sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

No Brasil, ser diplomata era uma honra, agora é vergonhoso


Carlos Newton


É absurdamente reveladora a reportagem/denúncia de Patrícia Campos Mello e Isabel Fleck na Folha de S. Paulo, mostrando a situação de penúria em que se encontram importantes embaixadas brasileiras, envergonhando nossos diplomatas e destruindo a imagem do país no exterior.


O texto mostra que diplomatas brasileiros em Tóquio, Lisboa, na Guiana, Estados Unidos e em Benin, na África, nos últimos dias enviaram desesperadas mensagens ao Itamaraty, porque as representações do Brasil no exterior já tinham começado a sofrer corte de energia por atrasos no pagamento, além de estarem sem dinheiro para comprar papel para impressoras e materiais, pagar a conta do aquecimento, internet e outros.


É constrangedor saber que o embaixador brasileiro em Lisboa, Mario Vilalva, teve de fazer um apelo pessoal ao presidente da concessionária de energia EDP para que não cortasse o fornecimento, conseguindo liberação do pagamento da fatura até 28 de janeiro, impreterivelmente, conforme mensagem enviada ao Itamaraty dia 14 de janeiro. E a dívida era de apenas 1.734 euros.


A situação é humilhante e foram os próprios diplomatas, revoltados, que decidiram vazar para a imprensa essas vergonhosas mensagens que têm sido enviadas ao Itamaraty.



DO PRÓPRIO BOLSO
O embaixador na Guiana, Lineu de Paula, pediu autorização para pagar as despesas do próprio bolso, advertindo que a empresa de internet já havia prorrogado do valor devido até 18 de janeiro, mas iria cortar o serviço por atraso. “Tendo em vista a possibilidade de que até o próximo fim de semana esta Embaixada fique sem comunicações com a SERE (Secretaria Executiva do Ministério) e eventualmente sem eletricidade e outros serviços básicos nas próximas duas semanas, muito agradeceria receber autorização para efetuar o pagamento das contas vencidas e a vencer com meus recursos para posterior reembolso”, pediu o diplomata.


O documentos vazados para a Folha são constrangedores. Uma mensagem do embaixador André Corrêa do Lago, enviada de Tóquio na terça-feira, dia 20, informava que acabara de receber notificação para corte de energia, porque a conta, de US$ 3.924, não era paga desde dezembro. No dia seguinte, outra mensagem, enviada por Marco Farani, cônsul-geral do Brasil em Tóquio, relatava o ponto a que chegara a situação:


“Todas as contas de Serviços e Manutenção deste Posto do mês de dezembro/2014 encontram-se pendentes de pagamento, o que tem gerado insistentes cobranças dos credores e, em casos mais extremos, há o risco de suspensão de serviços essenciais à Chancelaria como internet, telefonia celular e fixa, eletricidade, serviço de franquia de correspondências e fotocópias, caso não seja possível quitar os débitos até o final de janeiro.”


BANHO DE CANECA
Mas a pior situação foi registrada na embaixada do Brasil em Benin (oeste da África).



O diplomata responsável é o encarregado de negócios, João Carlos Falzeta Zanini, que está apelando para velas e lanternas, porque falta dinheiro para comprar combustível do gerador. Às vezes toma banho de caneca, pois a bomba de água quebrou e não há recursos no momento para o conserto. Ele teve de pagar do próprio bolso a conta de telefone e de energia, que estavam atrasadas. Essas reclamações constam de mensagem enviada terça-feira, cujo teor foi divulgado pelo Sindicato do Servidores do Itamaraty.


“Vivemos uma situação financeira muito difícil, é impossível para o Itamaraty manter os postos atuais com os cortes sucessivos que o governo vem fazendo no orçamento do ministério”, disse à Folha a presidente do Sinditamaraty, Sandra Nepomuceno dos Santos. “Ficamos de mãos atadas, sem poder exercer a política externa e a assistência aos brasileiros como seria ideal.”


IRRESPONSABILIDADE
Depois que a Folha divulgou a penúria das representações brasileiras no exterior, o Itamaraty se apressou em informar que já estava liberado o dinheiro, como se o simples pagamento das cotas fosse suficiente para compensar as humilhações que os diplomatas vêm sofrendo.



O fato é que, por inspiração do assessor Marco Aurélio Garcia, desde o primeiro governo Lula o Itamaraty abriu, irresponsavelmente, grande número de embaixadas, elevando os custos sem haver o menor retorno ou benefício ao país. Ao mesmo tempo que tomava essa iniciativa, o governo começou a cortar as verbas e inviabilizar as representações no exterior.



 A participação do orçamento do Itamaraty no total do Executivo, que já era pequena, caiu quase à metade em 2014 em relação a 2003 – de 0,5% para 0,27%. Não é preciso dizer mais nada. E ainda chamam isso aí de governo.

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