segunda-feira, 16 de março de 2015
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Parece
um menino, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava
Jato. É a cara do Sul, tão estigmatizado pelos estados escravagistas,
hoje lulopetistas de carteirinha. Sim, a escravidão tem marca
geográfica: algumas regiões do país foram mais escravagistas que outras.
Chega de relativismo. Se as universidades não fossem redutos petralhas,
talvez já houvesse algum estudo mais detalhado sobre essa desgraça:.
Segue entrevista ao Estadão:
Deltan
Martinazzo Dallagnol, procurador da República, diz que “as
investigações estão em pleno desenvolvimento e a maior parte das
acusações ainda está por vir”. Ele é o coordenador da Operação Lava
Jato, que fez ruir o cartel de empreiteiras infiltrado na Petrobrás para
fraudes em licitações bilionárias e pagamento de propinas a pelo menos
50 políticos.
Em entrevista ao Estado, o procurador diz que “corrupção dessas
proporções deve ser punida de modo mais firme do que um homicídio,
porque mata muitas pessoas”.
O que alimenta a corrupção?
A
corrupção é um fenômeno de causas complexas, no sentido de que várias
condições tornam o indivíduo mais ou menos inclinado, e o ambiente mais
ou menos propício, à sua ocorrência. Sob o ponto de vista individual, a
corrupção pode ser vista como uma escolha racional, baseada em uma
ponderação dos custos e dos benefícios dos comportamentos honesto e
corrupto. O custo envolve não só os ônus morais e o tamanho da punição,
mas também a probabilidade de ser descoberto e de a punição ser levada a
efeito. A percepção da probabilidade de vir a ser punido é, assim,
fator determinante. Nesse sentido, a percepção difusa de que corruptos
não são punidos em razão de problemas sistêmicos da Justiça, decorrentes
em boa medida da lei, conhecidos popularmente como ‘brechas da lei’, é
certamente uma das principais condições que favorecem a corrupção.
Por que a corrupção domina praticamente boa parte das administrações?
Os
índices de corrupção pública refletem, em grande medida, os índices de
corrupção privada de uma sociedade. Contudo, a corrupção privada não
explica completamente a pública, bastando ver que o grau de corrupção de
um para outro órgão público varia. Há condições organizacionais da
administração pública que operam em favor ou contra a corrupção. Uma das
perspectivas mais perniciosas, que permite que a corrupção se alastre e
perpetue em ambientes organizacionais, é conhecida como teoria da maçã
podre, a qual ainda é bastante adotada no Brasil. Dentre as condições
organizacionais, que contribuem para o comportamento corrupto e devem
ser enfrentadas estão o mau exemplo de superiores, a alocação de
recursos humanos e financeiros insuficientes em supervisão e em órgãos
de corregedoria e controle, a inexistência de regras claras no tocante à
corrupção, a ausência de cautelas no recrutamento e seleção de
servidores, a insuficiência de treinos em ética e integridade, a falta
de incentivos para que servidores reportem a corrupção de colegas, a
falta de prestação de contas à população sobre decisões e de
transparência de atos públicos, como no caso de diários secretos,
sistemas não efetivos de controle interno, a ausência de rotatividade de
servidores em setores de maior risco, bem como a inexistência de
políticas de incentivo e motivação de servidores e de um sistema
eficiente de firme punição das práticas corruptas.
O que é essa perspectiva chamada de teoria da maçã podre?
Segundo
a teoria da maçã podre, a corrupção é um problema do indivíduo, que é
uma maçã podre no meio de um cesto de maçãs boas. A decorrência disso é
que bastaria retirar a maçã podre do cesto que ele estaria novamente
limpo e a corrupção teria sido eliminada. Essa teoria é normalmente
defendida por chefes que não querem reconhecer erros de gestão ou
supervisão e a inadequação de mecanismos de controle. Porque a corrupção
de subalternos pode repercutir negativamente sobre o chefe, ele pode
estar mais interessado em isolar e abafar o problema do que em uma ampla
investigação que enfrente as condições que favorecem o fenômeno
corrupto. Estudos internacionais sobre a corrupção nos incentivam a
abandonar a perspectiva da maçã podre e buscar alterações sistêmicas de
estruturas organizacionais para coibir comportamentos corruptos.
