação atestando a necessidade, mas se o delegado entender que você não precisa do porte, a autorização não é concedida”, conta o analista técnico Tiago Gripp, 27 anos, que já tentou o porte.

MOTIVOS

O rapaz conta que desde muito novo tem paixão por armas  e esse foi o primeiro fator que o fez querer adquirir um exemplar. Em segundo vem a violência. “Resguardo-me como posso. A burocracia  no Brasil é muito grande para conseguir o porte, mas tenho a posse (autorização expedida pela Polícia Federal para possuir arma carregada e utilizá-la nos limites de sua residência ) e a uso para proteger a mim e a minha família”.

Ele explica ainda que precisou de uma autorização do Exército para transporte da arma de fogo para poder levá-la, pelo menos, às revisões periódicas. Para isso,  desembolsou mais R$ 20 com cada uma das licenças.

Processo burocrático
 
As motivações para adquirir uma arma de fogo no Distrito Federal vão desde a proteção pessoal à caça e prática esportiva. O empresário Victor Fazollo, 26 anos, por exemplo, é praticante de tiro esportivo. “Atiro em estandes e áreas rurais. Não posso sair com uma arma na cintura pela rua”, diz. 
Mas, mesmo para a prática meramente esportiva, é preciso ter autorização de posse de arma e registros junto ao Exército Brasileiro como caçador, atirador e colecionador (CAC) e a Federação Brasiliense de Tiro Esportivo, que também não são nada baratas e fáceis de conseguir. 
 
Demora
 
A autorização junto ao Exército, por exemplo, exige a apresentação de uma extensa lista de documentos e há relatos de pessoas que levaram até um ano para consegui-la. 
 
 
 
 
Autorizações e cursos para   esporte


José Anchieta, presidente da Federação Brasiliense de Tiro, explica que o primeiro passo para a prática do esporte é fazer um curso de prática, manuseio de arma e segurança, oferecido pela Federação ou escola credenciada. Um curso básico custa, em média, R$ 860. “Durante o curso o aluno escolhe o tipo de arma que mais gosta e que pretende utilizar futuramente”, explica. 
De acordo com Anchieta, quem deseja adquirir uma arma para a segurança pessoal, no entanto, precisa contratar um instrutor de tiro. “As escolas têm contato apenas com pessoas que visam a prática esportiva”. Além do curso, a pessoa que desejar se federar (para participar de competições) ainda precisa arcar com uma anuidade de mais R$ 800 e pagar a taxa de registro da arma junto a Polícia Federal, mais R$ 60, em média. Como se vê, no final do processo, as custas com registros e cursos podem atingir cifras exorbitantes. 
 
Abuso
 
Em países como os Estados Unidos, o direito de ter uma arma é pouco regulamentado e cada estado aplica suas próprias leis. Em 43 estados, por exemplo, não é necessário ter licença ou registro. No Texas e em outros cinco estados também não há idade mínima para a aquisição. Diante da facilidade, cerca de 34% da população americana possui armas de fogo. São 200 milhões  nas mãos dos civis e mais de 300 empresas produtoras de armas.  Muitos atribuem a permissividade excessiva, porém, aos grandes homicídios em massa no país, como  a morte de 32 pessoas na Universidade Técnica da Virgínia, em 2007. 
 
Como entregar sua arma de fogo
 
Armas de fogo registradas ou não, de qualquer calibre e procedência, podem ser entregues à Polícia Federal mediante recibo e indenização que varia entre R$ 100 e R$ 300, dependendo do tipo de arma. Não há qualquer  investigação em relação à origem ou portador da arma.  Após o preenchimento do requerimento eletrônico, o interessado deve se dirigir a uma unidade de entrega. Na sequência, é fornecido um protocolo de indenização que pode ser sacado em postos  de autoatendimento do Banco do Brasil. A arma de fogo é inutilizada. 
 
Desarmamento
 
No Brasil, apesar dos esforços constantes da Polícia Federal para conscientizar a população sobre os riscos de ter uma arma de fogo em casa, dificultando o acesso e investindo em ações como a Campanha Nacional do Desarmamento (www.entreguesuaarma.gov.br) - que traz uma abordagem emocional, com depoimentos baseados em casos reais de pais e mães que perderam seus filhos em acidentes ou brigas por terem armas em casa – os números mostram que a sociedade parece continuar acreditando que se armar pode ser uma boa escolha para se proteger da insegurança que assola o País.
Nem quem está acostumado e sabe como  manusear uma arma de fogo está livre de acidentes. Em janeiro deste ano, o perito Paulo Pereira de Carvalho, 53 anos, morreu após um disparo acidental de arma de fogo. Ele  fazia um teste de balística em um revólver apreendido quando tudo aconteceu. O acidente aconteceu dentro do Departamento de Polícia Especializada da Polícia Civil do DF. 
 
Casos frequentes
 
Não são raros os casos de acidentes domésticos com arma de fogo, muitos acabando, inclusive, em morte. José Antônio (nome fictício), de 54 anos, sentiu na pele os perigos de ter uma arma  em casa e garante: não há dor maior do que ver um familiar ferido nessas circunstâncias.  “Minha arma era legalizada e eu a guardava em um local que acreditava ser seguro. Mas a gente nunca sabe do que uma criança é capaz. Minha neta descobriu onde estava, resolveu brincar e em um minuto de distração nosso  atingiu a própria perna. Ainda bem que nada mais grave aconteceu”, lembra.   
Desde 2009, mais de 600 mil armas já foram entregues. Entre 2011 e 2013 o número de armas recolhidas ultrapassou as 80 mil unidades. 
 
Registros aumentam
 
Mesmo que estudos como o Mapa da Violência, do Ministério da Justiça, apontem  queda nos índices de homicídio no período de divulgação das ações, as solicitações de registros continuam aumentando.  
 
Ponto de vista
 
Segundo o especialista em segurança pública Nelson Gonçalves, o aumento das solicitações  no DF reflete a sensação de insegurança. “As pessoas estão buscando alternativas, já que a violência está aumentando e o Estado não toma medidas efetivas para diminuição da criminalidade”, diz. Sobre ter uma arma de fogo em casa, Gonçalves lembra que tudo depende da intenção e preparação de quem a possui. “Uma arma sempre pode ser utilizada indevidamente em situações de  conflitos, mas é um objeto inanimado e pode ser tão perigosa  quanto uma faca, por exemplo. Tudo depende da intenção e preparação de quem vai adquiri-la. O fato é que nossa sociedade não está preparada para ter arma de fogo”, conclui.   
 
 
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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