Carlos Chagas
Publicado: 31 de março de 2014 às 0:00
Hoje, 50 anos depois, prevalece a falsa impressão de
que a partir do 31 de março de 1964 o Brasil insurgiu-se por inteiro
contra o golpe militar. Agora, todo mundo diz ter sido da
resistência, todo mundo lutou contra a ditadura, todos arriscaram suas
vidas, todos querem tirar satisfações, algumas delas mais do que justas,
outras nem tanto, ainda que todas perdidas no rodamoinho da História.
Não foi nada disso. Depois da tomada do poder pelas forças armadas, a imensa maioria da população acomodou-se e até aplaudiu.O país continuou vivendo, cada um preocupado com seus problemas, até que com o passar dos anos e os excessos praticados pelo regime, bem como seu esgotamento, a tendência nacional posicionou-se contra.
Claro que nos meses anteriores ao 31 de março de 1964 os ânimos estavam exaltados, dividido o país em dois grupos minoritários, mas em crescimento.
De um lado as esquerdas que imaginavam mudar tudo através de reformas capazes de extinguir as desigualdades sociais, econômicas e políticas, senão adotando as teorias marxistas como um roteiro de ação, ao menos aproximando-se de um modelo socialista.
É claro que também havia nesse grupo heterogêneo os partidários da ditadura do proletariado, aqueles que sustentavam a ruptura das instituições vigentes e a adoção de um violento sistema de governo, supressor das liberdades.
Do outro lado, situava-se um grupo de empedernidos defensores de seus privilégios sociais, econômicos e políticos, infensos a quaisquer mudanças, aqueles que sem coragem de opor-se frontalmente às reformas, levantavam a bandeira do combate ao comunismo, aliás sem o menor lugar na realidade nacional.
Queriam mesmo preservar suas benesses e suas conquistas.
Tudo era absorvível pela maioria que igualmente desprezava os dois extremos, até a hora em que os ânimos se acirraram, possivelmente um com medo do outro, ou ambos buscando aproveitar-se do adversário.
O presidente João Goulart havia chegado ao poder em 1961 depois de um ensaio geral do conflito futuro. Era herdeiro de Getúlio Vargas, promotor das maiores reformas sociais e econômicas verificadas em nossa História, com os direitos trabalhistas e a industrialização, ainda que por muitos anos tivesse sido patrono do retrocesso político, com o Estado Novo, ditadura declarada. Jango entendia dever avançar na esteira de Vargas, que retornara ao governo democraticamente, promovendo as alterações compatíveis com os tempos que avançavam.
Como Getulio, acabou sufocado pelos que o acusavam de comunista e de outra vez candidato a ditador. A ênfase para aquela distorção era dada pelo empresariado, parte das forças armadas, mais da metade do Congresso e a totalidade da Igreja.
De outro lado posicionavam-se intelectuais um tanto afoitos partidários da transformação radical da sociedade, mais sindicalistas e camponeses desesperados, presas fáceis de exploradores. Apesar de conciliador, maior proprietário de terras do país, o presidente ficou com as reformas, cada vez mais agressivas e por isso mesmo despertando seus contrários. Tentou fazê-las todas de uma vez, e aí quebrou a cara.
Impossível não referir o papel das elites conservadoras, muito melhor organizadas. Elas atuavam junto à maioria situada entre os dois extremos, cooptando-a através de ameaças contra sua precária estabilidade. Mobilizavam a maioria da imprensa, cujos barões delas faziam parte, assim como assustavam os militares, em plena guerra fria ligados aos Estados Unidos, e a Igreja, temerosa de perseguições verificadas no Leste Europeu,na União Soviética e na China.
Armava-se o palco para um confronto que apenas ilusória e retoricamente indicava o equilíbrio de forças. Os favoráveis às reformas faziam espuma e fumaça, mas na realidade não dispunham de mecanismos para impor o seu modelo. Como sempre, as classes trabalhadoras permaneciam à margem, carecendo de vontade e de meios para fazer valer suas tendências, se é que elas existiam e tendiam para o enfrentamento dos conservadores.
Inoculada pela propaganda dos que lutavam contra as reformas, bem como receosa de mudanças capazes de afetar-lhe as poucas conquistas amealhadas através das décadas, a classe média não se insurgiu contra o golpe militar. Até o apoiou, em seus primeiros meses e anos.
Por isso se ousa contradizer o sentimento que hoje grassa na maior parte dos jovens que agora se ufanam de haver lutado contra a ditadura, metade deles que nem havia nascido em 1964: não foi nada disso!
A sociedade acomodou-se, pouco lamentou a queda de João Goulart e bateu palmas para o general Castello Branco, como depois para o general Garrastazu Médici. Só aos poucos, com a truculência do regime militar, a perpetuação do arbítrio, a tortura e a censura, bem como a sucessão de alterações nas regras do jogo depois dele começado, é que se fez sentir o repúdio nacional diante do regime.
