quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

'BEICINHO' E POLÍTICA INDUSTRIAL


A preocupação do governo com a fragilidade do seu desempenho econômico foi explicitada pelas reações do ex-ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e do ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, à entrevista do presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos, concedida ao Estado (9/2). 
O presidente do Iedi, sócio da Natura, enfatizou o esgotamento do atual modelo econômico e defendeu a sua reformulação com ênfase na integração da economia brasileira à economia internacional, por meio de acordos com a União Europeia (UE) e os EUA, com equacionamento dos obstáculos argentinos.
 
A reação de Fernando Pimentel foi desqualificar a entrevista, com o argumento de que seria "política": 

"A Natura hoje tem uma posição partidária, de apoio a uma candidatura de oposição ao governo Dilma Rousseff". Passos seria "militante de um projeto eleitoral de oposição" e não seria o caso de responder às suas críticas "porque elas não foram feitas no âmbito do debate". 

E, no entanto, as críticas de Passos são mais do que razoáveis, alinhadas com o sentimento generalizado de que a política industrial do governo, que teve Pimentel como principal responsável, tem sido um retumbante fracasso.

Em sua entrevista de despedida como ministro, Pimentel, mais uma vez, mostrou falta de intimidade com os assuntos de sua pasta, ao referir-se enfaticamente às altas margens de lucros das montadoras como se fosse algo surpreendente. 


É bem sabido que foi na sua gestão que foi implementado o programa Inovar Auto, hoje questionado pela UE, que beneficia as montadoras com vantagens tributárias associadas ao IPI que, somadas à atual tarifa de 35%, levam a proteção nominal a pornográficos 70%. Talvez proteção alta tenha alguma relação com margens de lucro despropositadas?

É curioso que, à época em que o Iedi defendia ardorosamente a proteção alta e a desvalorização cambial, sem preocupações quanto às consequências macroeconômicas, em sintonia com a emergente "nova matriz macroeconômica", nunca se tenha ouvido qualquer comentário no governo sobre o alinhamento político de seus dirigentes.

 
Há grande heterogeneidade nas posturas empresariais em relação ao governo. A posição de alguns setores, como o automotivo, de apoio à política industrial, simplesmente revela o tratamento diferenciado de que se beneficiam. 


Segundo a Anfavea, "o governo (...) minimizou possíveis consequências (da crise) ao (sic) setor automotivo e à (sic) economia como um todo". Não é por acaso que, no recente confronto entre a Anfavea e a emergente Abeifa, concorrente na representação empresarial do setor automotivo, tenha escapado o argumento de que a Anfavea teria "acesso livre aos gabinetes em Brasília".

Paulo Bernardo, na sua crítica a Passos, optou por alegações também rasteiras. Como Pimentel, fugiu da substância como o diabo da cruz. Sugeriu que Passos estaria "fazendo beicinho" e que as dificuldades entre governo e empresariado poderiam ser resolvidas com "discussões da relação".  


Para o ministro, analistas que tenham independência em relação ao governo são descartados pois "ninguém entende o que eles falam". E pontifica: "O cidadão não entende conceitos macroeconômicos, mas sabe se a economia está indo bem ou mal". O recorrente truque presidencial de apelar para discurso enfático quando falta substância ao argumento está sendo copiado por sua equipe.

Quem fez de fato "beicinho" nos últimos tempos foi a chefe de Paulo Bernardo, ao ameaçar não participar da programada cúpula Brasil-União Europeia. Em reação pueril, estaria irritada com a queixa europeia em Genebra quanto ao IPI discriminatório e à Zona Franca de Manaus. Se tivesse tomado melhores decisões quanto à política industrial, teria evitado tais achaques e turbulências. "Beicinho", agora, não vai resolver.

 

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