26/04/2014
às 18:42Ou: Será que a ditadura não mandou prender uma legião de anjos que havia lido o manual de guerrilha do Marighella?
Tudo
indica que o coronel Paulo Malhães, aquele que confessou ter torturado
pessoas durante o regime militar, tenha morrido de ataque cardíaco.
Falarei a respeito daqui a pouco. Mas tenho algumas considerações
prévias. Obsessão emburrece. Sempre. Quando veio a público a notícia da
morte do coronel, escrevi algo curtinho porque processei todas as
coordenadas, e a hipótese óbvia me pareceu fantasiosa. Escrevi então:
Voltei ao
assunto nesta manhã e, movido pela pena de um certo sarcasmo lógico,
afirmei que mais sentido faria que remanescentes da extrema-esquerda o
tivessem matado, não da extrema-direita. Razão óbvia: aqueles estão
organizados — alguns de seus próceres ou descendentes ideológicos estão
no poder, afinal. Já o mais jovem membro do um eventual esquadrão de
torturadores vingadores deve andar pelos 80 anos — o coronel tinha 76.
Mas, como está lá evidente, escrevi que não acreditava nem numa coisa
nem noutra. Só em crime comum.
É claro
que tive de aguentar a malta de cretinos, afirmando que eu estaria
tentando esconder alguma coisa. É mesmo? Por quê? Em nome de quê? Em
defesa do regime que me perseguiu? Vão se catar!
Há muito
tempo já, determinados temas não podem mais ser submetidos a um
tratamento apenas jornalístico. Perca as esperanças de haver alguma
serenidade e objetividade na cobertura da morte do dançarino Douglas
Rafael da Silva, por exemplo.
A hipótese — plausível, mas hipótese ainda
— de que tenha sido morto por policiais serve para encobrir fatos
óbvios, que compõem a equação: o narcotráfico preparou um happening
durante o seu enterro, pedindo o fim das UPPs no morro; ele próprio, há
três meses, expressou, em termos muito característicos, o seu lamento
pela morte do traficante “Cachorrão”; o confronto com a polícia no dia
do enterro contou com a ativa participação de black blocs, dos
“militantes de sempre” e de agentes do tráfico.
Se foi
mesmo a polícia, isso muda as responsabilidades ou as culpas? Não!
Cadeia para os assassinos, uniformizados ou não, depois da devida
apuração. Mas são fatos. Por que são omitidos dos telespectadores, dos
leitores, dos ouvintes, dos internautas? Eles não têm o direito de saber
e formar seu próprio juízo? Está em curso um processo de seleção de
notícias para não provocar a fúria dos milicianos das redes sociais —
aqueles asquerosos, muitos a soldo, que ficam patrulhando os meios de
comunicação.
O mesmo se
deu no caso de Paulo Malhães. Nem mesmo nos ocupamos de perguntar quem,
afinal, havia atestado a morte por sufocamento. Alguém o encontrou de
bruços, parece, com o rosto posto num travesseiro, e concluiu: “Foi
asfixiado”. Agora, o guia de sepultamento traz como provável causa da
morte um ataque cardíaco: edema pulmonar, isquemia de miocárdio e
miocardiopatia hipertrófica.
Vejam bem:
um guia de sepultamento não vale por uma autópsia. Mas um médico — a
menos que fizesse parte, também, da quadrilha de assassinos, né? — não
atestaria doenças degenerativas como causa da morte se fosse evidente a
hipótese de assassinato por asfixia, o que deixa marcas. Mas fazer o
quê?
Vivemos
dias em que a mãe do bailarino assassinado ganha o status de perita
criminal, o mesmo acontecendo com familiares de possíveis vítimas do
coronel Paulo Malhães. Vivemos dias em que se buscam menos os fatos do
que reconstruir uma narrativa do passado que esteja adequada aos valores
influentes. Ainda voltarei a esse tema: Maria Rita Kehl, da Comissão da
Verdade, por exemplo, parece não se conformar com o fato de que os
mortos da ditadura sejam menos de 500. Para que a “narrativa ideológica”
faça sentido, é preciso falar em milhares. Como não há fatos que
justifiquem a sua tese ideológica, ela decidiu agora investir na
hipótese de que sete mil índios tenham sido massacrados pela ditadura.
Com base em quê? Ora, em relatos de alguns deles, escolhidos a dedo —
jamais atestados por ninguém. A julgar pela fala de alguns deles, fica
parecendo que os militares brasileiros jogaram napalm na selva. Mas
deixo isso para outro post.
NÃO! NÃO
ESTOU DESCARTANDO QUE O CORONEL POSSA TER SIDO ASSASSINADO. NÃO SOU
LEGISTA. MAS O DOUTOR QUE ASSINA O GUIA DE SEPULTAMENTO É. Sim, nas
redes sociais já começou a conversa mole de que também isso está sendo
falsificado.
Se,
amanhã, algum lunático afirmar que os militares, durante a ditadura,
mandaram prender uma legião de anjos militantes, vinda do céu, para
organizar no Brasil a luta de libertação do povo, com base do Minimanual
da Guerrilha, de Carlos Marighella, muita gente vai acreditar. Afinal
de contas, não há idiotas que sustentam até hoje que o próprio
Marighella era um anjo? Ou, então, o outro Carlos, o Lamarca? Até de
“poetas” eles já foram chamados. Malhães, porque torturava pessoas, era
um bandido. E, para mim, essa designação lhe cai bem. Quanto aos outros
dois, seja esmagando crânios de pessoas já rendidas, seja explodindo
pessoas, viraram santos.
Mentir em
pequenas ou em grandes proporções e criar marolas ideológicas são
tarefas próprias da militância política. O jornalismo não tem o direito
de fazer nem uma coisa nem outra. Ou passa a ser, também, militância
política.
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