Entrevista com Anna Carolina Lobo
Publicado em outubro 9, 2015 por Redação
Tags: ecossistemas marinhos, entrevista
“Os oceanos, para as nossas vidas, são tão ou mais importantes que as florestas terrestres: mais de 60% do oxigênio é produzido por algas marinhas, embora as pessoas associem a produção do oxigênio somente às florestas”, diz a coordenadora do Programa Marinho do WWF.
Foto: www.hojeemdia.com.br |
Quando discutimos especificamente a proteção de áreas marinhas, o Ministério de Minas e Energia alega que a proteção será um impeditivo à exploração de petróleo e gás, por exemplo, sendo que existem mecanismos e políticas desenvolvidas em vários locais do mundo que mostram que é possível conciliar a conservação e o desenvolvimento”.
As críticas são feitas por Anna Carolina Lobo, coordenadora do Programa Marinho do WWF Brasil, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
Segundo ela, “se o governo definir as áreas de exclusão de pesca em unidades de conservação, isso não significa que a pesca será proibida durante todo o tempo. Ao contrário, essas unidades de uso sustentável definem critérios e períodos para que a pesca ocorra, o que no longo prazo garantirá a abundância do estoque pesqueiro e a abundância da subsistência da própria economia”.
Na entrevista a seguir, Anna Carolina informa que desde 2011 o Ministério da Pesca parou de monitorar as atividades pesqueiras no país, “o que significa que não temos a menor ideia de quais espécies estão sendo exploradas, quais espécies estão sendo extintas, quais estão ameaçadas”, frisa.
Depois da reforma ministerial, em que o Ministério da Pesca foi substituído por uma Secretaria no Ministério da Agricultura, Anna enfatiza que a retomada do monitoramento da costa brasileira será fundamental para ter acesso a informações sobre a atual situação dos recursos marinhos no país.
“O governo precisa usar estudos que já existem e que apontam as áreas prioritárias para a conservação ao longo da costa. Então, é preciso usar esses estudos para avançar no sentido de criar novas áreas de preservação”, afirma. De acordo com ela, atualmente, apesar de existirem 62 Unidades de Conservação de áreas marinhas, elas representam menos de 2% de toda a biodiversidade marinha brasileira protegida.
Anna explica ainda quais são as principais causas que estão comprometendo a qualidade da flora e da fauna dos oceanos e afirma que as expectativas para o futuro não são animadoras. “A estimativa é de que até 2030, 90% dos recifes de corais do mundo colapsem, ou seja, daqui a 15 anos, e ninguém sabe qual será o impacto disso para as nossas vidas”, adverte.
Anna Carolina Lobo é pós-graduada em Gestão Ambiental e atualmente coordena o Programa Marinho do WWF.
Confira a entrevista.
Imagem: www.mundovestibular.com.br |
Anna Carolina Lobo – A principal questão é o governo e os principais setores econômicos enxergarem na conservação marinha e costeira um potencial de impulsionar a economia. Quando se fazem políticas públicas no Brasil e se olha para a conservação de áreas terrestres ou marinhas, enxerga-se a conservação como um impeditivo ao desenvolvimento, e por isso faz muitos anos que o Brasil não cria novas áreas de proteção.
Quando discutimos especificamente a proteção de áreas marinhas, o Ministério de Minas e Energia alega que a proteção será um impeditivo à exploração de petróleo e gás, por exemplo, sendo que existem mecanismos e políticas desenvolvidas em vários locais do mundo que mostram que é possível conciliar a conservação e o desenvolvimento.
O Brasil é responsável por 30% da produção de pescado mundial, e há uma estimativa de que aproximadamente um milhão de pessoas trabalhe com pesca profissional, o que dá uma média de 3,5 milhões de empregos. Uma boa parte desses pescadores profissionais são pescadores de pequena escala, o que significa que esse é o principal modo de subsistência de muitas famílias que vivem ao longo da costa, porque ¼ da população brasileira reside na costa brasileira.
Se o governo definir áreas de exclusão de pesca em unidades de conservação, isso não significa que a pesca será proibida durante todo o tempo. Ao contrário, essas unidades de uso sustentável definem critérios e períodos para que a pesca ocorra, o que a longo prazo garantirá a abundância do estoque pesqueiro e a abundância da subsistência da própria economia.
IHU On-Line – É possível manter a exploração de petróleo e a preservação dos recursos marinhos?
Anna Carolina Lobo – Sim, mas tudo precisa ser estabelecido a partir de critérios: como a exploração será feita, quais são os planos de exploração, em quais lugares serão feitas as explorações. Por meio de um zoneamento e uma análise de trade-off, é possível garantir o desenvolvimento e a preservação dos recursos marinhos. A Holanda, por exemplo, há quase um século garante o desenvolvimento com a conservação.
O WWF internacional lançou um estudo recente, intitulado Reviving the Ocean Economy (Revitalizar a economia dos oceanos), no qual observaram, por uma série de estudos, que o PIB torna a economia dos oceanos a sétima maior economia mundial. Ou seja, o PIB dos oceanos é equivalente a 2,5 trilhões de dólares, o que colocaria os oceanos acima da economia brasileira, que está em 8º lugar. Isso demonstra o quanto os oceanos podem contribuir para a nossa economia.