Qual a melhor punição para corruptos e corruptores?
No
tocante às empresas, punir apenas as pessoas, ignorando as entidades,
implica adotar, nesse âmbito, a teoria da maçã podre, como se a
corrupção fosse um vício dos indivíduos que as praticaram no seio
empresarial. O que constatamos é bem diferente disso. A corrupção era,
para essas empresas, um modelo de negócio que majorava o lucro em
benefício de todos. Caso as empresas sejam isentadas de penalidades, eu
não acredito que o susto será suficiente para forçar uma reorganização.
Há evidências de que em 2014, quando a Lava Jato já estava em pleno
andamento, práticas corruptas continuaram. Deve haver uma firme punição
para que esse modelo de negócio levado a efeito mediante a corrupção não
valha a pena, forçando as próprias empresas a se reorganizarem e
desenvolverem mecanismos preventivos que as mantenham distantes de
práticas ilícitas. Quanto aos agentes públicos e políticos, empresários e
operadores financeiros envolvidos no esquema, a melhor punição é aquela
prevista na lei que foi promulgada pela própria sociedade, por meio de
seus representantes eleitos. É a condenação e a prisão dos responsáveis
pelos crimes, em uma forte reação institucional contra esse para lá de
absurdo desvio de bilhões de reais. Corrupção dessas proporções deve ser
punida de modo mais firme do que um homicídio, porque ela mata muitas
pessoas. Ela rouba ainda a escola, a água encanada, o remédio e a
segurança de milhões de brasileiros. Os agentes públicos têm um dever
qualificado de proteção da coisa pública, o que deve ensejar uma punição
qualificada. Uma punição firme e efetiva, e é o que o Ministério
Público quer para este e para outros casos. Precisamos de mudanças na
legislação para poder entregar o que a sociedade espera.
As punições não são efetivas?
Não.
Há vários problemas sistêmicos que precisam se resolvidos. Se eu pego
meu filho me desobedecendo e digo que ele será punido daqui a mais de 10
anos, a punição passa a não ter efeito dissuasório nenhum. Todo pai
sabe disso, faz parte do nosso senso comum, mas essa punição atrasada
acontece no Brasil em relação aos criminosos de colarinho branco que,
por terem acesso a habilidosos e caros advogados, manejam uma infinidade
de recursos que têm demorado mais de dez anos para serem julgados. A
prescrição, que é uma espécie de cancelamento do caso porque ele demorou
muito para ser julgado, tem um contorno no Brasil que não tem em nenhum
outro país, permitindo que quase todos os casos de réus de colarinho
branco não tenham resultado. Anulações de casos inteiros são
determinadas por Tribunais sem uma análise mais profunda de sua
propriedade como ocorre nos Estados Unidos, o que coloca grande parte
das operações policiais a perder. A pena da corrupção normalmente é
substituída por alternativas à prisão que são indultadas, isto é,
canceladas após o cumprimento de apenas, acreditem, um quarto delas.
Precisamos de várias reformas.
A prisão intimida fraudadores?
Embora
a solução da corrupção não passe apenas pela questão penal, englobando
uma atuação sobre o complexo de condições que causam o fenômeno, eu
acredito que punições sérias e efetivas podem sim inibir a prática de
crimes, especialmente crimes preponderantemente racionais, como a
corrupção, em que o agente, diferentemente do que ocorre num homicídio
passional, avalia os custos e benefícios do comportamento. Se os custos
forem maiores do que os benefícios, e uma punição séria e efetiva
incrementa os custos, a pessoa poderá optar, ainda que movida por
motivos egoístas, pela conduta honesta.
