quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Proposta que cassa automaticamente mandato é boa, mas expõe o absurdo vigente no Brasil


Reinaldo Azevedo


às 20:15



É boa e prudente a proposta do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que torna automática a perda de mandato de parlamentares condenados em processo criminal, já com o trânsito em julgado, sem mais chance de recurso. Nesse caso, então, o plenário da Câmara e o do Senado não precisam nem votar. É boa, sim, e Vasconcelos é um político sério. Se o Brasil, no entanto, não primasse por certas maluquices, ela seria desnecessária. Vou explicar por quê.

Peço que o leitor acompanhe o seguinte raciocínio. O Brasil tem uma Constituição. O Arrigo 15 da Carta diz que a cassação ou perda de direitos políticos de uma pessoa só se dará em caso de “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”. É uma regra que vale para todo mundo. Para mim, para vocês e para os políticos.

Como vocês leem, é a Constituição que diz que uma condenação criminal, transitada em julgado, acarreta a cassação de “direitos políticos”. Ora, ser votado é um dos direitos políticos. A rigor, bastaria aplicar esse artigo para que um parlamentar estivesse automaticamente cassado. Afinal, como ele pode ser deputado ou senador se não tem mais direitos políticos pelo tempo em que durar a condenação?

Os constituintes, no entanto, resolveram criar regras específicas para parlamentares. Então vamos avançar. No Inciso IV do Arrigo 55 da Constituição, está escrito que “perderá o mandato o deputado ou senador” que “perder ou tiver suspensos os direitos políticos”. 

Ora, leitor amigo, acho que fica claro, não? Se o artigo 14 diz que a condenação implica a perda dos direitos e se o 55 diz que perde o mandato quem fica sem esses direitos, estaria tudo resolvido, certo? Não na confusão brasileira.

Agora a coisa de complica um pouco. Esse artigo 55 estabelece seis possibilidades de perda de mandato. Para três delas, diz que essa perda e automática e que a Mesa da Câmara só toma uma decisão de ofício, burocrática. Quais são os três casos? Estes:

1: quando o parlamentar deixar de comparecer, sem motivo justificado, a um terço das sessões da Câmara ou do Senado; 2: quando a Justiça Eleitoral decretar que perdeu o mandato; 3: e quando perder ou tiver suspensos os direitos políticos.

Pronto! Mais uma vez, estaria tudo definido, certo? Se a condenação criminal, conforme o Artigo 14, implica a perda dos direitos políticos e se o Artigo 55 diz que, sem direitos políticos, um parlamentar está automaticamente cassado, então cassado está, sem precisar de votação nenhuma. Caaalma, leitor!
O problema é que esse Artigo 55 traz três outas hipóteses afirmando que a decisão cabe a plenário da Câmara e ao do Senado. 

Quais são elas?

1- quando o parlamentar infringir qualquer das proibições estabelecidas no Artigo 54 da Constituição; 2: quando quebrar o decoro; 3: quando sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

A confusão está nesse último item. Afinal, os parlamentares foram, sim, condenados criminalmente. Mas seu destino deveria ser decidido pelo plenário? Ora, é óbvio que não, já que eles perderam os direitos políticos.

E isso não é tudo. O Artigo 92 do Código Penal estabelece que o condenado perderá cargo, função pública ou mandato quando:

1: aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; 2: quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Assim, meus caros, seja pela Constituição, seja pelo Código Penal, os mensaleiros que eram parlamentares já estavam automaticamente cassados. Foi essa, aliás, a decisão do STF. Ocorre que o mesmo tribunal mudou de composição e voltou a examinar a questão quando julgou o senador Ivo Cassol. 

E aí tomou uma decisão diferente: afirmou que cabe a cada Casa decidir se o parlamentar condenado será ou não cassado.

Por culpa, então, do STF — na verdade, dos ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Rosa Weber, Teori Zavscki e Roberto Barroso —, hoje em dia, é possível existir parlamentar presidiário, o que, entendo eu, afronta a Constituição. 

A proposta do senador Jarbas Vasconcelos vem para pôr um ponto final nesse absurdo e nessa bagunça.

Por Reinaldo Azevedo

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