domingo, 30 de março de 2014
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Jorge Pontes
A sociedade brasileira vem assistindo nos
últimos anos, talvez ainda sem entender bem suas reais dimensões, o surgimento
e o fortalecimento de mais uma praga – quase – endêmica do nosso país; digo
“quase” pois alguns países africanos também a experimentam.
Trata-se do que podemos denominar de “Crime
Institucionalizado”.Tal fenômeno, que adquiriu contornos marcantes, que o
diferenciam conceitualmente do crime organizado convencional, merece urgente
atenção não apenas das autoridades policiais, do ministério público e do
judiciário, mas, sobretudo, da imprensa e da sociedade como um todo, pois seu
fortalecimento e sedimentação tem a capacidade de minar de forma devastadora as
possibilidades de desenvolvimento nacional.
Vale dizer, grosso modo, que o “Crime
Institucionalizado” estaria para o crime organizado assim como a motocicleta
está para o velocípede.
Ao contrário do crime organizado, agora
neste contexto rebaixado à delinquência juvenil, o “Crime Institucionalizado”
não lança mão de atividades escancaradamente ilegais, como o tráfico de drogas,
de armas, a prostituição, o jogo ilegal e etc.
Este novo e poderoso flagelo utiliza-se
apenas da plataforma oficial, dos governos das três esferas, do estamento
público, dos ministérios da república, da política partidária e das regras
eleitorais para prospectar e desviar fortunas do erário público.
Todo o seu faturamento tem origem nos contratos de serviços e obras, nas concorrências públicas, nos repasses para programas de governo, principalmente para ongs e oscips.
Todo o seu faturamento tem origem nos contratos de serviços e obras, nas concorrências públicas, nos repasses para programas de governo, principalmente para ongs e oscips.
Trata-se, desta feita, de atividade
infinitamente mais lucrativa e segura do que qualquer negócio ilegal
convencional colocado em prática por organizações tipo máfia.
Em suma, enquanto o crime organizado viceja
aproveitando-se da letargia e da omissão de alguns homens públicos, o “Crime
Institucionalizado” é fruto da própria ação estruturada e pensada de um grupo
de homens e mulheres que comandam determinado setor, empresa ou unidade do
poder público.
Outra diferença marcante é que, enquanto o
crime organizado coopta, ou, quando muito, infiltra um agente aqui e acolá, na
polícia ou numa determinada repartição, o “Crime Institucionalizado” indica e
nomeia, com a devida publicação em diários oficiais, dezenas de autoridades que
servem aos seus propósitos tanto na empreitada criminosa propriamente dita,
como na tomada de medidas garantidoras da impunidade do grupo e da salvaguarda
do butim, nos três poderes da república.
Mais um nuance importante é que o “Crime
Institucionalizado”, com seus exércitos de nomeados em cargos e funções
estratégicas, com vista a garantir alguns aspectos vitais da atividade, isto é,
para institucionalizar a própria moenda criminosa, estaria, desgraçadamente,
lançando mão da elaboração e promulgação de normas administrativas, e até de
leis, que facilitem sua consecução.
Eles têm a faca, o queijo e, é claro, a boca faminta, ao seu inteiro dispor.
Eles têm a faca, o queijo e, é claro, a boca faminta, ao seu inteiro dispor.
Na última década o “Crime Institucionalizado”
vitaminou-se tremendamente, aproveitando-se dos seguidos recordes de
arrecadação tributária. Com o ingresso de dezenas de milhões de pessoas na
classe média e o consequente aumento do consumo, os cofres públicos
abarrotaram-se de dinheiro.
São exatamente essas divisas, oriundas do alquebrado contribuinte brasileiro, que vem alimentando o “Crime Institucionalizado”.
São exatamente essas divisas, oriundas do alquebrado contribuinte brasileiro, que vem alimentando o “Crime Institucionalizado”.
Uma de suas consequências práticas mais
nefastas é a existência de centenas de concorrências públicas viciadas pelas
fraudes do “Crime Institucionalizado” – há quem diga, inclusive, ser difícil
encontrar, nos dias de hoje, uma única licitação que não seja “arrumada”.
Contudo, ainda mais desoladora é a
possibilidade da existência de grandes e vultosos projetos sendo aprovados com
o único e exclusivo intento de desviar verbas públicas. É de fato o pior dos
mundos, onde a corrupção estaria no nascedouro das iniciativas.
Não seria mais o caso do estádio de futebol superfaturado, mas o caso do estádio de futebol que nem deveria ter sido construído, isto é, a corrupção de raiz. Não é, como dizem por aí, “o malfeito”, mas o que nem deveria ter sido feito.
Não seria mais o caso do estádio de futebol superfaturado, mas o caso do estádio de futebol que nem deveria ter sido construído, isto é, a corrupção de raiz. Não é, como dizem por aí, “o malfeito”, mas o que nem deveria ter sido feito.
Esta situação tem saída, por mais difícil e
desfavorável que possa parecer. E a solução passa necessariamente pela total e
completa blindagem política de todos os órgãos que compõem a persecução
criminal, sem prejuízos de outras medidas de proteção às instituições do estado
brasileiro, mormente as agências controladoras, nas três esferas políticas.
O quadro aponta para a necessidade da
edificação de uma estrutura policial, altamente preparada e fortalecida, que
faça frente a tais dragões, e com capacidade de investigar aqueles que nomearam
seus próprios chefes
Jorge Pontes é delegado federal e foi
diretor da Interpol do Brasil.
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