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O território é o mesmo. Porém, enquanto Brasília ostenta os melhores índices de renda, longevidade e educação entre as unidades da Federação as regiões que cercam a capital do país sofrem com a degradação urbana e as elevadas taxas de pobreza e violência. E é nesse cenário onde moram aproximadamente 65% dos universitários do DF. Para eles, o diploma significa mais do que um documento atestando a conclusão de um curso superior. Trata-se, enfim, da possibilidade de reescreverem suas histórias, longe do medo e da insegurança.
Segundo especialistas, 80% dos alunos universitários de baixa renda frequentam faculdades particulares. Além da questão social, que interfere também na qualidade das escolas e coloca esses estudantes em uma briga injusta por vagas nas universidades federais, isso acontece porque as instituições privadas aumentaram as oportunidades de financiamento e bolsas ao longo dos anos.
E foi assim, por meio de um programa governamental, que Nayara França Sampaio, 21 anos, entrou no curso de pedagogia, em junho do ano passado. “Fiquei muito feliz. Foi o primeiro passo para a realização de um sonho, que é mudar de vida, morar em outro lugar”, conta. A universitária mora na Estrutural, que chegou a concentrar índices de criminalidade até duas vezes maiores que as registradas na Região Metropolitana do DF, ao lado de Varjão: algo em torno de 26 homicídios por 100 mil habitantes.
Coragem
E é nessa realidade, bem próxima do Lixão da Estrutural, que Nayara vive junto à filha de quatro anos, na comunidade Santa Luzia. “Não deixo minha filha com ninguém. Consegui trabalho numa creche para poder estar perto dela e nós vamos juntas para a faculdade”, conta a estudante. Corajosas, mãe e filha pegam o ônibus rumo à L2 Sul por volta das 18h, quando começa a escurecer. “Dá medo, porque tem muito bandido aqui. Pensei muitas vezes em desistir de estudar por conta disso. Fico pensando se realmente vale a pena o risco”, desabafa a jovem.
Mudar de vida
A volta é ainda pior. As duas chegam à Estrutural depois das 23h. A distância entre o ponto de ônibus e a casa leva aproximadamente 15 minutos. O caminho é perigoso, desprovido de iluminação, asfalto e policiamento. E o que faz Nayara pensar em desistir dos estudos, também a impulsiona a seguir adiante. “Não quero que minha filha cresça aqui. E é por isso que não posso largar a faculdade. Se eu não lutar, vou sempre viver em um mundinho cheio de dificuldades”, diz a jovem que, por medo de ser reconhecida, preferiu não ser fotografada. “Vai que algum mala acha ruim o que estou falando”, justifica.
Violência assusta os estudantes
A 38 quilômetros de Brasília, em uma região não menos violenta que a Estrutural, o universitário Bruno Reis, 20 anos, também se aventura em busca do sonho de ser enfermeiro. Morador de Planaltina, ele conta já ter enfrentado várias situações de risco entre a parada de ônibus e sua casa.
“Já fui perseguido por usuários de drogas. Tive que correr muito para não ser roubado ou até coisa pior”. Por conta disso, o jovem, que estuda em uma faculdade na Asa Sul, confessa pensar diariamente em desistir de conquistar diploma.
“Fico me questionando se vale à pena passar por todo esse risco. É sacrificante mesmo. Tenho medo de morrer em busca do meu sonho. Já sofri várias tentativas de assalto e tenho medo de um dia conseguirem”, destaca Bruno. Para ele, a violência é um dos principais fatores da evasão escolar na região. “Tanto de quem tem medo quanto de quem vira bandido. Acho que acontecem muito essas duas situações. Ambas acabam tirando o estudante de sala de aula”, explica.
Soluções
Vale lembrar que, no início do ano, Planaltina liderou o ranking das cidades mais violentas do Distrito Federal. Foram quatro homicídios, sete tentativas de assassinato, um latrocínio e uma tentativa de roubo com morte. Os dados são da Secretaria de Segurança, que em sua série histórica sobre violência revela a região como a terceira mais violenta da capital do país.
Na avaliação do pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Flávio Testa, a solução para o problema da violência nessas regiões é um processo que deve ser construído a partir de um relacionamento mais intenso com a comunidade.
Estratégia
“O raciocínio sobre segurança pública nesses locais necessita ter uma conotação estratégica, mas com implicações operacionais bem objetivas, incluindo a necessidade desses estudantes, que chegam em casa altas horas da noite. E isso não vem acontecendo ao longo desses anos”, aponta o docente.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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