sábado, 10 de outubro de 2015

Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares

Mistura explosiva

CHICO WHITAKER
 
 
Em vez de esconder uma ameaça, deveríamos parar imediatamente as obras de Angra 3, rever seu projeto e desmontar a usina Angra 2
A prisão do presidente licenciado da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, lançou novas luzes sobre a corrupção. Nas usinas nucleares, ela é um delito maior que o desvio de recursos públicos.


Em Angra 3, por exemplo, a caixa-preta da obra nos diz que, para desviá-los, esqueceu-se a exigência fundamental da segurança.



Essa tecnologia para obter eletricidade se apoia em três mitos, sempre repetidos: é a mais limpa, a mais barata e a mais segura.


Os dois primeiros são facilmente desmontáveis. É limpa uma tecnologia que cria enormes quantidades de lixo radioativo, a ser “escondido” por milhares de anos? É barata se forem somados os custos dos depósitos de lixo, do desmantelamento das usinas ao final da sua validade, das sempre novas exigências de segurança? Custa pouco a assistência às vítimas de acidentes?


O terceiro mito é perigoso. Não existe obra humana 100% segura. Falhas de projeto, de material, dos operadores e interferências externas podem provocar acidentes de gravidade variável.


Há os chamados acidentes severos, com derretimento do reator e explosão da usina, que dispersam no meio ambiente toneladas de partículas radioativas (como o césio-137, 19 gramas do qual apavoraram Goiânia no ano de 1987).


Quem defende o nuclear diz que a probabilidade de acidentes é mínima, pois são muitos os cuidados tomados. Mas podemos afirmar que, se ocorrerem, serão catastróficos –haja vista Chernobil, na União Soviética, em 1986, e Fukushima, no Japão, em 2011. A caixa-preta de Angra 3 revelou que lá tais cuidados não foram tomados, mas sim empurrados para o lado.
O projeto de sua construção (o mesmo da usina Angra 2) é dos anos 1970.


Não foi atualizado com as normas de segurança da Agência Internacional de Energia Atômica após os acidentes de Three Mile Island, nos EUA, em 1979, e de Chernobil, sete anos depois.


Engenheiros da Comissão Nacional de Energia Nuclear deram o alerta, mas foram calados. Seu parecer técnico foi desconsiderado. O Ministério Público Federal soube disso e fez exigências. Essas dúvidas imporiam uma revisão do projeto, atrasando e talvez até inviabilizando a obra. A resposta foi quase cínica: atenderiam às exigências, mas depois de terminada a obra.


Em maio de 2010, Angra 3 foi licenciada e conseguiu-se arquivar uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal que pedia a sua nulidade. Propinas tinham sido pagas desde 2009, antes mesmo da licença. Qual punição merecem os autores de tão tenebroso conluio?


Os jornais criariam pânico se dessem a esse escândalo mais espaço do que a simples notícia de corrupção? Pode ser. Mas os turistas e moradores da região, do vale do Paraíba, do sul de Minas, do Rio e de São Paulo ignoram o perigo de uma explosão das usinas, com ventos levando partículas radioativas a suas casas. Em Chernobil, uma nuvem como essa cobriu a Europa.


Não seria melhor se os potenciais atingidos tomassem consciência disso e agissem para evitá-lo? Em vez de esconder a ameaça, deveríamos parar Angra 3, rever seu projeto e desmontar Angra 2. A usina de Grafenrheinfeld, na Alemanha, referência de ambas, está sendo desmontada, como todas daquele país.

A segurança nuclear é uma exigência ética. Ninguém tem o direito de ignorar os riscos da manipulação do átomo.

CHICO WHITAKER, 84, é membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares.

Artigo publicado originalmente na seção Tendências e Debates da Folha de S. Paulo em 22/09/2015.

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