| 31 Março 2014
Quando
os psicopatas dominam, a insensitividade moral se espalha por toda a
sociedade, roendo o tecido das relações humanas e fazendo da vida um
inferno.
Muitas vezes o leitor já deve ter-se perguntado como é possível que tantas pessoas, aparentemente racionais, amem e aplaudam os governos mais perversos e genocidas do mundo e se recusem a enxergar a liberdade e o respeito de que elas próprias desfrutam nas democracias ocidentais, ao mesmo tempo que continuam acreditando, contra todas as evidências, que são moral e intelectualmente superiores aos que não seguem o seu exemplo.
Hoje em dia essas pessoas, no Brasil, são a parcela dominante no governo, no Parlamento, nas cátedras universitárias, no show business
e na mídia. A presença delas nesses altos postos garante a este país
setenta mil homicídios por ano, o crescimento recorde do consumo de
drogas, o aumento da corrupção até a escala do indescritível, cinqüenta
por cento de analfabetos funcionais entre os diplomados das
universidades e, anualmente, os últimos lugares para os alunos dos
nossos cursos secundários em todos os testes internacionais, abaixo dos
estudantes de Uganda, do Paraguai e da Serra Leoa. Sem contar, é claro,
indícios menos quantificáveis, mas nem por isso menos visíveis, da
deterioração de todas as relações humanas, rebaixadas ao nível do
oportunismo cínico e da obscenidade, quando não da animalidade pura e
simples.
Isso torna a pergunta ainda mais crucial e urgente. A resposta, no entanto, vem de longe.
Sessenta
e tantos anos atrás, alguns estudantes de medicina na Polônia, na
Hungria e na Checoslováquia começaram a notar que havia algo de muito
estranho no ar. Eles haviam lutado na resistência antinazista junto com
seus colegas, e isto havia consolidado laços de amizade e solidariedade
que, esperavam, durariam para sempre. Aos poucos, após a instauração do
regime comunista, novos professores e funcionários, enviados pelos
governantes, estavam alterando profundamente o ambiente moral nas
universidades daqueles países. Um jovem psiquiatra escreveu:
“nós
sentíamos que algo estranho tinha invadido nossas mentes e algo valioso
estava se esvaindo, de forma irreparável. O mundo da realidade
psicológica e dos valores morais parecia suspenso em um nevoeiro gelado.
Nosso sentimento humano e nossa solidariedade estudantil perderam seus
significados, como também aconteceu com o patriotismo. Então, nos
perguntamos uns aos outros: ‘Isso está acontecendo com você também?’”
Impossibilitados
de reagir, eles começaram a trocar idéias, perguntando como poderiam se
defender da devastação psicológica geral. Aos poucos essas conversações
evoluíram para o plano de um estudo psiquiátrico da elite dirigente
comunista e da sua influência psíquica sobre a população.
O
estudo prosseguiu em segredo, durante décadas, sem poder jamais ser
publicado. Aos poucos os membros da equipe foram envelhecendo e morrendo
(nem sempre de causas naturais), até que o último deles, o psiquiatra
polonês Andrej (Andrew) Lobaczewski (1921-2007), reuniu as notas de seus
colegas e compôs o livro que veio a sair pela primeira vez no Canadá,
em 2006, e que agora a Vide Editorial, de Campinas, está para publicar
em tradução brasileira de Adelice Godoy:
“Ponerologia. Estudo
Psiquiátrico do Mal na Política”, do qual extraí o parágrafo acima.
“Poneros”,
em grego, significa “o mal”.
O mal, porque o traço dominante no caráter
dos novos dirigentes, que davam o modelo de conduta para o resto da
sociedade, era inequivocamente a psicopatia. O psicopata não é um
psicótico, um doente mental.
É uma pessoa de inteligência normal ou
superior, às vezes dotada de uma capacidade incomum para agir no
ambiente social. Só lhe falta uma coisa: os sentimentos morais,
especialmente a compaixão e a culpa.
Não que ele desconheça esses
sentimentos. Conhece-os perfeitamente, mas os vivencia de maneira
puramente intelectual, como informações a ser usadas, sem participação
pessoal e íntima.
Quanto maior a sua frieza moral, maior a sua
habilidade de manipular as emoções dos outros, usando-as para os seus
próprios fins, que, nessas condições, só podem ser malignos e
criminosos. Justamente porque não sentem compaixão nem culpa, os
psicopatas sabem despertá-las nos outros como quem toca um piano e
produz o acorde que lhe convém.
Não
é preciso nenhum estudo especial para saber que, invariavelmente, o
discurso comunista, pró-comunista ou esquerdista é cem por cento baseado
na exploração da compaixão e da culpa. Isso é da experiência comum.
Mas
o que o dr. Lobaczewski e seus colaboradores descobriram foi muito além
desse ponto. Eles descobriram, em primeiro lugar, que só uma classe de
psicopatas tem a agressividade mental suficiente para se impor a toda
uma sociedade por esses meios.
Segundo: descobriram que, quando os
psicopatas dominam, a insensitividade moral se espalha por toda a
sociedade, roendo o tecido das relações humanas e fazendo da vida um
inferno.
Terceiro: descobriram que isso acontece não porque a psicopatia
seja contagiosa, mas porque aquelas mentes menos ativas que, meio às
tontas, vão se adaptando às novas regras e valores, se tornam presas de
uma sintomatologia claramente histérica, ou histeriforme.
O histérico
não diz o que sente, mas passa a sentir aquilo que disse – e, na medida
em que aquilo que disse é a cópia de fórmulas prontas espalhadas na
atmosfera como gases onipresentes, qualquer empenho de chamá-lo de volta
às suas percepções reais abala de tal modo a sua segurança psicológica
emprestada, que acaba sendo recebido como uma ameaça, uma agressão, um
insulto.
É assim que um grupo relativamente pequeno de líderes psicopáticos destrói a alma de uma nação.
É assim que um grupo relativamente pequeno de líderes psicopáticos destrói a alma de uma nação.
Publicado no Diário do Comércio.
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