Mesmo com as chuvas do último fim de semana, o nível dos
reservatórios do rio Paraíba do Sul, o mais importante
do Rio de Janeiro, chama a atenção. A seca é a maior dos últimos 60
anos. Para os especialistas, essa é a consequência de uma nova
realidade ambiental. Além do Rio, o Paraíba do Sul banha os estados de
Minas
Gerais e São Paulo. Em março o governador paulista Geraldo Alckmin
(PSDB) anunciou
que pediria a transposição da represa Jaguari, que alimenta o Paraíba do
Sul, para
o Sistema Cantareira. No começo de novembro, o diretor presidente da
Agência
Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo, afirmou que a
transposição
estaria “em vias de se viabilizar”.
Para Flávio Rodrigues do Nascimento, geógrafo e professor do
Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF, “em condições
globais climáticas, com reflexos regionais, estamos passando por momentos de
extremos: sejam de secas ou cheias. A irregularidade destes fenômenos vem se
dando com força desde a última década. Temos que nos preparar para esta nova
realidade ambiental. Os tomadores de decisão política, empresários, o estado, a
sociedade civil e os outros agentes organizadores do espaço devem considerar esta
uma questão atual, real e muito séria”.
O professor, que também é autor do livro "O fenômeno da
desertificação", explica que a intervenção humana acentua o desequilíbrio
do meio ambiente. Segundo Flávio, o problema não está ligado apenas à contaminação
dos corpos hídricos, do desmatamento das matas ribeirinhas e das florestas e do
assoreamento de rios e reservatórios.
Para ele, o desmatamento generalizado e a
expansão agrícola em direção à Amazônia, afeta a dinâmica interativa entre
superfície, atmosfera e oceanos. “Se engana quem pensa que a dinâmica ambiental
não é interligada e que os impactos negativos atingem áreas distintas, em
escala e magnitude.
O sudeste, por exemplo, vem sofrendo não só com seus
problemas ambientais citados acima, mas também com o avanço do rápido
desmatamento da Amazônia. O governo tem sua responsabilidade, como agente
maior, mas toda a sociedade é responsável. Especialmente agroindústrias e indústrias”,
enfatiza.
Perguntado sobre a possibilidade do Rio de Janeiro sofrer
uma crise no abastecimento, como é o caso de São Paulo, Flávio diz que a
hipótese não é descartável. “O Rio de Janeiro é um dos estados menos
preparados do país, no que se refere à gestão de bacias e ao gerenciamento de
recursos hídricos. Embora seus níveis de chuvas sejam elevados no contexto
nacional, assim com os de São Paulo, o estado é sim muito vulnerável a uma
crise hídrica. Pois, para além desses fatores e problemas, o Rio de Janeiro mantém
dependência direta do Paraíba do Sul, um importante rio federal, que está no
campo de disputa com São Paulo. Que vem, vis-à-vis, demandando mais água da bacia
deste rio”, explica.
O professor reforça que, em caso de uma crise de
abastecimento, a situação do Rio de Janeiro seria “muito mais complicada” que em São
Paulo, devido à dependência de um rio federal e ao “despreparo histórico” que o
estado tem no trato da água.
“O abastecimento desigual que o sistema público
hídrico promove, faz com que certas áreas sejam privilegiadas em detrimento de
outras. Sendo assim, áreas mais carentes da cidade são mais vulneráveis e
sofreriam de toda sorte os problemas advindos de uma crise desta monta”,
alerta.
Diante do impasse, Flávio acredita que, se a transposição do
Paraíba do Sul for viabilizada, o abastecimento do Rio seria prejudicado. Ele
explica que os níveis de vazão podem reduzir drasticamente em momentos de crise
hídrica, como o que estamos vivendo agora. Em uma alusão, o professor diz que teríamos
“uma mesma caixa de leite dividida para várias bocas".
Um caminho apontado
pelo professor é que o governo busque “alternativas urgentes e emergentes” sobre
o manejo das bacias hidrográficas do Rio, especialmente, da Região
Metropolitana. “Outra questão, igualmente importante, é que esta metrópole está
entre as que mais consomem e desperdiçam água na América Latina. Rever os
padrões e tipos de uso da água se faz necessário. Especialmente, devem ser
desenvolvidos trabalhos de diversas montas para se evitar o desperdício”,
ressalta.
Ainda sobre a preservação e sobre o uso consciente da água,
Flávio aposta em campanhas educacionais e no manejo eficiente da água, levando
em consideração sua captação e distribuição. Outro ponto considerado
fundamental pelo professor diz respeito às indústrias, “principais consumidores
de água na metrópole”, como define. Ele reforça a necessidade de “fiscalização
pelos órgãos públicos e acionamento dos instrumentos e controle, assim como o
incentivo de uma política de reuso, reciclagem e reaproveitamento de água”.
