quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Dunga e o Brasil black bloc.O futebol pentacampeão pode ser entregue ao Tiririca, que tudo estará ok.




Branca de Neve e Peter Pan hão de abençoar a união de Dunga e Sininho – a revolução tarja preta


GUILHERME FIUZA
 
18/08/2014 



>> Coluna de Guilherme Fiuza publicada na edição impressa de ÉPOCA do dia 28 de julho de 2014 (edição 843)

Dunga é o novo técnico da Seleção Brasileira. Reapresentou-se ao país mostrando sua velha disposição para a luta – especialmente contra o idioma. 

Entre outros duelos homem a homem com as regras de concordância, ele revelou sua identificação com os alemães, ao destacar o goleiro que joga bem “com os pé”. 

Ninguém poderá negar que Dunga está no nível dos alemães – pelo menos na capacidade de falar português. 


Como o Ministério da Educação do governo popular já ensinou que falar “nós pega o peixe” está certo, conclui-se que o novo técnico está em perfeita sintonia com o Brasil moderno. Com sua famosa diplomacia black bloc, Dunga volta ao topo para não deixar dúvidas: a ignorância está na moda.

A ignorância e a omissão. 


A forma como os brasileiros se acostumaram ao escárnio é um espetáculo à parte. 

Depois de torrar o dinheiro do contribuinte com os estádios mais caros do mundo e de substituir as reformas de infraestrutura por um monte de feriados, Dilma Rousseff apareceu com 15 ministros seus para uma entrevista coletiva triunfal. 

A Copa acabara de terminar, o Brasil dera o maior vexame de sua história em campo, e ela gargalhava com seus áulicos. 

Os rebeldes, indignados com a farra de superfaturamentos e remendos, até outro dia gritavam que não haveria Copa – mas deviam estar dormindo nessa hora.

Depois do desastre obsceno da Seleção de Felipão, ouviram-se por toda parte brados retumbantes de “basta”, “está tudo errado”, “é preciso recomeçar do zero” etc. 

Aí a CBF anuncia Dunga. Ele mesmo, a besta-fera rejeitada pela esmagadora maioria da população, o único técnico na história a perder uma Copa por excesso de rancor. 

Por incrível que pareça, Dunga, codinome Zangado, está de volta. E a vida segue normalmente. O Brasil, coitado, não sabe o que fazer diante do aviltamento de uma de suas principais expressões culturais. 

O futebol pentacampeão pode ser entregue ao Tiririca, que tudo estará ok. Os brasileiros merecem os risos estranhos de Dilma e Dunga. Os revolucionários do bem estão muito ocupados tentando tirar os black blocs da prisão.

É a apoteose dos contos de fadas. Dunga xingou e chutou todo mundo. Virou herói da resistência contra a imprensa burguesa. A mesma esquerda progressista que viu nele um perseguido pelo capitalismo selvagem está agora encantada com Sininho. 


A moça simpática que organiza os incêndios, a musa do quebra-quebra, é a nova queridinha dos cidadãos conscientes. Professores universitários, estudantes antenados e militantes politicamente corretos estão unidos em abaixo-assinados contra as prisões injustas dos depredadores. 

Branca de Neve e Peter Pan hão de abençoar a sagrada união de Dunga e Sininho – a revolução tarja preta.

Uma deputada do PSOL deu carona a ativistas foragidos da Justiça, depois que o Uruguai negou-lhes asilo político. 


O PSOL, para quem não sabe, é o PT de ontem – o novo reduto dos bondosos infernais, que sabotam a realidade para chegar ao poder pelo caminho seguro da pureza etérea. A bondade do PSOL hoje está junta e misturada com a rapaziada da pedrada. É o fascismo do bem.

Após meses de conversa mole sobre “a dificuldade de enfrentar esse novo tipo de manifestação” (não há lugar mais seguro que o populismo), a polícia tomou vergonha e foi fazer o óbvio: investigar, processar e prender os pimpolhos que combinam nas redes sociais os atos de covardia e a montagem de arsenais letais. 


Os amigos debiloides da Sininho que chegam a ironizar a morte do cinegrafista Santiago Andrade – e são apoiados nessa canalhice por gente da elite culta – brincarão de revolução no xadrez.

O Brasil virou um grande mal-entendido. Analistas discorrem seriamente sobre a bravata do tal banco dos Brics – pretenso contraponto terceiro-mundista ao FMI e ao Bird. Um país como o Brasil, em termos de taxa de investimento público, não tem onde cair morto, mas virará financiador da infraestrutura dos emergentes. 


Melhor que isso, só acreditar nos “números do Dunga” à frente da Seleção: aproveitamento de 76%! Um time que jogou quase sempre mal e foi eliminado nas quartas de final da Copa – é isso que interessa. Quanto é 76% de 0?

Não responda, que ninguém ouvirá. O Brasil está pensando com “os pé”.

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