Mais um texto polêmico e longo, mas
necessário. Peço que o leitor realmente deixe as habituais pedras de
lado, e tente acompanhar meu raciocínio da forma mais civilizada e
aberta possível. O que escrevo é uma reação ao que tenho visto por aí,
cada vez mais, e que considero um dos maiores riscos modernos: o
relativismo exacerbado dos “tolerantes”, que se mostra um tanto seletivo
e intolerante na prática.
Antes de partir para os argumentos, um caveat:
compreendo a revolta de muitos homossexuais diante do preconceito ou da
homofobia, que em alguns casos acaba em agressão ou mesmo morte. Meu
ponto é que o movimento gay passou do ponto, que o pêndulo
exagerou para o outro lado, e que isso representa, inclusive, uma ameaça
às liberdades individuais.
Tomo como base, aqui, o comentário de um leitor no tópico
sobre Bolsonaro na Comissão de Direitos Humanos. Primeiro, ele rebate
meu uso mais restrito do termo homofobia, ligado ao medo (e não à
aversão), e depois conclui algo que julgo bizarro, mas sintomático dos
tempos modernos. Diz ele:
Fobia: medo ou aversão…
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E sim ter
uma aversão a homossexualidade te faz homofobico, preferir que seu filho
não seja também, visto que tu categoriza como algo ruim. Enquanto deveria ser neutro…
Se para ser considerado homobóbico basta
sentir aversão a dois homens se beijando, então muita gente é homofóbica
sem saber. Creio que esta flexibilização do conceito é até prejudicial
aos gays, pois banaliza a verdadeira homofobia.
Uma coisa é o sujeito não suportar gays, não tolerar sua
existência assumida e pública; outra, que considero bem diferente, é
ele simplesmente não gostar da ideia, não desejar estar perto, ou mesmo
considerar algo imoral.
Já expliquei melhor aqui
o novo conceito de “tolerância” vigente no mundo, com base em ótimo
livro de D.A. Carson, teólogo canadense. Esta “tolerância” moderna, que
exige a aceitação plena ou a completa indiferença diante de tudo, acaba sendo um tanto intolerante.
Vejam só: a pessoa se julga a mais
tolerante do mundo, pois aceita tudo e todos como eles são; mas não
aceita aquele que considera o homossexualismo algo imoral ou indecente.
Não está clara a contradição? Ele não está sendo intolerante com o
outro?
A frase final do leitor, destacada em
negrito, é o resumo da doença da atualidade: o “neutralismo” exacerbado.
Todos devem ser neutros em relação a qualquer valor estético, ético ou
moral, caso contrário são intolerantes, preconceituosos, reacionários,
carolas, conservadores.
Quantos não andam por aí afirmando que
não sou mais um liberal por emitir meus julgamentos morais ou estéticos?
É uma confusão enorme de conceitos, e uma muito perigosa. O liberal não
tem de ser neutro coisa alguma.
Ele é liberal pois tolera as
diferenças, dentro de um limite da própria sobrevivência da liberdade e
da tolerância (não se tolera nazistas organizados, e não se deveria
tolerar comunistas pelo mesmo motivo: desejam destruir a própria
liberdade).
Mas é evidente que a pessoa tem total
direito aos seus valores morais, e nem por isso deixa de ser liberal.
Voltando à questão do homossexual, claro que um pai tem pleno direito
de não ser neutro e de preferir um filho heterossexual.
Isso não faz dele um reacionário, muito
menos um homofóbico. Da mesma forma que ele pode ter preferência por ter
um filho flamenguista em vez de vascaíno, ou pode desejar um filho
médico em vez de bailarino. Quem é o antiliberal? Não é aquele que
pretende se meter até nas preferências alheias?
Um pai pode perfeitamente amar seu filho gay, respeitá-lo como indivíduo e até ter orgulho dele (não por ser gay, o que faria pouco sentido lógico, e sim por ser uma pessoa decente e de caráter). Mas ele pode continuar preferindo que o filho fosse heterossexual. Não há homofobia alguma aqui.
Creio estar escrevendo o óbvio. Mas
confesso ficar estarrecido com a velocidade a qual esta obviedade se
dissipou. Hoje, não são poucos os que confundem liberalismo com
relativismo moral e tolerância com aceitação plena – ou pior, aprovação irrestrita – de quaisquer diferenças. Isso não é liberalismo coisa alguma.
O comentário do leitor poderia ser um
exagero, um caso isolado. Infelizmente, acredito que é uma tendência
crescente. Cansei de receber críticas de jovens que se dizem liberais ou
libertários afirmando que é um absurdo eu me considerar um liberal se
digo, abertamente, que considero moralmente superior a profissão de
médica a de prostituta.
Eis o ponto em que chegamos: para ser um
“liberal” moderno, o pai ou o filho devem ser indiferentes, neutros,
entre ter uma filha ou uma mãe médica ou prostituta. Pergunto: aonde
isso vai parar? Pode o mundo preservar valores decentes com uma
mentalidade dessas?
Parte da explicação do fenômeno pode ser
psicológica, relacionada ao narcisismo típico dos tempos atuais. Em nome
da “autoestima” de todos, da crença de que todos são “especiais”, os
pais não podem mais ter o direito de desejar coisas diferentes para seus
filhos, pois isso pode ameaçar seus egos (e cada vez mais o mundo é
egocêntrico).
Ninguém quer a separação umbilical entre
pais e filhos, pois separar é perder, e é sempre doloroso. É preciso ser
uno, indivisível. Portanto, os pais não podem mais ter certas
expectativas em relação a seus filhos, desejos próprios, pois isso pode
magoá-los na frente, se não atenderem a tais demandas. Eis o imperativo
categórico de hoje: todos somos completamente neutros em relação a
nossos filhos!
Somente isso seria, na lógica vigente,
respeitar as liberdades individuais. O que é, naturalmente, uma
distorção e tanto, digna de uma tirania de crianças mimadas, que recusam
inclusive as liberdades dos próprios pais. Não é interessante? Não por
acaso esse tipo de “libertarianismo” (ou licenciosidade) costuma atrair
justamente os mais jovens.
Retorno ao caso do filho gay para fechar.
Quem duvida que um homossexual pode ser uma ótima pessoa, cheia de
valores e com bom caráter? Conheço alguns que se mostram infinitamente
melhores do que muito machão por aí, e têm meu respeito ou minha
admiração.
Mas que bem faremos a eles se negarmos o
direito de outros não apreciarem homem com homem, se chamarmos qualquer
coisa de homofobia, se colocarmos os interesses do movimento gay acima
das liberdades individuais, que incluem o direito de não gostar de gays?
Quem estaria sendo o intolerante nessa história?
Rodrigo Constantino
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