“O PIB dos oceanos é equivalente a 2,5 trilhões de dólares” |
Anna Carolina Lobo – Porque acontece algo como: o que não é visto, parece que não existe. Ou seja, o que está embaixo d’água não é visto, porque precisa de uma série de conhecimentos específicos para compreender o impacto da falta de preservação dos oceanos. Os oceanos, para as nossas vidas, são tão ou mais importantes que as florestas terrestres: mais de 60% do oxigênio é produzido por algas marinhas, embora as pessoas associem a produção do oxigênio somente às florestas.
A acidificação dos oceanos acontece por conta do despejo de esgoto e agrotóxicos nas águas, e isso já levou à extinção de 50% dos recifes de corais do mundo, que também morreram por conta do aquecimento global. Os recifes de corais são a base para toda a vida marinha, ou seja, são eles que sustentam as vidas marinhas e influenciam diretamente o estoque pesqueiro.
Temos de considerar também que a poluição dos oceanos impacta diretamente no que estamos consumindo: a fauna marinha consome metais pesados e todo o lixo que está embaixo d’água, e posteriormente nós consumimos os peixes contaminados.
O que falta é as pessoas terem ciência do impacto que a vida marinha tem na nossa vida, a partir de uma compreensão de todo o ciclo da cadeia alimentar, para entender que é preciso pressionar os governos e saber mais sobre como o impacto dos oceanos influencia diretamente na nossa vida.
IHU On-Line – Qual é a atual situação ambiental da costa brasileira? Quais são as áreas marinhas em que há mais e menos proteção?
Anna Carolina Lobo – O território marinho costeiro brasileiro é equivalente à metade do território nacional da floresta amazônica, ou seja, é um território muito relevante, com dimensões continentais, e que está sendo negligenciado. Além da questão do uso de pesticidas que contribuem para a acidificação dos oceanos, da falta de áreas protegidas, tem uma questão latente que está sendo discutida entre as ONGs de conservação marinha, os governos e os setores produtivos, que é a questão da pesca.
Desde 2011 o Ministério da Pesca — que agora será uma secretaria dentro do Ministério da Agricultura — parou de fazer monitoramento das atividades pesqueiras, o que significa que não temos a menor ideia de quais espécies estão sendo exploradas, de quais espécies estão sendo extintas, quais estão ameaçadas etc. Então, retomar o monitoramento é fundamental.
Este ano, pela primeira vez na história do Ministério da Pesca, uma boa equipe assumiu esse trabalho de monitoramento e começou a retomar os Comitês de Gestão Pesqueira não só ao longo da costa, mas também em territórios de água doce.
Ou seja, essa atividade acabou de ser retomada e é considerada o primeiro passo para recuperar o monitoramento das atividades pesqueiras, mas agora recebemos essa notícia de que o Ministério vai virar uma secretaria. Então, é importante que o Ministério da Agricultura, com essa nova atribuição, entenda a importância de ter um bom quadro técnico e mantenha as políticas que começaram a ser retomadas depois de tantos anos.
Em relação às áreas protegidas, existem 62 Unidades de Conservação espalhadas pela costa brasileira. Entre elas, destaca-se Fernando de Noronha, que as pessoas conhecem bem porque é um importante destino turístico, e um parque de proteção ambiental marinha; Abrolhos, na Bahia, que conserva as baleias e corais; o litoral paulista também é protegido por áreas de proteção ambiental marinha; e existem ainda reservas extrativistas espalhadas ao longo da costa. Enfim, são muitas as áreas, mas elas ainda representam menos de 2% das áreas protegidas.
“A poluição dos oceanos impacta diretamente no que estamos consumindo” |
Anna Carolina Lobo – Em relação às áreas protegidas, é necessário investir em parcerias com o setor privado, por exemplo, porque nesse momento de crise, alguns setores, como o de meio ambiente, tem menos prioridade nas contas do governo. Então, uma alternativa é a parceria privada entre empresas e ONGs para garantir a melhor gestão das áreas que já existem, porque embora seja um percentual pequeno de áreas protegidas, a equipe que faz a gestão dessas áreas carece de recursos humanos, financeiros, materiais e técnicos para garantir a gestão desses territórios. Para se ter uma ideia, há pouco tempo o Ibama tinha três barcos para fazer a gestão de toda a costa brasileira, e dois estavam quebrados, ou seja, eles faziam esse monitoramento com um único barco.
Além disso, o governo precisa usar estudos que já existem e que apontam as áreas prioritárias para a conservação ao longo da costa. Então, é preciso usar esses estudos para avançar no sentido de criar novas áreas de preservação. No ano passado, o Brasil se comprometeu publicamente no Congresso Mundial de Parques, em Sydney, na Austrália, em aumentar o percentual de áreas protegidas em 5%.
