As justificativas para o lançamento do Mais Médicos eram, e são, irrefutáveis. Num país com desníveis sociais e má estrutura de serviços públicos básicos, o atendimento de saúde nas periferias, cidades menores e nas faixas inferiores de renda em geral é de baixa qualidade — quando o serviço é prestado.
No outro lado desta realidade, há, entre outras causas, uma indiscutível escassez de médicos: enquanto no Brasil a relação de profissionais por grupos de mil habitantes é de 1,8, nos EUA o índice chega a 2,4.
Tomou-se, então, a lógica decisão de se incentivar a adesão de médicos à rede de atendimento básico, brasileiros e estrangeiros.
Mas, como faltam profissionais, o governo se voltou para Cuba, de que é ideologicamente próximo, e usa seu contingente de profissionais como instrumento de política externa e de captação de divisas/trocas comerciais. Com a Venezuela, médicos cubanos são a contrapartida ao recebimento de petróleo em condições favorecidas.
Mas, no caso do Brasil, o acordo firmado com Havana, por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) é desastroso. Esperavam-se deserções entre os 5.300 profissionais cubanos. Afinal, poder sair legalmente da ilha costuma ser um incentivo à busca definitiva da liberdade.
E, quando houve a primeira, de Ramona Matos Rodríguez, ficou evidente que as condições leoninas do contrato assinado entre Brasil e Cuba são insustentáveis, do ponto de vista legal e até ético.
Ramona relatou que a decisão de abandonar a cidade de Pacajá, no Pará, foi tomada ao descobrir que, enquanto outros profissionais estrangeiros recebem até R$ 10 mil mensais, os cubanos ganham apenas R$ 960 (US$ 400) e têm cerca de R$ 1.400 (US$ 600) depositados em Cuba — tudo indica, um mecanismo antifuga. Todo o restante vai para o governo, por meio de uma tal Sociedade Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos.
O último balanço de deserções era de 27 médicos. Não demorou para o governo propor a Cuba o aumento da remuneração dos profissionais. Mas o problema é mais amplo.
O Brasil, na verdade, aceitou de Cuba condições para importar os médicos comparáveis ao escravagismo, algo bem assinalado pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins, em artigo na “Folha de S.Paulo”. Com motivos de sobra, o Ministério Público do Trabalho e o Tribunal de Contas da União investigam o caso.
Até mesmo o vínculo empregatício é obscuro, pois a remuneração tem o disfarce de uma “bolsa-formação”, como se os médicos estivessem num curso de especialização. A Receita Federal deveria também investigar.
Quem no governo negociou este contrato não atentou que era uma temeridade aceitar normas de uma ditadura para serem aplicadas numa democracia e suas instituições republicanas.
Nem qualquer governo brasileiro pode funcionar como agente do autoritarismo dos Castro, para executar um contrato de trabalho que agride até mesmo direitos humanos.
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