segunda-feira, 31 de março de 2014

Criminalidade: Se a justiça tarda, eles não falham




Reação violenta de vítimas têm sido comum. Especialistas e população repercutem atitude


carla.rodrigues@jornaldebrasilia.com.br


A polícia é despreparada. O Estado não cumpre seu papel. E a Justiça é morosa.

Esse é o discurso dos autodenominados “justiceiros”: pessoas que agem à margem da lei, buscando punir supostos autores de crimes. Uma das ações mais marcantes do grupo aconteceu no Rio de Janeiro, num bairro da Zona Sul. A imagem de um adolescente negro, nu, ensanguentado e preso a um poste percorreu as redes sociais. Rapidamente, a ideia de “fazer justiça com as próprias mãos” ganhou força, inclusive no Distrito Federal.


Cansados do sentimento de impunidade, moradores do DF começam, aos poucos, a aderir o movimento “justiceiros”. Apenas neste ano, sete casos   foram levantados pelo Jornal de Brasília.


Na quarta-feira passada, adolescentes acusados de roubar as bolsas de duas mulheres foram amarrados e agredidos por moradores da QNO de Ceilândia.


No início do mês, na mesma cidade, um ladrão que tentou assaltar uma mulher acabou espancado por comerciantes e pessoas que trabalham na QNNM 1/3. As cenas também foram filmadas e divulgadas na internet. Tudo   aconteceu antes que a polícia chegasse até o local.


Em outro episódio, os responsáveis pela “justiça” foram passageiros de um ônibus. O ladrão acabou rendido   e foi espancado. Recentemente, no centro da capital, no estacionamento do Conic, Albertino Luis de Oliveira, 53 anos, foi flagrado roubando objetos de um carro que estava parado no local. Indignado com a cena, o dono do veículo, com  ajuda de alguns populares, deu uma surra no homem.


Em um dos casos, contudo, a “justiça” falhou. O suposto criminoso era inocente. Yan Filipe Lopes Xavier, 18 anos, havia prestado vestibular no mesmo dia em que foi brutalmente espancado por um grupo de jovens, em uma festa de pré-carnaval. A justificativa dos agressores, que também chegaram a filmar parte da ação, foi de que confundiram Yan com um ladrão de carros.


De acordo com seu pai, Antônio Xavier, policial militar há 28 anos, o rapaz teria que passar por   cirurgias para reconstituir seu nariz, quebrado em seis partes.


“Ele me pediu para passar lá e eu deixei. Quando soubemos o que havia acontecido, parte de mim teve vontade, sim, de ir lá e simplesmente me vingar. Mas, foi meu próprio filho foi quem me disse para não pensar essas coisas. E me pediu para sermos superiores a tudo isso. Esse pedido me tocou muito”.


Essa não é a melhor saída

Antônio Xavier assume ter dois posicionamentos quanto aos “justiceiros”. “Como policial, acho inconcebível essa história. E a tendência, a curto prazo mesmo, é que esse tipo de atitude só se espalhe. Se continuarmos permitindo isso, a sociedade vai retroceder. É o ser humano agindo da maneira mais primitiva que existe”, opina. 
 
Porém, como pai de um jovem supostamente confundido com um ladrão e espancado, o sentimento é outro. “Quando você percebe que a justiça é morosa e a legislação propicia esse tipo de atitude, como pai, assumo minha fraqueza de pensar em agir por conta própria. Você percebe que está fragilizado e vê que o Estado continua inerte. Esse sentimento de impunidade só vai crescendo dentro de nós. Quando vejo aquele vídeo dele apanhando, a face esfacelada e, ao mesmo tempo, a polícia sem se movimentar, isso me dá uma raiva muito grande”, admite Xavier. “Espero pelo menos a justiça divina”, conclui.
 
Retrocesso
 
Apesar das agressões dos “justiceiros” se sustentarem no discurso de que o Estado está debilitado e abre brechas em sua própria legislação para a impunidade, as ações do movimento são condenadas por parte da sociedade. Para o sociólogo Carlos Serra, do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, a ideia é um exercício de privatização da justiça, que nem sempre é justo e tende a ser preconceituoso. 
 
“As ações são resultado da indignação da sociedade. É uma punição, uma busca por um bode expiatório também. Acontece que muitas vezes quem sofre tentativa de linchamento não é quem roubou, mas aquele que se julga ter roubado”, avalia o docente. Segundo o sociólogo, “a tentativa de linchamento é sentido pelas pessoas como um ato que resolve problemas sociais porque elas supõem que a polícia não está lá para ajudar. Porém, ao mesmo tempo em que é uma desordem social, é um apelo à ordem”.
 
Falta de confiança
 
A coordenadora de Justiça e segurança pública da ONG Sou da Paz, Carolina Ricardo, afirma que é necessário separar a ação dos "justiceiros" do aumento da criminalidade. “Essas tentativas de linchamento e processos de punição individual são um tipo de violência complexo, que reflete uma falta de confiança nas estruturas do Estado e na Justiça. Há também uma questão cultural e histórica”, afirma.
 
Muitos dizem ter coragem de vingar-se
 
Nas ruas da cidade, contudo, boa parte dos moradores do Distrito Federal mostra-se a favor das tentativas de linchamento de supostos bandidos. As opiniões são carregadas de sentimento de revolta e de certeza de que bater é vingar-se. 
 
 “Para mim, é certo. Até porque se você for ver quem mais está cometendo crimes são os menores e não existe lei pra eles. Existem os Direitos Humanos querendo proteger esses bandidinhos. Só que essas ‘crianças’ matam a sua família sem pensar. Por isso, se algum deles topar comigo na rua, te digo, eu bato também. Bato até ficar desacordado”, diz o taxista Edmilson Rocha, 45 anos. 
 
A dona de casa Eliane Maria Soares, 57 anos, também é a favor de fazer justiça com as próprias mãos. “Imagina um cabra desses que invade a tua casa, estupra seus filhos, rouba as coisas que você levou anos para conseguir e consegue sair impune. Isso só acontece aqui. E acontece mesmo. É uma vingança? É. Mas só assim pra gente ver a coisa andar. Quem sabe matando bandido, o governo não começa a reagir, a investir em segurança”, opina a moradora de Taguatinga, região que figura entre as mãos violentas do DF. 
 
 
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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