segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Adoção: Abandonados por uns, desejados por outros

Cerca de 50 crianças foram abandonadas neste ano, somente até julho. Média é de oito por mês

ludmila.rocha@jornaldebrasilia.com.br



Enquanto alguns lutam para conseguir ter um filho biológico ou adotar uma criança, outros  abandonam seus bebês. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, cerca de 50 crianças foram deixadas  pelos pais entre janeiro e junho deste ano, uma média de oito por mês. A maioria acaba sendo reintegrada às famílias ou têm a guarda concedida a terceiros, mas outras  não têm a mesma sorte e continuam aguardando pela adoção. 
A história do bebê abandonado perto da Rodoviária na semana passada deve ter mexido com boa parte das  376 famílias interessadas em participar de um processo de adoção no DF (leia o saiba mais).  


O caso pode ainda se assemelhar à trajetória das 96 crianças e adolescentes que continuam aguardando o acolhimento. Mais do que a burocracia do processo jurídico, o que faz com que a conta não feche são as   exigências das famílias. 

De acordo com Water Gomes, supervisor da área de adoção da Vara da Infância e Juventude, sem tantos critérios por parte das famílias, o processo de adoção, que se estende por até sete anos, duraria entre seis e oito meses.

“Cerca de 75% dos menores abandonados no DF têm entre 10 e 18 anos, enquanto a maioria das famílias busca crianças com no máximo dois anos. Atualmente, só temos uma criança com essas características. Esses dias uma família adotou seis crianças ao mesmo tempo. Como não houve nenhum entrave, o processo estava concluído em cinco meses”, explica. 

A lei também preconiza que irmãos permaneçam juntos. “A exigência visa preservar o vínculo  biológico e diminuir o impacto do abandono”, ressalta. Outra questão que dificulta a adoção é a cor da pele. “A predileção por crianças brancas diminuiu, mas ainda existe”, afirma. 

Burocracia
O supervisor não acredita que a burocracia desestimule os interessados. “As etapas visam proteger a criança. Qualquer pessoa pode procurar a Defensoria Pública ou um advogado particular e fazer um pedido de adoção ao juiz, mas nem todos estão aptos a adotar”, disse. Ele lembra ainda que adoção não é filantropia. “Não é uma forma de fazer caridade”, afirma.

Crianças e jovens têm mãe social

As crianças e jovens que aguardam a adoção na instituição Casa de Ismael moram em residências, com até 10 pessoas. E como acontece na maioria dos lares fora de lá, cada casa tem uma mãe social, que cuida de seus filhos com todo amor e responsabilidade de uma mãe biológica

“Nem me imagino trabalhando com outra coisa. Amo o que faço e essas crianças e jovens são como filhos para mim. Quando precisa também puxo a orelha deles”, brinca a mãe social Josivania Vieira, de 32 anos. Ela conta que sua filha mais nova tem dois anos e mais velha 18. “Não é fácil cuidar de tanta gente, mas é gratificante”, diz.
Reintegração  do menor ao lar

Valdemar Martins da Silva, presidente da Casa de Ismael, acredita que o principal objetivo das casas de adoção deve ser a reintegração da criança ou adolescente à família.  A instituição, que completou 50 no DF, atende mais de 600 menores – sendo 70 para adoção - e oferece serviços como creche, educação infantil e programas para inserção no mercado de trabalho.

O presidente afirma que há muitas exigências por parte dos interessados em adotar. “É muito difícil uma criança de mais de oito anos ser adotada. Muitos pais têm receio de que com essa idade elas já tenham uma personalidade formada, vícios e manias”, afirma. Muitos candidatos, indica o dirigente, dizem preferir crianças brancas: “Eles alegam ter medo que elas sofram racismo por não se parecerem com eles”. Ele destaca que as sequelas deixadas por uma rejeição são quase sempre irreversíveis.


PERMANÊNCIA
Por lei, o adolescente pode permanecer no abrigo até 21 anos, depois precisa seguir seu caminho. “Damos todas as condições para que nossas crianças e jovens saiam daqui preparados para o mercado de trabalho, oferecemos programas de formação profissional e convênios com instituições públicas e privadas para o primeiro emprego. Mas o jovem também tem que querer. Temos alunos que ingressaram no ensino superior e tem um futuro promissor, outros, infelizmente, se perderam ao sair daqui”, conta.

