“A fragilidade da civilização é uma das grandes lições do século 20”. Assim começa Our Culture, What’s Left of It,
de Theodore Dalrymple.
O médico britânico, que trabalhou por 14 anos em
prisões inglesas e em países miseráveis, tem sido uma incansável voz
contra a degradação cultural de seu país, que já foi o farol da
civilização ocidental (i.e., mundial).
Seria de esperar, após a carnificina do
comunismo e do nazismo, que os intelectuais teriam uma disposição maior
para preservar suas culturas, em vez de estimular cada vez mais modelos
abstratos, utópicos, “progressistas” de engenharia social.
A civilização
precisa, além de mudança, de conservação também, algo que poucos
intelectuais parecem dispostos a defender.
A crítica imoderada, por escritores
criativos e pensadores “progressistas”, de um ponto de vista utópico, é
capaz de causar imenso mal, o que costuma ser sempre ignorado.
Dalrymple, ao contrário, está acostumado com a pesquisa de campo, com o
contato com seres humanos reais, de carne e osso, vítimas dessas ideias
paridas no conforto de escritórios por gente muito distante dos efeitos
concretos daquilo que defende.
Uma das observações feitas ao longo
desses anos por Dalrymple é que o mal, para florescer, precisa apenas de
ter suas barreiras derrubadas. Sua vida matou nele a tentação de crer
em uma bondade fundamental do homem, ou que a maldade é algo excepcional
ou estranho à sua natureza.
Basta ver o que o povo alemão, teoricamente
civilizado, foi capaz de fazer, com a cumplicidade de muitos.
Retirar a responsabilidade individual dos
atos dos indivíduos, eis uma das barreiras mais importantes que acabou
enfraquecida ou derrubada no mundo moderno.
As teorias que transformam
todo criminoso em vítima de forças maiores, da “sociedade”, ou o
relativismo moral que proíbe julgamentos objetivos, isso contribuiu
sobremaneira com o avanço do mal nas sociedades ditas civilizadas, como a
própria Inglaterra.
Um médico ou um intelectual, atentos a essa
realidade, deveriam responsabilizar os indivíduos, em vez de pretender
possuir alguma cura objetiva de fora, além de sua (do indivíduo) própria
moral.
Isso, para Dalrymple, é a frivolidade do
mal, mais até do que a banalidade, como disse Hannah Arendt: colocar o
próprio prazer pessoal acima da miséria de longo prazo causada naqueles
com quem você tem um dever.
O médico ou o intelectual que sentem
regozijo por posar como “salvadores da pátria”, como os engenheiros
sociais, os burocratas ungidos capazes de consertar os males sociais de
cima para baixo, esses são cúmplices da escalada do mal.
O próprio estado de bem-estar social, ao
retirar a responsabilidade dos indivíduos e colocar o estado no papel de
pai dos outros, acaba contribuindo para esse caos social, com pais que
abandonam seus filhos e suas mulheres, com gente que não assume as
rédeas da própria vida pois sabe que há “alguém” para fazê-lo em seu
lugar.
O paternalismo cria uma legião de “crianças” mimadas, petulantes,
que demandam mais e mais e nunca aceitam se implicar em seus problemas.
Não basta esses indivíduos terem incentivos econômicos para agir assim; é preciso ter o estímulo moral. Isso vem da visão moderna que enaltece o egoísmo, que oferece uma desculpa moral para a irresponsabilidade individual.
Dalrymple atendeu milhares de pacientes
com vidas destroçadas, problemas com drogas, maridos ou namoradas que
batem nas suas mulheres, filhos com vários parceiros diferentes, e em
quase todos os casos ele era claramente capaz de identificar o
reconhecimento da própria escolha nessas tragédias, apesar do gozo no
discurso de vítima.
Consolar essas pessoas jogando para ombros alheios o
fardo de seus erros pode ser prazeroso, mas é desumano.
“Ninguém é melhor do que ninguém”, “quem
somos nós para julgar o outro?”, “ele é apenas humano”, “não existe
certo ou errado”, “não devemos ser preconceituosos” e por aí vai, tudo
criando o clima perfeito para o indivíduo fugir de sua culpa em sua
própria miséria, para ignorar sua responsabilidade em suas escolhas equivocadas.
A amoralidade se tornou a forma superior de “moralidade”. Não tem como
dar certo. A civilização é uma escolha. Infelizmente, muitos
intelectuais escolhem a barbárie.
Rodrigo Constantino
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