Para Jean Wyllys, o fascismo “saiu do armário” no Brasil
Leonardo Sakamoto
“As pessoas me insultam, me ameaçam, me xingam, me difamam.''
O
deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ) é, hoje, um dos políticos mais
influentes nas redes sociais. Mexendo em temas polêmicos (e sem ser uma
unanimidade entre os progressistas, com posições que desagradam parte
dos movimentos feminista e negro, por exemplo), ele se tornou uma das
pessoas mais amadas e, ao mesmo tempo, mais odiadas da internet
brasileira.
Em entrevista concedida ao UOL, Jean afirmou que não
acredita que os conservadores estejam crescendo em número, mas sim
reagindo.
“O processo de redemocratização do Brasil, o fim da
ditadura militar, a promulgação da Constituição cidadã em 88 produziram
um discurso público que recalcou os fascistas e conservadores.
E tudo o
que é recalcado não desaparece, retorna em algum momento sob diferentes
máscaras.'' Para ele, com as redes sociais e a possibilidade de
expressão anônima, o fascismo saiu do armário. E o próprio ambiente
democrático e a liberdade de expressão deram a chance de pessoas virem a
público dizer o que pensam, mesmo que o que elas pensem ameacem o
próprio regime democrático.
Jean também considera que a
criminalização da homofobia não é a melhor saída para resolver o
problema. ''Homofobia tem a ver com preconceitos e preconceitos são
falsas certezas socialmente partilhadas. E falsas certezas só podem ser
desconstruídas com conhecimento, com educação que produza a vida com
pensamento. Essas pessoas não tiveram essa educação, essa educação lhes
foi negada'', afirma.
“Não acho que a prisão seja o lugar de
alguém que chama o outro de “viado escroto'', eu não quero que as
pessoas que me ofendam e me insultam na internet vão para a prisão.
Quero que elas me respeitem, quero que sofram uma sanção que as levem a
refletir sobre o outro, a se colocar no lugar do outro.''
Abaixo, a
entrevista com Jean Wyllys pode ser vista na íntegra ou em vídeos por
tema. Ele fala sobre a percepção equivocada do que sejam direitos
humanos, a presidência de Dilma Rousseff, defende a legalização da
maconha, a regulamentação da prostituição e a aprovação de um projeto de
defesa dos direitos de transexuais.
Questiona o projeto de
criminalização da homofobia como único caminho, trata de machismo e
assédio sexual, critica a influência dos fundamentalistas religiosos na
política e defende o marco civil da internet.
Abaixo, estão listados os principais pontos tratados por ele:
Direitos humanos é direito de bandido? -
O
fato de uma pessoa cometer um delito e ser apenada por esse delito não
faz dela menos humana. Não quer dizer que por ela ter cometido um
delito, tenha que ser torturada, tenha que perder a chance de se
reintegrar e se ressocializar.
Dilma Rousseff entre conservadores e progressistas -
A
presidenta Dilma não tem muita habilidade política no sentido que Lula
tinha, de uma certa conciliação. O Lula sabia muito bem conduzir isso e
aplacar as divergências e os conflitos na própria base do governo. E a
base do governo do PT é complexa, composta de pessoas progressistas e de
conservadores. Ela congrega setores que estão permanentemente em
conflito.
É preciso ter popularidade para vencer uma eleição mas,
para governar com Justiça, é preciso uma certa impopularidade. Você não
governa nunca para todo mundo, é preciso ter coragem para desagradar
certos setores. A presidenta não tem coragem para desagradar esses
setores. Fica mal com os progressistas e, ao mesmo tempo, desagrada os
conservadores porque toma atitudes que, na perspectiva deles, reduzem os
privilégios.
Jair Bolsonaro –
Questionado sobre
a manutenção no Congresso do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), conhecido
por sua truculência ao defender a agenda conservadora, sem que uma
denúncia de quebra de decoro parlamentar prospere, Jean tem duas
hipóteses.
Primeiro, que o deputado é visto muito como “uma espécie
caricatura de arremedo do fascismo, quase com apelo de humor''. Ou seja,
na expressão popular, alguém “café com leite''. Contudo, ele lembra que
Bolsonaro tem conquistado corações e mentes e usado recursos públicos
para difamação de adversários. A outra hipótese é de que a Corregedoria e
o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados só cassam casos
emblemáticos em que a grande mídia se debruça para fazer a denúncia.
Além
do mais, segundo ele, Bolsonaro explicita o que muitos deputados também
acreditam, mas não tem coragem de dizer publicamente, tornando-se um
porta-voz de uma mentalidade que está lá presente.
