quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Baixo nível dos reservatórios do rio Paraíba do Sul, que abastece o Rio, preocupa especialistas

Jornal do Brasil

Quarta-feira, 12 de Novembro de 2014

Rio

"Temos que nos preparar para esta nova realidade ambiental", alerta geógrafo

Jornal do BrasilLouise Rodrigues*
Mesmo com as chuvas do último fim de semana, o nível dos reservatórios do rio Paraíba do Sul, o mais importante do Rio de Janeiro, chama a atenção. A seca é a maior dos últimos 60 anos. Para os especialistas, essa é a consequência de uma nova realidade ambiental. Além do Rio, o Paraíba do Sul banha os estados de Minas Gerais e São Paulo. Em março o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou que pediria a transposição da represa Jaguari, que alimenta o Paraíba do Sul, para o Sistema Cantareira. No começo de novembro, o diretor presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo, afirmou que a transposição estaria “em vias de se viabilizar”.


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Para Flávio Rodrigues do Nascimento, geógrafo e professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF, “em condições globais climáticas, com reflexos regionais, estamos passando por momentos de extremos: sejam de secas ou cheias. A irregularidade destes fenômenos vem se dando com força desde a última década. Temos que nos preparar para esta nova realidade ambiental. Os tomadores de decisão política, empresários, o estado, a sociedade civil e os outros agentes organizadores do espaço devem considerar esta uma questão atual, real e muito séria”. 

O professor, que também é autor do livro "O fenômeno da desertificação", explica que a intervenção humana acentua o desequilíbrio do meio ambiente. Segundo Flávio, o problema não está ligado apenas à contaminação dos corpos hídricos, do desmatamento das matas ribeirinhas e das florestas e do assoreamento de rios e reservatórios.


Para ele, o desmatamento generalizado e a expansão agrícola em direção à Amazônia, afeta a dinâmica interativa entre superfície, atmosfera e oceanos. “Se engana quem pensa que a dinâmica ambiental não é interligada e que os impactos negativos atingem áreas distintas, em escala e magnitude.


 O sudeste, por exemplo, vem sofrendo não só com seus problemas ambientais citados acima, mas também com o avanço do rápido desmatamento da Amazônia. O governo tem sua responsabilidade, como agente maior, mas toda a sociedade é responsável. Especialmente agroindústrias e indústrias”, enfatiza.


Perguntado sobre a possibilidade do Rio de Janeiro sofrer uma crise no abastecimento, como é o caso de São Paulo, Flávio diz que a hipótese não é descartável. “O Rio de Janeiro é um dos estados menos preparados do país, no que se refere à gestão de bacias e ao gerenciamento de recursos hídricos. Embora seus níveis de chuvas sejam elevados no contexto nacional, assim com os de São Paulo, o estado é sim muito vulnerável a uma crise hídrica. Pois, para além desses fatores e problemas, o Rio de Janeiro mantém dependência direta do Paraíba do Sul, um importante rio federal, que está no campo de disputa com São Paulo. Que vem, vis-à-vis, demandando mais água da bacia deste rio”, explica.

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O professor reforça que, em caso de uma crise de abastecimento, a situação do Rio de Janeiro seria “muito mais complicada” que em São Paulo, devido à dependência de um rio federal e ao “despreparo histórico” que o estado tem no trato da água.


“O abastecimento desigual que o sistema público hídrico promove, faz com que certas áreas sejam privilegiadas em detrimento de outras. Sendo assim, áreas mais carentes da cidade são mais vulneráveis e sofreriam de toda sorte os problemas advindos de uma crise desta monta”, alerta.

Diante do impasse, Flávio acredita que, se a transposição do Paraíba do Sul for viabilizada, o abastecimento do Rio seria prejudicado. Ele explica que os níveis de vazão podem reduzir drasticamente em momentos de crise hídrica, como o que estamos vivendo agora. Em uma alusão, o professor diz que teríamos “uma mesma caixa de leite dividida para várias bocas".


Um caminho apontado pelo professor é que o governo busque “alternativas urgentes e emergentes” sobre o manejo das bacias hidrográficas do Rio, especialmente, da Região Metropolitana. “Outra questão, igualmente importante, é que esta metrópole está entre as que mais consomem e desperdiçam água na América Latina. Rever os padrões e tipos de uso da água se faz necessário. Especialmente, devem ser desenvolvidos trabalhos de diversas montas para se evitar o desperdício”, ressalta.


Ainda sobre a preservação e sobre o uso consciente da água, Flávio aposta em campanhas educacionais e no manejo eficiente da água, levando em consideração sua captação e distribuição. Outro ponto considerado fundamental pelo professor diz respeito às indústrias, “principais consumidores de água na metrópole”, como define. Ele reforça a necessidade de “fiscalização pelos órgãos públicos e acionamento dos instrumentos e controle, assim como o incentivo de uma política de reuso, reciclagem e reaproveitamento de água”.

