domingo, 15 de junho de 2014

Falta de confiança na Justiça reflete mazelas que precisam ser sanadas



Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos Henrique Abrão

Recentes pesquisas indicam menor confiança da classe dos advogados na Justiça e o mesmo se passa em relação à sociedade civil. A impressão que temos é que, quanto mais trabalho se faz, menos credibilidade se alcança, mas o mote não é necessariamente verdadeiro.

A sociedade não mostrou capacidade ou interesse de transformar a sua justiça. Crescem, em todo o país, os justiceiros, e a mídia divulga cenas de pequenos delinquentes sendo sumariamente condenados pela população nas ruas do Brasil.

O que acontece no sentido de haver esse grande desencanto de boa parte da sociedade com a justiça brasileira?

A demora ou a lentidão são sentidas, a falta de eficácia igualmente, mas não são os exclusivos aspectos que causam os males de uma prestação jurisdicional dissociada do seu tempo ou refratária às expectativas.

As nossas ferramentas mostram instrumentos fortes para condenar delitos de bagatela, ao passo que os grandes delinquentes, quando punidos, recebem simbólicas penas.

A globalização implicou em poderes corporativos em multitentáculos e a submissão do Estado às vozes de grandes grupos econômicos. A obra de Thomas Piketi sobre o capitalismo atual demonstra a grande concentração de renda e a falta de capacidade do Estado de partilhá-la.

As instituições perderam as grandes lideranças políticas e apenas nosso Congresso apresenta mais de metade dos parlamentares com processos na justiça. O grande virtuosismo consiste na justiça ser a transformadora da sociedade e isso é uma etapa distante, pois necessita de objetivos, planejamentos e, sobretudo, organização plena entre as vozes das demais instâncias.

O gigantismo do judiciário brasileiro espanta, são quase 90 cortes, cada qual com o seu procedimento e suas resoluções internas, regimentos, mas as expectativas geradas não revelam empatia com o mecanismo de solução do impasse.

A chegada do processo eletrônico é um grande avanço, mas, por si só, não será capaz de atender ao seu objetivo. A quantidade de processos, quase cem milhões, revela uma enfermidade, patologia que as demais ciências não teriam como explicar a beligerância e o espírito de litigiosidade da sociedade brasileira.
Códigos, leis, decretos, resoluções, em profusão são editados, mas muito aquém das expectativas, o modelo está superado e ultrapassado, todos sabemos.

Na Alemanha, quando ocorre divergência em segundo grau, existe uma decisão coletiva de toda a Corte para a uniformização da matéria. Nos EUA, os delitos são rapidamente julgados e os casos de menor complexidade apresentados imediatamente aos juízes.

Em tempos de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, com a entrada de milhares de estrangeiros no país não podemos nos conformar com o estágio atual, falta-nos o mapa da solução, cujo impasse demonstra a nenhuma vocação política para o regramento dessa realidade.

Não há um estudo mais profundo, uma pesquisa mais direta ou um estudo pormenorizado das causas e consequências do non sense processual destrutivo brasileiro.

A esse propósito, pouco ou nada se investe nesse campo, o Banco Mundial, Banco Interamericano, o próprio BNDES deveriam unir esforços para estabilizar a Justiça Brasileira e eliminar suas mazelas.

O fim do quinto constitucional é desejável, a desconstitucionalização das decisões igualmente. Tudo termina no Supremo Tribunal Federal e os julgamentos levam mais de décadas.

O duplo grau necessário se torna, na atualidade, desnecessário rever a lei de custas, impor garantia do título executivo judicial, na hipótese de recurso extremo ao Superior Tribunal de Justiça e STF seria muito interessante mutirões que atacassem os serviços atrasados, dados estatísticos reais e não virtuais, e a melhoria da remuneração dos servidores, com uma infraestrutura condizente com a atividade jurisdicional.

Nesse campo, o órgão regulador poderia dar um passo extremamente importante se construísse grupos de estudos no viés da reconstrução do judiciário nacional, que tocasse o dedo na ferida e restabelecesse a confiança de todos, dos advogados, dos promotores, dos defensores dativos, dos assistentes, procuradores e, principalmente, da sociedade civil, indefesa com a violência e defenestrada da solução das causas pela via do caminho normalidade, já que os juizados de pequenas causas abarrotados não suportam o represamento dos feitos que aguardam pronunciamentos.

Nenhum candidato apresenta, minimamente, na sua plataforma, uma visão difusa do judiciário, ou porque não interessa ou mantê-lo cambaleante é a diretriz de nossos governantes.

Tantos já disseram e sustentaram que o futuro do Brasil já começou com todos os contratempos, mas um judiciário sem futuro é a anomalia institucional mais grave de uma democracia jovem, mas envelhecida nas suas dinâmicas de governabilidade.

Cabe à sociedade a reconstrução da pedra fundamental dos seus direitos e das garantias de uma democracia civilizada e de primeiro mundo.


Carlos Henrique Abrão é Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Doutor pela USP, na área de Direito Comercial, com especialização em Paris – bolsista da Universidade de Coimbra, na área do consumidor; pesquisador de Heidelberger, Alemanha; Autor de centenas de artigos e dezenas de livros, tendo recebido a medalha “Rio Branco”, pelos relevantes serviços prestados ao Judiciário nacional. Artigo originalmente publicado no site Consultor Jurídico em 18 de Maio de 2014.
 
 

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