Defesa da legalização da maconha -
A
maconha já é liberada. Liberada no sentido que ela está livre de
qualquer controle, qualquer fiscalização, qualquer regulamentação. Uma
criança de dez anos que queria, consegue fumar maconha. Você precisa
legalizar para regulamentar a produção e o comércio.
Regulamentar a
produção e comércio só é possível se legalizar. A Lei Seca só pode ser
aprovada porque o álcool é legal.
O Estado gasta um custo enorme
para uma guerra que é inócua porque o consumo de maconha não reduziu. A
resposta que estamos dando não é certa. Morrem traficantes, moradores
das favelas e periferias, morrem policiais. O consumo não diminuiu, a
resposta não pode ser essa.
Claudia, a faxineira que morreu
baleada pela polícia do Rio e cujo corpo foi arrastado na viatura,
morreu em decorrência da guerra às drogas. O Amarildo desapareceu em
decorrência à guerra às drogas. Essa guerra tem vitimado pessoas das
periferias, em especial as pessoas negras, por conta do racismo como
herança da escravidão. Há um discurso nos grandes meios de comunicação
que vinculam consumo de drogas à pobreza e à violência.
Criminalizar a homofobia não é o único caminho –
O
deputado acredita que a punição pode adotar outros termos para ser
efetiva: Proponho que os crime contra a vida, o assassinato e a lesão
corporal motivadas pela homofobia sejam punidas pelas penas já previstas
no Código Penal. A gente só precisa alterar o Código Penal para colocar
entre as motivações torpes desses crimes a homofobia. Ou a
homolesbotransfobia, porque abarca as outras motivações de crimes dessa
natureza.
A expressão letal da homofobia acontece com menor
frequência, apesar de ser alto o número de homicídios de homossexuais,
do que a discriminação, a injúria e o insulto homofóbico. Mas isso não
tem que punido por prisão, pois meu instinto não é de vingança. Eu quero
que as pessoas se transformem.
As penas socioeducativas têm um
efeito melhor para o indivíduo e para o coletivo. Homofobia tem a ver
com preconceitos e preconceitos são falsas certezas socialmente
partilhadas. E falsas certezas só podem ser desconstruídas com
conhecimento, com educação que produza a vida com pensamento.
Essas
pessoas não tiveram essa educação, essa educação lhes foi negada.
Não
acho que a prisão seja o lugar de alguém que chama o outro de “viado
escroto'', eu não quero que as pessoas que me ofendam e me insultam na
internet vão para a prisão. Quero que elas me respeitem, quero que
sofram uma sanção que as levem a refletir sobre o outro, a se colocar no
lugar do outro.
Vamos nos perguntar se transformar o racismo em
crime hediondo, imprescritível e inafiançável solucionou o racismo no
Brasil? Vamos nos perguntar quantas pessoas foram presas por racismo no
Brasil? Quase nenhuma. E qual a cor das pessoas que estão nas prisões?
Pretas e pardas em sua maioria.
Nós homossexuais e os negros somos
vítimas de um Estado penal duro. Será que a resposta penal é a melhor
que a gente tem para dar? Ou é melhor enfrentar essas questões
sistematicamente, via educação e cultura?
Educação e religião -
Os
senadores sofreram muita influência da direita católica e o
fundamentalista evangélico [para alterar o Plano Nacional de Educação].
Tiraram do projeto a referência a conteúdo de identidade de gênero, de
orientação sexual, gênero e questões de discriminação racial.
Eles
têm medo de uma educação transformadora. Da possibilidade das pessoas
desenvolverem um espírito que se proteja dessas manipulações grotescas,
do fascismo, do ódio. Talvez eles estejam com medo de uma educação que
leve às pessoas ao amor, à consciência crítica e à possibilidade de não
eleger canalhas, demagogos.
O que a direita católica tem medo: uma
educação que inclua o conteúdo de gênero, que ensine para as meninas
que elas têm uma vulnerabilidade em uma sociedade misógina e machista e
ensine às mulheres que de fato a posição subalterna é uma posição
cultural e não um dado da natureza. Medo que isso possa resultar no
futuro em uma possível política que reconheça os direitos sexuais e
reprodutivos da mulher. O direito da mulher de decidir se quer ou não
ficar grávida.
Defesa dos direitos de transexuais - Alguns
de nós vêm a esse mundo habitando com uma pele que não lhe cabe, que
parece muito folgada ou apertada demais. E isso é fonte de muito
sofrimento. Ao ponto da pessoa abandonar tudo para afirmar essa
identidade.