Nunca o sistema é efetivo? Como explica o sucesso do caso Lava Jato?
Os
casos em que o sistema é efetivo são pontos fora da curva. O caso Lava
Jato é produto de uma série de fatores que, de modo extraordinário,
concatenaram-se e produziram um resultado positivo. Dentre esses fatores
estão a experiência e sinergia das equipes do Ministério Público,
Polícia e Receita Federal, compostas de profissionais técnicos e
qualificados que têm bons relacionamentos pessoais, a alta qualidade
técnica e capacidade de gestão do juiz, o apoio da imprensa e da opinião
pública, o manejo responsável de acordos de colaboração por
profissionais que acumularam conhecimento nessa matéria desde a Força
Tarefa do Caso Banestado, a criação da Força Tarefa Lava Jato pelo
procurador-geral da República, a manutenção das prisões mesmo após mais
de 130 habeas corpus. São tantas as circunstâncias fortuitas que muitos
chamariam isso de um grande acaso, uma conspiração do universo. Em razão
de minha cosmovisão cristã, eu creio que Deus está agindo no meio das
circunstâncias e nos dá uma oportunidade única na história de
promovermos mudança estrutural em prol de uma sociedade mais justa e
mais honesta. Depende de nós, como sociedade, contudo, propor e promover
as mudanças.
A Lava Jato chegou ao seu limite?
Não.
A Petrobrás é responsável por 75% do orçamento de investimento da
União. Se alguém quer desviar recursos públicos, essa é a galinha dos
ovos de ouro. Houve acusações até agora em relação a duas diretorias, e
logo haverá em relação a uma terceira. Existem suspeitas sobre vários
outros funcionários, mas o Ministério Público só fala sobre a culpa de
alguém quando há provas consistentes, fundamentadas, sobre a
responsabilidade daquela pessoa.
A Lava Jato vai além da Petrobrás?
Como
decorrência das técnicas especiais de investigação que estamos
empregando, da experiência e do conhecimento técnico da equipe, e do
corpo que a investigação tomou em relação a inúmeras pessoas e empresas
que atuaram também em outras áreas do governo, essa é a tendência. Há
informações segundo as quais a corrupção no Brasil é endêmica, o que é
apontado inclusive pelo índice de percepção da corrupção da
Transparência Internacional. Segundo essa organização, o Brasil está em
69.º lugar no ranking de percepção de honestidade. Precisamos de
reformas estruturais, de políticos e governantes com coragem para
promover mudanças sistêmicas profundas, respeitados os pilares
democráticos e republicanos.
Há propinas em outras estatais?
O
Ministério Público está investigando todos os fatos criminosos
reportados e está comprometido com a punição de todos os responsáveis,
na medida de sua atuação concreta e culpabilidade. Por padrão o
Ministério Público não fornece detalhes sobre investigações em curso ou
sobre estratégias de atuação futuras, para garantir o sucesso do que
pretende fazer.
Políticos e empreiteiros dizem que doação de campanha não pode ser criminalizada. Qual a sua avaliação?
Doações
de campanhas são uma expressão política do cidadão e não podem ser
criminalizadas. Podem, eventualmente, ser regulamentadas ou mesmo ser
sujeitas a determinadas condições para assegurar a lisura do processo
democrático. O que está em questão no caso não são simples doações
eleitorais, mas as doações simuladas que escondem o pagamento de
propina. Quando o repasse de propina é dissimulado na forma de doação,
caracteriza lavagem de dinheiro. Estou falando em tese, e não tratando
da situação específica de um ou outro agente político. O fato de ser
propina disfarçada de doação deve estar demonstrado de modo muito
consistente, para além de qualquer dúvida razoável, para que possa
conduzir a uma condenação criminal. Não se deve prejulgar ninguém, nem
mesmo políticos.
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