Fúrias, furiosas fúrias (golpe de 64, ódio e truculência verbal na internet)
Perplexa com a intolerância que vaga atualmente pela internet, jornalista lamenta reação a artigo publicado aqui e se diz “muito impressionada com a capacidade humana para odiar e pensar mal sobre quem não pensa igual”
Marli Gonçalves * Congresso em foco
Depois de escrever o artigo da semana passada ( arbitrariamente contra a "ditadura" militar) , sobre a minha visão, sobre como eu vi ou não vi passar esses 50 anos desde o golpe de 1964,
senti na pele e fiquei totalmente horrorizada com a incapacidade de
diálogo que parece estar permeando esse nosso Brasil, até outro dia um
simpático, amoroso, musical e cálido país da América do Sul.
Fui chamada
de tudo quanto é coisa – de petralha, comuna, esquerdinha, entre as
mais “publicáveis”, nesse território qualquer coisa que é a internet e
anonimato misturado com covardia.
Virou mesmo o campo dos covardes, dos
brutos, dos incitadores. Sites e jornais importantes publicaram o
artigo, e pude ler centenas de comentários e ver grande repercussão,
incluindo os muitos xingamentos, até porque é bom lembrar que quem quer
xingar tem muito mais afinco do que quem quer falar bem.
Faz questão de
ir lá xingar, ofender, falar impropérios, vomitar sua bílis, ocultos
atrás de computadores. Eles não querem só ter a razão, não admitem a
outra parte. E nesse caso apareceu gente defendendo tortura, morte,
ditadura. Apavorante.
Apareceram homens e mulheres que obviamente não conheço, e sinceramente nem pretendo. Duvidaram até da minha
memória, como se crianças de seis anos fossem abobados sem relação com
seu redor. E ai de quem tentou defender o mesmo ponto de vista que o
meu! Tomou bordoadas uma em cima da outra. Não há chance de
entendimento.
Resolvi não responder a nenhuma agressão, mesmo as que me dirigiram
diretamente. Não há argumentação possível para quem acha certas coisas.
Por outro lado, também recebi cartas até legais e absolutamente válidas
de pessoas que fizeram questão, na boa, de me dizer como para elas não
foi tão ruim esse período, que viveram felizes, livres, sem problemas.
O
que eu poderia dizer a elas? “Que bom que para você foi assim. Para mim
não foi” – ia ser pouco. Sempre haverá quem estará bem enquanto outros
não; é de lei.
Insistiram comigo que naquele momento não havia corrupção, nem
roubalheiras, e que os militares e conspiradores estavam caindo do céu,
para livrar o país do perigo vermelho – que devíamos agradecer esse
tempo de horror.
Ainda bem que é só virtual, pela internet onde agora todo mundo vira
revolucionário, e só por ali – igual ficar rico em Banco Imobiliário.
Tanta gente perigosamente pensando em fechamento que insistiram em
tentar, botando as manguinhas de fora, sem qualquer base real, nem
sentimento, nem emoção, muito menos organização, reeditar uma marcha de
outrora, totalmente sem sentido para os dias de hoje, 50 anos depois.
Meio século. O chabu foi histórico, gracias. Não é assim que se acaba
com a praga, com os atuais carrapatos no poder.
A fúria dos ataques me fez lembrar até das mitológicas Fúrias, ou
Erínias, as três pavorosas irmãs com asas de morcego e cabelos de
serpentes famintas, nascidas de gotas de sangue – Tisífone (Vingança),
Megera (Rancor) e Alecto (Cólera). Vingadoras, atacavam os mortais
gritando, enlouquecendo-os, perseguindo-os, fazendo-os penar,
castigados.
Vejam só onde chegamos. Como poderemos modificar as coisas agindo
assim de forma tão funesta? Já não bastam os informes que nos chegam
diariamente de Brasília dando conta de uma presidente sempre colérica,
de difícil trato, sempre em fúria com todos que a cercam apavorados?
Escrevi “Dilma irritada” no Google – em segundos, 3500 resultados se
apresentaram. “Dilma furiosa”, 678 resultados apareceram em 0,38
segundos, junto com imagens destes momentos. Apavorantes. Muitos esgares
presidenciais. Poucas soluções. Nenhuma temperança.
Política é coisa séria. Mas estamos vendo virar enorme piada de mau
gosto, atropelados todos os dias por revelações espantosas, vindas de
todas as direções. Quem é honesto, batalha direito, mas patina enquanto
outros lesam com facilidade. Penso que se realmente essa turma toda
estivesse preocupada com valores morais estaria batalhando em muitas
outras direções, ao invés de ficar batendo só nesta tecla, pobre tecla,
os governantes.
Estamos com furiosos soltos na praça, Que dizem que é a mulher que
provoca o estupro. Um povo de ascendência predominantemente negra que se
junta e vai aos estádios promover o racismo, ou que se junta para
espancar o torcedor do outro time.
São bandos atrás de desgarrados.
Médicos que atendem idosos no chão, ou que se recusam a ajudar uma
grávida em trabalho de parto. Policiais que ferem e arrastam suas
vítimas. Bandidos que atiram pelas costas. Bebês atirados no chão.
Organizações criminosas no comando de instituições, oficial e
extra-oficialmente.
A barbárie de justiceiros amarrando pés-de-chinelo
em postes e se comprazendo em praticamente chicoteá-los. Pedaços de
corpo encontrados em bairro nobre da cidade dentro de sacos de lixo
cuidadosamente espalhados. É ou não é a fúria que enfrentamos?
Some-se a estas, estas nossas fúrias, as outras, invencíveis, fúrias
da Natureza, que devastam, secam, molham, inundam, avançam, queimam. Que
nos tiram a água, a terra, o ar, a energia e a Paz.
Por onde começar para não terminar?
São Paulo, perplexa, 2014
Comentários:
"Eramos" um pacifico povo Sul Americano.Que valorizava a familia e a religião.Um povo onde negros e brancos curtiam samba e carnaval.Quem criou o odio e acordou a fera foi o PT.
Anonimo
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