Muita gente fala que não devemos subverter o corpo que
a natureza nos deu. As pessoas esquecem que elas estão mexendo no corpo
o tempo inteiro. As pessoas que nascem com dentes tortos usam aparelho
ortodôntico.
As pessoas que nascem com um defeito no coração põem uma
ponte de safena. Não foi a natureza que deu a ponte de safena, foi a
cultura, a medicina! Uma mulher que se sente infeliz com seios pequenos
ou grandes faz cirurgias para ficar mais feliz consigo mesma. Por que a
sociedade vai negar à pessoa transexual o direito no âmbito da saúde um
atendimento de uma hormonioterapia ou uma cirurgia de
transgenitalização?
Defesa da regulamentação da prostituição -
Quem está autorizado a falar em nome das mulheres prostitutas são as mulheres prostitutas.
A
prostituição não é crime no Brasil. Entretanto, o Brasil achou um meio
de criminalizar a prostituição, criminalizando a casa e o mediador do
programa. O que as prostitutas reivindicam é: todo o trabalho tem
mediação. Toda a modelo tem uma agente que cava o trabalho e fica com
uma porcentagem do trabalho.
Elas dizem que também têm mediadores. No
projeto que propuseram, colocam um ponto que é muito atacado por
feministas abolicionistas: que os mediadores podem se apropriar de até
50%. Cria-se um teto para o mediador e um piso para a categoria.
Se você não regulamenta isso, abre espaço para a exploração sexual de mulheres, que é o que acontece hoje.
O
que acho curioso desses coletivos feministas é falarem em mercadoria
apenas no que diz respeito ao sexo. Você vê que a questão é puramente
moralista. Você não vê esse coletivos preocupados com a exploração das
manicures e pedicures que trabalham nos salões de beleza, que fazem unha
o dia inteiro e, ao final, os salões ficam com 70%, 80% do que produzem
com a desculpa de manter a estrutura do salão.
E junto com isso,
defendo politicas publicas de inserção da mulher no mundo do trabalho
que dêem a ela a chance de fazer da prostituição tão somente uma
escolha.
Machismo, estupro e assédio sexual -
No
caso do metrô de São Paulo, na hora do rush, deveria haver vagões
exclusivos para mulheres em que homens não entrassem. Nesse momento, não
é uma segregação, mas uma disciplina-bloqueio, enquanto as campanhas de
prevenção são feitas.
É curioso que as pessoas que tentaram
desqualificar a pesquisa do Ipea [sobre a assédio sexual e violência
contra a mulher] são as mesmas que defenderam a volta dos militares, que
tentaram organizar a Marcha pela Família, que acham a Raquel
Sheherazade, a jornalista do SBT, uma pessoa inteligente e justa, as
mesmas que defenderam o linchamento, são as mesmas contrárias ao
rolezinho.
Espantoso que boa parte das pessoas ouvidas nessa
pesquisa é composta de mulheres. A mulher é instrumento da reprodução do
machismo. Introjeta o machismo, da mesma maneira que muitos gays e
lésbicas introjetam a homofobia, da mesma maneira que muitos negros
introjetam o racismo.
A ordem da dominação masculina e a cultura
homofóbica heteronormativa te colocam em um lugar e ao mesmo tempo dizem
para você odiar aquele lugar que ocupa no mundo. Por isso, [é
importante] o trabalho para você sair da vergonha para o orgulho. Por
isso o “orgulho'' é tão fundamental na luta das mulheres, dos gays e dos
negros.
Marco civil e pressões das teles -
Grupos na Câmara dos Deputados sofreram pressões das empresas de telecomunicações, sobretudo pelo ponto da neutralidade da rede.
Pessoas
que não conhecem o marco civil da internet [que estabelece direitos e
deveres de usuários, empresas e governos] que não têm acúmulo sobre essa
discussão dizem que o marco civil está a serviço do comunismo.
Não
entendem que a internet precisa de regulamentação. Se no mundo analógico
a gente não pode viver sem leis porque na internet vamos viver sem uma
lei?
As grandes corporações de telecomunicações fizeram uma
pressão contra a neutralidade porque a neutralidade vai impedir que elas
ampliem seu lucro.
Não sou deputado, estou deputado -
Não
me imagino tendo mais que três mandatos. Eu não conseguiria, não é da
minha natureza. Mas isso não significa renunciar do ativismo. Eu estou
deputado, eu não sou deputado.
As pessoas me insultam,
me ameaçam, me xingam, me difamam. Mas mesmo que isso ameace a minha
reeleição, não vou recuar.
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