Thiago Correia mora em Barra Mansa e passa pelo rio Paraíba do Sul todos os dias
Thiago Correia mora em Barra Mansa e passa pelo rio Paraíba do Sul todos os dias
Thiago Correia Machado, 20 anos, mora em Barra Mansa e todos os dias passa pelo rio Paraíba do Sul. Duas vezes por mês, o rapaz também vai pescar na represa Itatiaia. Ao Jornal do Brasil ele contou que tem observado. “O nível do Rio Paraíba caiu já faz um mês. A água baixou bastante. Aqui na Represa Itatiaia a água deve ter baixado uns quatro metros. Venho aqui de 15 em 15 dias para pescar. Da última vez que eu vim até agora, deve ter abaixado uns três metros”, conta. Perguntado sobre a mortandade peixes ou falta de água em sua casa, o rapaz nega. Apesar da chuva que caiu no Rio no último final de semana, Thiago diz: “Choveu bastante por aqui na semana passada, mas acho que não alterou muita coisa”.


Segundo Flávio Nascimento, o rapaz pode estar certo. O professor explica que é possível que, apesar da chuva, o nível da água não tenha subido. “Há muito tempo nível de chuvas está abaixo da média. As condições de umidades do solo estão deficitárias. Sua superfície também se encontra mais aquecida, dificultando a infiltração para recarga de aquíferos ou mesmo para o escoamento superficial para alimentar os veios hídricos”, explica.


Para ele, a saída será que haja mais dias e melhores índices distributivos de chuvas para que a situação se normalize. “Os barramentos indevidos de pequenos rios e afluentes, bem como a canalização inadvertida de nascentes, contribuem sobremaneira para esta situação níveis críticos, não só nesta represa, mais em muitas outras. Então, a recuperação de nascentes, o não represamento de afluentes, assim como a manutenção da vegetal são alguns dos elementos necessários para manutenção do ciclo hidrológico e produção natural de água”, aponta. Em outras palavras, Flávio defende que as ações humanas sejam  revistas, replanejadas e fiscalizadas para que nos momentos de crise, reservatórios como o de Itatiaia – citado por Thiago – demorem mais dias com águas acumulada acima de níveis críticos, que tem 30% como limite mínimo.


O professor atenta para o fato que serão necessárias ações conjuntas e integradas para resolver o problema. “Quando se faz a gestão de uma bacia, não só a questão da água deve ser observada. Mas também do solo, vegetação e outros recursos naturais, associados às tipologias de uso e ocupação do solo no espaço”, enfatiza.


Gestão do uso da água
Como ressaltou Flávio Nascimento, o uso consciente da água é necessário para prevenir crises no consumo e na oferta. O professor lembrou que, por três anos consecutivos, o estado do Ceará enfrentou secas, assim como o Nordeste Semiárido. Ele conta que os níveis dos reservatórios chegaram a ficar abaixo de 7%, representando um “colapso total”, já que alguns reservatórios mantiveram apenas 0,2% de sua capacidade.


“Contudo, em função de uma gestão eficiente, porém direcionada, os reservatórios que abastem a região metropolitana de Fortaleza, detém 90% de sua capacidade na data de hoje. Isto é uma prova que a gestão de bacias, quando bem feita, dá resultados. A região metropolitana de Fortaleza, portanto, tem hoje um situação super confortável em relação às metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro. A situação no Ceará só não é melhor porque o governo cometeu um equívoco profundo: privilegiou a região metropolitana de Fortaleza em detrimento de todos os outros municípios do estado, criando um forte vazio hídrico em quase todo o estado”, pontua.

O professor finaliza dizendo que é fundamental a “manutenção da quantidade, qualidade e garantia (QQG) de modo democrático, descentralizado e que privilegia os usos mais nobres das águas, especialmente nos momentos de crise: abastecimento humano e dessedentação animal. A realidade de hoje, parece ser a regra de amanhã em relação a questão da água no geral, e do meio ambiente, em particular”.


Para o professor Jefferson Silveira, do Instituto de Geologia e Geofísica da UFF, é preciso evitar o uso e o consumo perdulários da água. Para isso, segue, a saída pode estar na regularização da ocupação da bacia, na proteção das nascentes e afluentes e na regularização da retirada de água para irrigação e indústrias. “O menor dos consumos é o humano. Durante a irrigação, por exemplo, 90% da água evapora ou infiltra no solo e não é utilizado pela planta”, ressalta.


Outro ponto levantado por Jefferson é o tratamento do esgoto e poluição das bacias hidrográficas. “As indústrias não são bem monitoradas, os poluentes vazam e poluem a água. Além disso, ao longo do Paraíba tem a Dutra e outras estradas. Se acontece um desastre com uma carreta que transporta produto químico, a água vai sofrer as consequências”, previne. Além disso, o professor atenta para a necessidade de erradicar os lixões.


Utilizar a natureza a favor da preservação é um cuidado que pode ser tomado pelo homem. Uma iniciativa que pode ser executada nesse sentido é investir na captação da água da chuva, como exemplifica Jefferson. “Com tratamento, essa água pode se tornar potável. Uma política de incentivo de armazenamento de água de telhado vai ajudar a combater as enchentes também porque implica em reter a água e, se eu retenho água, posso armazenar essa quantidade e reaproveitar para lavar o carro e a calçada. É claro que passa por uma política de vontade do governo e de educação. Implica em planejamento, saneamento e transporte”, explica o professor.


*Do Programa de Estágio JB

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