A adolescente Gabriela Santos Ferreira, de 16 anos, conta que participa de projetos na Casa de Ismael desde os dois anos de idade, por influência de uma tia. “Ela trabalhava aqui e comentou com os meus pais sobre o projeto. Já mais velha participei do serviço de convivência, onde vamos para escola em um período e temos atividades na instituição no outro, e agora faço parte do projeto profissionalizante. Sou muito grata por todas as oportunidades. Me sinto preparada para entrar no mercado de trabalho”, afirma a jovem.

Espera longa, mas recompensadora

Apesar de enfrentarem uma longa fila para adoção, os pais que se propõem a trilhar esse caminho de amor não costumam se arrepender. É o caso dos servidores públicos Lusalete Silva, de 54 anos e Antônio Martins, de 51. O casal já tinha um filho biológico e planejava o segundo. Mas o tempo passou e o plano de aumentar a família precisou sofrer alterações. 

“Foi quando cogitamos a possibilidade de adotar. Depois que falamos sobre isso ainda amadurecemos a ideia por dois anos. Quando decidimos fomos a Vara da Infância e esperamos cinco anos na fila até que surgisse uma criança com as características que queríamos. Não fizemos exigências quanto ao sexo ou cor da pele, só queríamos uma criança com até dois anos”, conta.

Aislan, hoje com 5 anos, é a alegria da casa.  Mas Lusalete confessa que no início teve algum receio, logo superado. “Muita gente me perguntava como eu teria coragem de adotar uma criança da qual não conhecia a personalidade, o histórico e isso me incomodava um pouco. Mas acredito que não sabemos nem como nossos filhos biológicos, sangue do nosso sangue, se comportarão”, afirma.

“Às vezes criamos super bem e a pessoa acaba se tornando algo que nunca imaginamos. Então não temos garantia alguma. Mesmo assim acho que a educação tem muito mais peso na formação da personalidade de uma pessoa do que o fator genético”, diz. 

Antônio nem lembra que Aislan é filho adotivo. “No começo relutei um pouco porque queria ter  outro filho biológico, mas depois acabei embarcando na ideia. Hoje, só nos lembramos que ele é adotado quando alguém pergunta. As pessoas ficam curiosas porque somos diferentes fisicamente”, afirma.De acordo com Antônio, a verdade sempre foi contada ao filho. 


“Ele sabe  que é adotado, até conta para os outros que foi para o hospital, na barriga da mãe e que depois o levamos para casa”, orgulha-se. 



Novos critérios de desempate para adoção



Foi apresentado ao Senado o PLS 258/2014, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para sugerir critérios de desempate entre os casais que aguardam adoção de crianças. A proposta tem o objetivo de criar uma regulamentação unificada nacionalmente para ordenar a prioridade entre os inscritos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). 


O projeto coloca como primeiro critério de preferência a ordem cronológica da habilitação à adoção. Havendo dois ou mais inscritos que tenham sido habilitados na mesma data, terão prioridade os casados ou em união estável. Se ainda houver empate, será atendido primeiro quem não tiver declarado preferência de raça, cor, sexo ou saúde da criança a ser adotada.


O projeto foi enviado para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde aguarda recebimento de emendas.


ETAPAS DO PROCESSO DE ADOÇÃO


Solicitação de adoção por intermédio de um defensor público ou advogado particular;
Apresentação dos documentos solicitados;
Curso de formação psicossocial;
Entrevista com uma equipe técnica;
Visita domiciliar;
Saiba mais
Em menos de um mês, dois bebês foram abandonados no DF. Na última segunda-feira, um recém-nascido foi localizado em um banco de praça em frente à Rodoviária do Plano Piloto. A criança foi abandonada por era fruto de um caso extraconjugal.
No Lago Norte, no dia 7 de agosto, uma jovem de 20 anos deixou a filha dentro de uma caixa de papelão.

Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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