29/01/2014
As elites brasileiras, incluindo boa parte da imprensa, perderam o juízo e estão brincando, literalmente, com fogo
Ônibus
deixaram de circular nas Zonas Sul e Oeste de São Paulo porque, desde o
começo do ano, 29 coletivos municipais e 28 intermunicipais já foram
incendiados na região metropolitana de São Paulo.
As empresas e os
motoristas não querem entrar nas áreas consideradas de risco. No
domingo, em Santos, depois de sair de uma balada, cerca de 200 jovens
resolveram fazer um arrastão num supermercado Extra. Clientes também
foram espancados. Um deles levou um extintor na cabeça. Caído, foi alvo
de chutes.
Os
barateadores da sociologia — aos quais, em regra, a nossa imprensa é tão
servil — podem começar a especular sobre, sei lá, o mal-estar do
capitalismo nativo… De repente, aquele país que havia migrado em massa
para a classe média teria resolvido se revoltar.
Segundo
certa delinquência chique em vigor, agora, o tal povo da periferia
estaria querendo “direitos”, cansado da segregação. E não veria melhor
maneira de conseguir o que o faz feliz do que incendiando ônibus,
saqueando supermercados, tentando explodir postos de gasolina.
Eventualmente, fazendo rolezinhos, ao som do funk ostentação. Esses
pensadores ainda não sabem se o pobre quer ser rico ou comer os ricos.
Quando
leio os textos dos colunistas com o dedo sempre em riste — como se a
culpa, então, pela desigualdade fosse de seus adversários políticos ou
de seus inimigos ideológicos —, penso na satisfação vagabunda dos
covardes intelectuais.
Acham que,
caso se solidarizem com criminosos — que eles tomam como rebeldes
primitivos, que ainda não se descobriram —, já terão, então, feito a sua
parte. No boteco, já poderão se sentar à mesa de outros justos,
partidários também estes da saliva justiceira.
O que está em curso é algo bem mais prosaico, bem mais comum.
Está em
curso no país uma onda de depredação de qualquer noção de ordem e de
limites. Ora, se há sempre uma origem social para qualquer crime e se o
gesto, mesmo o mais extremo, se explica como expressão de um anseio
democrático — o que implica a demonização da polícia e de qualquer
esforço para restabelecer a lei —, então tudo é permitido.
Se a
polícia atua para conter um rolezinho que fugiu do controle, ela apanha;
se prende traficantes, ela apanha; se reprime os black blocs que saem
por aí depredando e incendiando, ela apanha; se um policial atira em
legítima defesa, apanha também. O certo, talvez, fosse se deixar matar
para não ofender a boa consciência dos justiceiros salivantes.
Desde
junho, um mau espírito povoa a cabeça de pessoas antes sensatas, que têm
a grave responsabilidade de produzir, num caso, informação — refiro-me à
imprensa — e, no outro, educação e cidadania: refiro-me aos políticos.
Estes
últimos têm-se negado, com raras exceções, a condenar com clareza a
violência gratuita. Procuram, na verdade, fugir do assunto. A imprensa,
também com exceções, patrulhada pelas redes sociais, esforça-se para
concorrer com a popularidade do Facebook, preferindo a algaravia de
vozes desconexas — sempre, claro!, em nome da justiça social.
É consenso
que o país avançou bastante nos últimos 20 anos. Se mais não fez, não
foi por excesso de apreço e de amor pela ordem. Ao contrário: é
justamente onde nos esquecemos dos formalismos, do rigor e do decoro que
as coisas se danam. E isso vale muito especialmente para os governos.
Que se note: o povo, no geral, é muito mais ordeiro do que o Estado no
Brasil. Ou seria impossível botar o nariz fora da porta.
Os
demagogos, no entanto, estão vencendo a batalha de valores e estão
começando a acordar a fera. E é bom saber: a “fera” pode despertar em
Londres, por exemplo, como já se viu. Não precisa ser necessariamente na
periferia de São Paulo ou nos morros do Rio.
Podem
anotar: se o país escolher deixar impunes os trogloditas que saem
quebrando e incendiando tudo por aí; se a polícia for tratada como ré
quando prende traficantes ou atira para se defender de um ataque; se
todo fundamento ancorado na ordem for tratado como uma tramoia contra o
povo, o resultado não será bom. À diferença do que poderiam pensar o
PSOL ou o PSTU — e aqueles que gostam de fazer justiça com o próprio
teclado —, o que vem não é a revolução.
Será que
não devemos ser gratos pelo fato de o único líder carismático que há no
Brasil, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, ser, assim, um burguesão do
capital alheio, que, no frigir nos ovos, não quer arrumar confusão com
os seus amigos banqueiros, seu amigos empreiteiros e seus amigos
industriais? Na marcha da insensatez em que vamos, um amalucado, de
extrema esquerda ou de extrema direita, encontraria um território fértil
para a sua pregação.
As elites
brasileiras nunca foram exatamente iluminadas. Mas, desta vez, parece
que perderam o juízo de vez. Para arrematar: como o PT, no fim das
contas, está sempre ligado aos tais “movimentos sociais”, o PT vira uma
espécie de incentivador da desordem, e Lula, o único garantidor da ordem
para aqueles seus amigos. E o círculo se fecha.
Por Reinaldo Azevedo
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