Thiago Correia mora em Barra Mansa e passa pelo rio Paraíba do Sul todos os diasThiago Correia Machado, 20 anos, mora em Barra Mansa e todos
os dias passa pelo rio Paraíba do Sul. Duas vezes por mês, o rapaz também vai
pescar na represa Itatiaia. Ao Jornal do Brasil ele contou que tem observado. “O
nível do Rio Paraíba caiu já faz um mês. A água baixou bastante. Aqui na
Represa Itatiaia a água deve ter baixado uns quatro metros. Venho aqui de 15 em
15 dias para pescar. Da última vez que eu vim até agora, deve ter abaixado uns
três metros”, conta. Perguntado sobre a mortandade peixes ou falta de água em
sua casa, o rapaz nega. Apesar da chuva que caiu no Rio no último final de
semana, Thiago diz: “Choveu bastante por aqui na semana passada, mas acho que
não alterou muita coisa”.
Segundo Flávio Nascimento, o rapaz pode estar certo. O
professor explica que é possível que, apesar da chuva, o nível da água não
tenha subido. “Há muito tempo nível de chuvas está abaixo da média. As
condições de umidades do solo estão deficitárias. Sua superfície também se
encontra mais aquecida, dificultando a infiltração para recarga de aquíferos ou
mesmo para o escoamento superficial para alimentar os veios hídricos”, explica.
Para ele, a saída será que haja mais dias e melhores índices
distributivos de chuvas para que a situação se normalize. “Os barramentos
indevidos de pequenos rios e afluentes, bem como a canalização inadvertida de
nascentes, contribuem sobremaneira para esta situação níveis críticos, não só
nesta represa, mais em muitas outras. Então, a recuperação de nascentes, o não
represamento de afluentes, assim como a manutenção da vegetal são alguns dos
elementos necessários para manutenção do ciclo hidrológico e produção natural
de água”, aponta. Em outras palavras, Flávio defende que as ações humanas sejam
revistas, replanejadas e fiscalizadas
para que nos momentos de crise, reservatórios como o de Itatiaia – citado por
Thiago – demorem mais dias com águas acumulada acima de níveis críticos, que
tem 30% como limite mínimo.
O professor atenta para o fato que serão necessárias ações
conjuntas e integradas para resolver o problema. “Quando se faz a gestão de uma
bacia, não só a questão da água deve ser observada. Mas também do solo,
vegetação e outros recursos naturais, associados às tipologias de uso e
ocupação do solo no espaço”, enfatiza.
Gestão do uso da água
Como ressaltou Flávio Nascimento, o uso consciente da água é
necessário para prevenir crises no consumo e na oferta. O professor lembrou
que, por três anos consecutivos, o estado do Ceará enfrentou secas, assim como
o Nordeste Semiárido. Ele conta que os níveis dos reservatórios chegaram a
ficar abaixo de 7%, representando um “colapso total”, já que alguns
reservatórios mantiveram apenas 0,2% de sua capacidade.
“Contudo, em função de
uma gestão eficiente, porém direcionada, os reservatórios que abastem a região
metropolitana de Fortaleza, detém 90% de sua capacidade na data de hoje. Isto é
uma prova que a gestão de bacias, quando bem feita, dá resultados. A região metropolitana
de Fortaleza, portanto, tem hoje um situação super confortável em relação às metrópoles
de São Paulo e Rio de Janeiro. A situação no Ceará só não é melhor porque o governo
cometeu um equívoco profundo: privilegiou a região metropolitana de Fortaleza em
detrimento de todos os outros municípios do estado, criando um forte vazio
hídrico em quase todo o estado”, pontua.
O professor finaliza dizendo que é fundamental a “manutenção
da quantidade, qualidade e garantia (QQG) de modo democrático, descentralizado
e que privilegia os usos mais nobres das águas, especialmente nos momentos de
crise: abastecimento humano e dessedentação animal. A realidade de hoje, parece
ser a regra de amanhã em relação a questão da água no geral, e do meio
ambiente, em particular”.
Para o professor Jefferson Silveira, do Instituto de
Geologia e Geofísica da UFF, é preciso evitar o uso e o consumo perdulários da
água. Para isso, segue, a saída pode estar na regularização da ocupação da
bacia, na proteção das nascentes e afluentes e na regularização da retirada de
água para irrigação e indústrias. “O menor dos consumos é o humano. Durante a irrigação,
por exemplo, 90% da água evapora ou infiltra no solo e não é utilizado pela planta”,
ressalta.
Outro ponto levantado por Jefferson é o tratamento do esgoto
e poluição das bacias hidrográficas. “As indústrias não são bem monitoradas, os
poluentes vazam e poluem a água. Além disso, ao longo do Paraíba tem a Dutra e
outras estradas. Se acontece um desastre com uma carreta que transporta produto
químico, a água vai sofrer as consequências”, previne. Além disso, o professor
atenta para a necessidade de erradicar os lixões.
Utilizar a natureza a favor da preservação é um cuidado que
pode ser tomado pelo homem. Uma iniciativa que pode ser executada nesse sentido
é investir na captação da água da chuva, como exemplifica Jefferson. “Com
tratamento, essa água pode se tornar potável. Uma política de incentivo de
armazenamento de água de telhado vai ajudar a combater as enchentes também
porque implica em reter a água e, se eu retenho água, posso armazenar essa
quantidade e reaproveitar para lavar o carro e a calçada. É claro que passa por
uma política de vontade do governo e de educação. Implica em planejamento,
saneamento e transporte”, explica o professor.
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