Rodrigo Bertolotto
Do UOL, em Alagoinha do Piauí (PI)
Do UOL, em Alagoinha do Piauí (PI)
A compra de votos acontece em todas as regiões do
Brasil. Foram 1.206 casos só na última eleição (2012). Em Alagoinha do
Piauí, porém, esse crime eleitoral ganha contornos trágicos, afinal, a
cidade é a recordista em analfabetismo do país. Antônio e Helena fazem
parte dos 41,6% dos moradores de lá que não sabem ler nem escrever.
Exemplo disso, o município já teve um prefeito cassado por captação
ilícita de sufrágio, nome técnico para o voto vendido. A notícia parece
até um causo sertanejo: em 2009, Clodoaldo de Moura (PT) foi afastado e,
como vingança, levou a chave da prefeitura com ele. A presidente da
Câmara, que ficou como interina, teve que despachar várias semanas da
calçada.
"Qualquer agradinho, R$ 30, R$ 40 já
ajeita o voto de um sujeito", resume Antônio a venda no varejo. O enredo
da vida dele se confunde com a de outros "malucos véios sem nada", como
ele define os iletrados. Infância na roça, escola distante e descaso
das autoridades e da família são o início da história, que se completa
com a ineficiência dos programas estatais de ensino para jovens e
adultos.
Foi assim com o Mobral, promovido
pelo regime militar (1964-1985). Foi assim com o Brasil Alfabetizado,
lançado durante o governo Lula (2003-2010).
Nesse último, uma fraude colaborou para manter o nível de ensino tão
baixo por lá. Como os educadores receberiam R$ 400 por turma formada,
como havia muita resistência dos idosos analfabetos e como não havia
fiscalização, vários grupos foram formados com pessoas que já eram
alfabetizadas. Ou seja, ensinavam quem não precisava.
Nos últimos 50 anos, o percentual de analfabetos no território nacional
caiu de 39,8% para 9%. Em Alagoinha do Piaui, entretanto, o índice se
manteve em um patamar da era em que o Brasil era um país rural.
Por sinal, a maioria da população do município está no campo (64%). Das
13 escolas, dez são na zona rural e são multisseriadas (alunos de
várias séries com uma mesma professora e em uma mesma sala). Cinco
ônibus e 150 bicicletas são oferecidos para o transporte dos estudantes.
Mas muitos ainda viajam nas caçambas de caminhonetes para chegar aos
colégios, no mais típico estilo pau-de-arara, em meio aos cajueiros que
sofrem com a seca e empobrecem ainda mais a área.
"Papagaio velho não aprende a falar. Eu passo o dia roçando embaixo do
sol. Chega a noite, eu quero é descansar. Não consigo estudar", afirma o
agricultor Adão Paz. Ele diz que na hora de votar não tem dificuldade.
"Número é mais fácil que letra. Pego o santinho e decoro. Quando vejo a
foto do cabra, aperto o botão verdinho e pronto."
A destreza diante da urna eleitoral não esconde a mágoa por sua
condição. "Quem não sabe ler é cego. É triste olhar um papel e não ver
nada. Na época da besteira, meus pais não me levaram para a escola.
Agora, sou assim e não mudo mais", desabafa.
No final da tarde, muitos dos analfabetos vão para a praça central de
Alagoinha para assistir TV. Abre-se uma portinhola de madeira no alto de
um poste de alvenaria. Dentro está o aparelho de tubo que só sintoniza a
TV Record. Distraídos entre conversas, mal prestam atenção ao horário
eleitoral na tela. Afinal, por lá as palavras não têm forma: elas só
fazem barulho.
Segundo o último censo do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), estão no Piauí as
três cidades com maior percentual de analfabetos acima dos 10 anos de
idade. Além de Alagoinha (41,6%), são elas Caxingó (40,8%) e Caraúbas
(40,6%). O Estado, porém, está em segundo nesse ranking negativo:
Alagoas supera com 24,3% de iletrados contra 22,9% do Piauí.
Assim como em Alagoinha, em Caxingó um prefeito foi afastado por compra
de voto. A situação é tão crítica no Estado que há acusações atualmente
contra os favoritos ao cargo de governador, Wellington Dias (PT), e ao
de senador, Wilson Martins (PSB). Uma operação da Polícia Federal, Civil
e Militar vai patrulhar locais de votação nos 224 municípios do Piauí
para tentar bloquear o habitual mercado de votos.
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