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Aumento de quase 5% no número de adolescentes apreendidos revela a gravidade do cenário
ary.filgueira@jornaldebrasilia.com.br
A menos de um dia para chegar à maioridade, um adolescente de 17 anos cometeu um crime bárbaro. Matou a namorada com um tiro na cabeça e jogou o corpo dela em uma reserva ambiental do Gama. Com frieza, ele ainda postou o homicídio nas redes sociais da internet. Só que ele não poderá ser punido rigorosamente pelo crime com pena de reclusão, caso seja condenado, porque a legislação especial lhe dá o direito de responder como menor.
Ele é um dos 788 adolescentes apreendidos entre janeiro e julho deste ano por se comportarem em desacordo com a lei.
No mesmo período do ano passado, foram 751, o que representa um aumento de 4,9%, segundo dados da Polícia Civil.
O termo jurídico “ato infracional”, aplicado aos menores, não demonstra em palavras a gravidade da infração, que pode ser desde o furto de um celular a um assassinato. A restrição de liberdade dos infratores é chamada de medida socioeducativa.
A diferença entre o Código Penal Brasileiro e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não se limita apenas aos termos utilizados na prescrição das penas. Para explicar as distinções entre o código e o estatuto, o JBr. ouviu especialistas e a delegada Mônica Ferreira, chefe da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA).
Uma das dificuldades em manter o adolescente infrator nos centros de ressocialização é o prazo de internação provisória estipulado pelo ECA, que é de 45 dias. "Esse prazo não é suficiente para que o procedimento de investigação seja concluído. Nem na esfera policial nem na judicial. Mal os laudos ficam prontos nesse período", explica. "E a complexidade dos atos infracionais cometidos pelos menores são semelhantes aos praticados pelos maiores de idade: Precisamos de laudos (quando o crime for um homicídio, por exemplo), depoimento de testemunhas e do menor e apresentá-los à Justiça", emenda.
Maioridade
Quando o procedimento investigatório não é concluído em 45 dias após o crime, o adolescente é colocado em liberdade. "Daqui a pouco, ele mata de novo. E não é possível concluir do mesmo jeito”, lamenta.
Para ela, não é preciso modificar a maioridade penal. "É preciso aumentar o prazo da internação provisória. De forma que o menor fique 90 dias apreendido", ressaltou.
Depois do julgamento
Outra discordância entre o que pensa a delegada Mônica Ferreira e o que está presente no ECA refere-se ao período de internação do adolescente após o julgamento na Vara da Infância e da Juventude (VIJ), que varia de seis meses a três anos. "Se tiver bom comportamento vai para rua. Porque a cada seis meses é avaliado. Mesmo após matar, ele pode ser solto em seis meses. Tinha que ter um prazo mínimo: um ano, por exemplo", sugere.
O atual sistema de internação de jovens infratores no DF é insuficiente para receber jovens infratores. Para desafogar, eles são devolvidos para a sociedade antes mesmo de completar o ciclo da ressocialização. "Eu acho que eles deveriam ficar, no mínimo, 90 dias internados", disse a delegada.
Defesa de mais tempo internados
O professor da Universidade de Brasília e especialista em Segurança
Pública Antônio Testa respalda a análise da delegada Mônica Ferreira
sobre a dificuldade de manter os jovens infratores internados. "A
legislação não pode ser tão leniente com essa situação", enfatiza. "Não é
possível que, mesmo que cometa um crime grave, fique, no máximo, três
anos preso", lamenta.
Além da mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Testa recomenda a criação de uma política de planejamento familiar.
De acordo com a delegada da DCA, Santa Maria está entre as cidades
com maior número de crimes envolvendo menores. É a terceira, atrás
apenas de Planaltina e São Sebastião, respectivamente. "Não tenho os
números de cabeça, mas é um lugar bastante problemático", afirma a
policial.
