Artigo publicado na Folha de S. Paulo de 11 de junho de 2014
Um
golpe contra a democracia está em curso desde o último dia 26 de maio e
a circunstância que o torna mais ameaçador do que nunca antes na
história deste país é a atitude de avestruz que a imprensa tem mantido,
deixando de alertar a população para a gravidade dessa agressão.
O decreto nº 8.243, assinado por Dilma Rousseff, que cria um “Sistema Nacional de Participação Social”, começa por decidir por todos nós que “sociedade civil”
deixa de ser o conjunto dos brasileiros e seus representantes eleitos
por voto secreto, segundo padrão universalmente consagrado de aferição
da legitimidade desse processo, e passa a ser um grupo indefinido de “movimentos sociais”
que ninguém elegeu e que cabe ao secretário-geral da Presidência, e a
ninguém mais, convocar para examinar ou propor qualquer lei, política ou
instituição existente ou que vier a ser criada daqui por diante em
todas as instâncias e entes de governo, diretas e indiretas, o que afeta
também os governos estaduais e municipais hoje na oposição.
Apesar
da violência desse enunciado, a maioria dos jornais e televisões do
país nem sequer registrou o fato. E mesmo os que entraram no assunto
depois vêm diluindo o tema no noticiário como se não houvesse nada com
que seus leitores devessem se preocupar. Prossegue a sucessão de
manchetes em torno do golpe de 1964, mas para o de 2014 o destaque é
próximo de zero. Nenhum critério jornalístico justifica isso.
Esse decreto é, na verdade, um excerto do Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3),
que o PT já tentou impor antes ao país também por decreto – nas
vésperas do Natal de 2009, no apagar das luzes do governo Lula –, mas
que, graças à forte reação da imprensa e consequente mobilização da
opinião pública, foi obrigado a abortar.
O PNDH-3 contém 521 propostas que, além da revogação da Lei de Anistia, que passou “no tapa”
depois que a imprensa comprou a ideia do governo de que a prioridade
nacional é voltar 50 anos para trás e não correr 50 anos para a frente,
institui “comissões de direitos humanos” nos Legislativos para
fazer uma triagem prévia das matérias que eles poderão ou não processar;
impõe a censura à imprensa; obriga a um processo de “reeducação” todos os professores do país; veda ao Judiciário dar sentenças de reintegração de posse de propriedades “rurais ou urbanas” invadidas, prerrogativa que se torna exclusiva dos “movimentos sociais”; desmonta as polícias estaduais para criar uma central única de comando de todas as polícias do país, e vai por aí afora.
Ciente
de que tal amontoado de brutalidades jamais será aprovado pelo
Legislativo, o PT está tratando de fazer com esse Poder o mesmo que fez
com o Judiciário. Os juízes não dão as sentenças que queremos?
Substituam-se os juízes por juízes “amigos”. Um Legislativo
eleito pelo conjunto dos brasileiros jamais transformará essas 521
propostas em lei? Substituam-se os legisladores por “movimentos sociais” amestrados sob a tutela da Presidência da República…
O argumento de que esse é o jeito de forçar o Congresso a reformas não é honesto. Para forçar reformas que o povo deseje, existem instrumentos consagrados tais como o do voto distrital com recall,
que arma as mãos de todos os eleitores para demitir na hora os
representantes que resistirem ou agirem contra a sua vontade. Este tipo
de participação, sim, opera milagres estritamente dentro dos limites da
democracia. Substituir os representantes eleitos por “representantes” que ninguém elegeu tem outro nome: chama-se golpe.
Depois
da rendição do Judiciário com a renúncia de Joaquim Barbosa, só sobra a
imprensa. E os feriados da Copa farão com que só haja pouco mais de
meia dúzia de sessões legislativas completas em junho e julho somados.
Depois é véspera de eleição. É bom, portanto, que ela desperte já dessa
letargia, pois não haverá segunda chance: está escrito no PNDH-3 que a imprensa é a próxima instituição nacional a ser desmontada.
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