Mas na semana passada, no Congresso brasileiro de Unidades de Conservação, em Curitiba, onde a questão da ampliação das áreas marinhas protegidas surgiu na discussão, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio afirmou que é prioritário ampliar o número de áreas de conservação, mas alegou que está difícil de pôr isso em prática e, por isso, é preciso o apoio da sociedade civil. Então, dá para perceber, por meio desse depoimento, que há uma pressão dos setores econômicos para a não criação de novas áreas protegidas.
A sociedade tem de ter ciência disso e precisa cobrar e mostrar para o governo e os setores econômicos que entende o que está acontecendo, e pressionar para que novas áreas sejam criadas para a garantia da própria economia e da segurança alimentar.
IHU On-Line – A proteção dos recursos marinhos aparece como parte das metas da COP-21?
Anna Carolina Lobo – Essa questão não é mencionada nas metas, embora saibamos que independentemente de citarem ou não, caso haja avanços para evitar o aquecimento global, o impacto disso na conservação de corais e da vida marinha será imediato. Há poucos meses morreram mais de 10 mil peixes no aquário de Campo Grande, que está sendo construído pelo governo e que depois será, por meio de concessão, administrado por alguma empresa privada.
Quando foram verificar porque os peixes morreram, descobriram que eles estavam na quarentena, que a obra atrasou e teve um aquecimento de 2 graus nas águas do aquário, o que gerou a morte de mais de 10 mil peixes. Essa situação demonstra exatamente qual é o impacto do aumento do aquecimento global para a conservação marinha.
Embora o governo não enfatize a conservação marinha, uma vez que o Brasil é signatário dos acordos climáticos e tem um compromisso em evitar a emissão de gás carbônico, essas ações também são importantes para evitar o colapso que estamos vislumbrando que irá acontecer com os oceanos. A estimativa é de que até 2030, 90% dos recifes de corais do mundo colapsem, ou seja, daqui a 15 anos, e ninguém sabe qual será o impacto disso para as nossas vidas. Há uma relação direta entre mudanças climáticas e oceanos, e esse é um tema que mereceria um debate especial.
“Há pouco tempo o Ibama tinha três barcos para fazer a gestão de toda a costa brasileira, e dois estavam quebrados” |
Anna Carolina Lobo – Existem vários estudos consistentes a respeito do impacto dos oceanos e no ano passado foi lançada uma publicação da Portaria 445 do Ministério do Meio Ambiente, que trata das espécies ameaçadas de extinção no ambiente aquático marinho. Essa portaria foi derrubada por meio de uma ação do setor pesqueiro, mas o fato é que a pesquisa é resultado de mais de cinco anos de investigação, que envolveu mais de cem cientistas, que identificaram que temos mais de 400 espécies ameaçadas de extinção e várias em vulnerabilidade. A principal questão é como esses estudos consistentes chegam de uma forma traduzida para a sociedade, porque é preciso fazer com que o conteúdo desses estudos chegue à sociedade para que se entenda o que acontece e o que pode ser feito, inclusive, no âmbito das nossas ações para mudar essa situação. Por exemplo, antes de comprar um pescado, o consumidor pode saber a procedência, onde foi pescado, ou seja, enquanto consumidores podemos contribuir para mudar esse cenário.
IHU On-Line – Estudos ou políticas de preservação dos oceanos de algum lugar do mundo podem servir de referência para o Brasil? Quais?
Anna Carolina Lobo – Sim, muitos. A rede WWF internacional divulgou, além do estudo que mencionei anteriormente, outro sobre a pegada ecológica global dos oceanos. Esse estudo é resultado do trabalho de pesquisa de muitos cientistas e universidades de vários países, e demonstra que 50% da vida marinha já está extinta.
IHU On-Line – O que são iniciativas como a Aliança de Alto Mar, uma coalizão de 27 organizações não governamentais, para preservar os oceanos?
Anna Carolina Lobo – Trata-se de uma proposta fundamental, porque mais de 50% dos oceanos do mundo está em área que são águas internacionais, ou seja, áreas que não são protegidas por nenhum país, porque nenhum deles é responsável por elas. Então, estamos falando de uma área relevante. Essa coalizão visa fazer uma análise de como está a sobrepesca nesses territórios, porque eles acabam virando “terra de ninguém”.
“A estimativa é de que até 2030, 90% dos recifes de corais do mundo colapsem” |
Anna Carolina Lobo – A ideia da Aliança de Alto Mar é pressionar os governos para que eles sejam signatários de acordos internacionais na conservação dessas águas internacionais, e existem protocolos que são priorizados, e que são trazidos da ONU para os governos. No caso do Brasil, essa iniciativa tenta fazer com que o Itamaraty e alguns ministérios possam entender a importância dessa discussão.
O Brasil, por exemplo, no âmbito internacional, pode influenciar as ações dos países do BRICs, porque a China é o principal poluidor dos mares do mundo. Nesse sentido, enquanto a Aliança de Alto Mar pressiona o Brasil para ser signatário do acordo, o Brasil também pode servir de exemplo para outros países, e ser mais atuante e influente. Tudo isso tem um impacto positivo na conservação dos oceanos.
Por Patricia Fachin
(EcoDebate, 09/10/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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