Faixa de Gaza
A cidade tem um setor que é comparado ao território conhecido como
Faixa de Gaza - onde são comuns conflitos entre israelenses e palestinos
- por colecionar mortes - a maioria entre jovens. A Gaza brasiliense
fica entre as quadras 204, 205 e 206. Lá, a matança é provocada por
guerras de gangues de adolescentes.
Morador da QR 308, Luís Carlos, 53 anos, aposentado, conta que a
filha, de 17 anos, e um colega foram assaltados por dois menores perto
de casa. Cada infrator portava um revólver. "Não fui à delegacia porque
não adianta nada. Lá, o próprio policial diz que não pode fazer nada
porque é menor", explica. "É preciso mudar as leis. Reduzir a maioridade
penal", aponta.
O morador lembra do fatídico ano de 2012 pelas 13 mortes que
levaram a localidade ao destaque do noticiário policial. "Aqui, nosso
maior medo é com relação aos menores. Eles fazem o que querem", lamenta.
"Na Faixa de Gaza, nem a polícia entra. Só quando vai em comboio",
afirma.
Testemunhas temem retaliação
Uma das dificuldades de investigação de crimes praticados por
menores é justamente o fato de não haver testemunhas. Nem mesmo quando
estão em condição de vítima. "Para eles, é mais interessante ver o
inimigo solto que preso. Porque é mais fácil de acertar as contas com ele na rua", explica um morador de Santa Maria, que preferiu não se identificar.
O envolvimento de jovens da cidade com o crime não se limita aos
homicídios entre gangues. Além de tráfico, os adolescentes infratores
praticam assaltos na região. Em dezembro, o posto de gasolina na Avenida
Alagados foi assaltado 16 vezes. "A maioria dos assaltos foi cometida
por menor", afirma a frentista Meiriani de Araújo.
A onda de roubos só foi interrompida após o estabelecimento contratar um militar para
fazer a segurança nas horas de folga. "Uma vez, um menino de 12 anos
foi pego depois de assaltar aqui. Mas não demorou muito e acabou solto
de novo", diz outro frentista, no posto há sete anos.
Mesmo em frente à delegacia, outro posto é "freguês" de
assaltantes. Entre os autores, muitos menores. "Até que agora, a
situação melhorou. Mas ainda assim, tem ocorrido assaltos aqui. Quem
comete é sempre menores. Eles sabem que não ficam presos", afirma o
frentista, que também não se identificou.
Ideia do ECA era humanizar tratamento
A maioridade penal aos 18 anos foi estabelecida na legislação
brasileira em 1940, décadas antes da edição do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), que confirmou a regra meio século depois com a Lei
8.069, de 13 de julho de 1990. Com o ECA, o tratamento de menores
infratores foi mais humanizado, buscando a reinserção desses jovens na
sociedade.
Uma das principais mudanças na área criminal foi o incentivo ao
cumprimento de medidas socioeducativas em substituição ao recolhimento
em unidades de internação, quando possível. No entanto, as inovações do
ECA não levaram a resultados práticos na redução da criminalidade
envolvendo menores de 18 anos. Com a divulgação de crimes violentos
cometidos recentemente por jovens, o País retomou a discussão sobre a
redução da maioridade penal para 16 anos.
Polêmica
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Gilmar Mendes e
Marco Aurélio Mello, já se manifestaram contra a alteração das regras.
Eles defendem, porém, uma aplicação mais efetiva do ECA, seja com
fornecimento de melhores condições de educação, de saúde e de pleno
emprego aos jovens, para evitar infrações, seja com tratamento adequado
nas unidades de internação, reduzindo a reincidência e facilitando a
ressocialização. Para outra corrente de juristas, a redução da
maioridade penal é vista como necessária. (Agência Brasil)
Saiba mais
Diversos países já adotam a maioridade penal abaixo dos 18 anos.
Portugal, por exemplo, fixou em 16 anos. Na França e na Polônia, ocorre
aos 13 anos; na Itália e na Rússia, aos 14.
No Reino Unido é ainda mais baixa: 10 anos na Inglaterra e no País de Gales, e apenas 8 anos na Escócia.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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