Em suma, repito o que durante 25 anos disse a meus alunos na Universidade de Brasília: o mundo não está dividido entre mocinhos e bandidos, mesmo que muitos sejam mais bandidos do que mocinhos. Apesar de tudo, o Brasil continua. Os militares cometeram erros grotescos. Execráveis. Mas também contribuíram para esse verdadeiro milagre da Historia que é a preservação da unidade nacional. Eles e quantos existiram antes e quantos vieram e virão depois.
Não foi nada disso. Depois da tomada do poder pelas forças armadas, a imensa maioria da população acomodou-se e até aplaudiu.O país continuou vivendo, cada um preocupado com seus problemas, até que com o passar dos anos e os excessos praticados pelo regime, bem como seu esgotamento, a tendência nacional posicionou-se contra.
Claro que nos meses anteriores ao 31 de março de 1964 os ânimos estavam exaltados, dividido o país em dois grupos minoritários, mas em crescimento.
De um lado as esquerdas que imaginavam mudar tudo através de reformas capazes de extinguir as desigualdades sociais, econômicas e políticas, senão adotando as teorias marxistas como um roteiro de ação, ao menos aproximando-se de um modelo socialista.
É claro que também havia nesse grupo heterogêneo os partidários da ditadura do proletariado, aqueles que sustentavam a ruptura das instituições vigentes e a adoção de um violento sistema de governo, supressor das liberdades.
Do outro lado, situava-se um grupo de empedernidos defensores de seus privilégios sociais, econômicos e políticos, infensos a quaisquer mudanças, aqueles que sem coragem de opor-se frontalmente às reformas, levantavam a bandeira do combate ao comunismo, aliás sem o menor lugar na realidade nacional.
Queriam mesmo preservar suas benesses e suas conquistas.
Tudo era absorvível pela maioria que igualmente desprezava os dois extremos, até a hora em que os ânimos se acirraram, possivelmente um com medo do outro, ou ambos buscando aproveitar-se do adversário.
O presidente João Goulart havia chegado ao poder em 1961 depois de um ensaio geral do conflito futuro. Era herdeiro de Getúlio Vargas, promotor das maiores reformas sociais e econômicas verificadas em nossa História, com os direitos trabalhistas e a industrialização, ainda que por muitos anos tivesse sido patrono do retrocesso político, com o Estado Novo, ditadura declarada. Jango entendia dever avançar na esteira de Vargas, que retornara ao governo democraticamente, promovendo as alterações compatíveis com os tempos que avançavam.
Como Getulio, acabou sufocado pelos que o acusavam de comunista e de outra vez candidato a ditador. A ênfase para aquela distorção era dada pelo empresariado, parte das forças armadas, mais da metade do Congresso e a totalidade da Igreja.
De outro lado posicionavam-se intelectuais um tanto afoitos partidários da transformação radical da sociedade, mais sindicalistas e camponeses desesperados, presas fáceis de exploradores. Apesar de conciliador, maior proprietário de terras do país, o presidente ficou com as reformas, cada vez mais agressivas e por isso mesmo despertando seus contrários. Tentou fazê-las todas de uma vez, e aí quebrou a cara.
Impossível não referir o papel das elites conservadoras, muito melhor organizadas. Elas atuavam junto à maioria situada entre os dois extremos, cooptando-a através de ameaças contra sua precária estabilidade. Mobilizavam a maioria da imprensa, cujos barões delas faziam parte, assim como assustavam os militares, em plena guerra fria ligados aos Estados Unidos, e a Igreja, temerosa de perseguições verificadas no Leste Europeu,na União Soviética e na China.
Armava-se o palco para um confronto que apenas ilusória e retoricamente indicava o equilíbrio de forças. Os favoráveis às reformas faziam espuma e fumaça, mas na realidade não dispunham de mecanismos para impor o seu modelo. Como sempre, as classes trabalhadoras permaneciam à margem, carecendo de vontade e de meios para fazer valer suas tendências, se é que elas existiam e tendiam para o enfrentamento dos conservadores.
Inoculada pela propaganda dos que lutavam contra as reformas, bem como receosa de mudanças capazes de afetar-lhe as poucas conquistas amealhadas através das décadas, a classe média não se insurgiu contra o golpe militar. Até o apoiou, em seus primeiros meses e anos.
Por isso se ousa contradizer o sentimento que hoje grassa na maior parte dos jovens que agora se ufanam de haver lutado contra a ditadura, metade deles que nem havia nascido em 1964: não foi nada disso!
A sociedade acomodou-se, pouco lamentou a queda de João Goulart e bateu palmas para o general Castello Branco, como depois para o general Garrastazu Médici. Só aos poucos, com a truculência do regime militar, a perpetuação do arbítrio, a tortura e a censura, bem como a sucessão de alterações nas regras do jogo depois dele começado, é que se fez sentir o repúdio nacional diante do regime.
Em suma, repito o que durante 25 anos disse a meus alunos na Universidade de Brasília: o mundo não está dividido entre mocinhos e bandidos, mesmo que muitos sejam mais bandidos do que mocinhos. Apesar de tudo, o Brasil continua. Os militares cometeram erros grotescos. Execráveis. Mas também contribuíram para esse verdadeiro milagre da Historia que é a preservação da unidade nacional. Eles e quantos existiram antes e quantos vieram e virão depois.
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