O evento de ontem, da Rede Globo, foi o melhor dos debates presidenciáveis até o momento. Simplesmente foram quatro blocos de candidatos questionando-se mutuamente, o que ajuda a manter o interesse. Era até difícil cochilar.
No debate anterior, da Record, Aécio havia se saído vitorioso, enquanto podíamos dizer que Dilma empatou com Marina. Agora, Aécio novamente se saiu vitorioso, mas com larga vantagem. Ele definitivamente reinou no debate e pode ter carimbado aí sua ida ao segundo turno. Já Marina desta vez perdeu para Dilma. A candidata do PSB parecia mais irritada, mas ao mesmo tempo desanimada, que o costumeiro.
O cansaço da campanha pode ser um motivo para esse cansaço. Outro motivo (mais provável) é a desconstrução feita do PT contra Marina. Simplesmente, Marina está abalada. Se isso vai ser suficiente para tirá-la do segundo turno eu não sei.
Antes de falar mais do “trio” principal, preciso tratar de forma resumida os candidatos menores, que deviam começar a ficar de fora dos próximos debates para 2018. Minha sugestão é que somente candidatos acima de 5% nas pesquisas participem desses eventos, pois os pequenos quase sempre entram para não dizer coisa com coisa e atrapalhar.
Tomemos como exemplo o Sr. Eduardo Jorge. Basicamente, ele dedicou-se a fazer duas perguntas servindo como linha auxiliar de Dilma. Na primeira, era para ele perguntar sobre corrupção, mas optou por questionar sobre mulheres que morreram em decorrência do aborto.
Momento ideal para Dilma fugir da pergunta e responder outra coisa qualquer. Depois, a questionou sobre saneamento, o que permitiu que ela respondesse que a questão é “muito importante”. Para retribuir a ajuda, Dilma também chamou Eduardo Jorge para lhe questionar sobre o Pronatec. E, é claro, ele disse que é tudo muito importante. Patético e vergonhoso.
Pastor Everaldo foi o verdadeiro candidato que merece ser equiparado a alguns alimentos: Bolacha Água e Sal, Tapioca sem Recheio e Polenta sem Molho. As suas respostas parecem ser elaboradas para gerar uma espécie de transe no eleitor, tamanha a vacuidade. Bem, não colou. Pelo menos, ele fez as tradicionais escadinhas para Aécio Neves, principalmente ao questioná-lo sobre a corrupção. Nesses momentos, digamos que ele foi linha auxiliar de Aécio tanto quanto Eduardo Jorge foi de Dilma.
Justiça seja feita, Everaldo também se deu bem em sua fala final ao citar a proposta de Dilma por diálogo com terroristas que assassinam pessoas. Tanto que Dilma pediu direito de resposta, no que não foi atendida. Fico imaginando que raios ela diria nesse direito de resposta. Talvez fosse algo assim: “olha, Everaldo errou, pois os terroristas não assassinam as pessoas, na verdades elas se suicidam”. Enfim, Everaldo não leva zero por fazer a escadinha para Aécio e dar essa estocada final em Dilma.
Dos nanicos, Luciana Genro é um espetáculo. Simplesmente não há a menor base de comparação com os outros candidatos nanicos. E olhe que todas as propostas dela são um lixo bem fétido. Como esperado, ela também fez escada para Dilma logo na introdução do debate, ao perguntar sobre corrupção, dizendo que se o PT fez corrupção “é por alianças com a direita”.
Ou seja, os esquerdistas são anjos que se corrompem ao visitar o inferno, onde estão os direitistas. O problema seria ela explicar como a filha de Hugo Chavez tem 800 milhões de dólares no exterior, e como a fortuna de Cristina Kirchner cresceu 687% na Argentina. Mas falemos do aspecto técnico: em termos de guerra política, em linhas gerais, ela é extremamente competente, usando recursos como polarização, retórica de conflito, lançamento de culpas, shaming, a técnica da metralhadora e até encenações teatrais. Se fosse apenas pela técnica de guerra política, eu a definiria como a vencedora do debate, mas suas propostas vazias e a falta de foco a atrapalharam. Num cômputo geral, ela ficaria em segundo lugar, atrás de Aécio.
Mas e o Levy Fidelix? Digamos que ele foi um verdadeiro desastre. Logo de cara entrou nervoso e já foi questionado por Eduardo Jorge, que o constrangeu por causa de suas respostas no debate anterior. Jorge concluiu sua pergunta dizendo que Fidelix deveria pedir desculpas ao povo brasileiro por “homofobia”. Fidelix engrossou o tom de voz e disse que Jorge não teria moral nenhuma por apoiar a maconha e o aborto, lembrando que o casamento entre homem e mulher está previsto na Constituição. Jorge disse que eles iriam se encontrar na Justiça, afirmando que Fidelix envergonha o Brasil. Fidelix disse que Jorge é quem envergonha o Brasil por fazer apologia de drogas. Bate-boca mesmo.
Em seguida, Fidelix, sem juízo, resolveu questionar logo quem: Luciana Genro. Ele falou de um suposto acordo pré-debate (para o debate anterior, da Record) com o marido de Luciana Genro, que esta última negou existir. Coitadinho. Fidelix deveria saber que acordo com ultra-esquerdista só se for na base da ata, com envio por e-mail para todos.
Mas o pior foi a sessão de constrangimento que Luciana lançou sobre ele, chegando a compará-lo aos nazistas, rotulando-o como apologista de discurso de ódio, desumano, inimigo das minorias e daí por diante. Restou a ele ficar na defensiva.
Em termos de guerra política, Fidelix merece um zero bem redondo. Não foi assertivo, mas agressivo, atacando sem direção e, pior, ficando na defensiva em vários momentos. Em resumo, enquanto atacava, atirava para lutar nenhum. Daí se defendia, o que é sempre um erro estratégico.
Marina, em um de seus raros bons momentos, demonstrou as contradições de Dilma a respeito da autonomia do BC. Como os leitores deste blog sabem, Dilma defendeu em 2010 (a autonomia do BC) o que criticou em Marina em 2014. Ou seja, mentiu na caradura. Marina deixou bem clara esta mentira de Dilma, que deveria ser explorada de forma bem taxativa por quem for para o segundo turno contra ela. Dilma disse que Marina “confundia autonomia com independência de forma deliberada”.
Marina explicou que a autonomia do BC permitira o combate a inflação sem interferência, lembrando que Dilma, como jamais foi sequer vereadora, não sabe o que é autonomia. Em uma bela tacada, Dilma desconstruiu de imediato o termo nova política e disse que é um absurdo alguém que defende a tal “nova política” exigir que alguém tenha carreira para ser presidente.
Em outro momento, Marina criticou Dilma por não ter apresentado seu programa de governo, além de não ter cumprido várias de suas metas. Como sempre, Dilma negou tudo e ainda afirmou que na gestão de Marina o diretor do Ibama foi demitido e preso. Rolou um bate-boca aí. No geral, Dilma saiu-se com ligeira vantagem, pois mente com mais habilidade do que Marina consegue desmascarar. Em resposta a Everaldo, Marina usou o tempo para desmascarar uma mentira de Dilma, a de que esta última teria “dado autonomia do Ministério Público”. Mas como Marina afirmou, a autonomia do MP é garantida pela constituição.
Dilma, como sempre, se destacou por suas mentiras, como, por exemplo, dizer que “Aécio quer privatizar a Petrobrás”. Ele retrucou dizendo que o PSDB privatizou setores importantes e disse para o eleitor imaginar o que seriam setores como siderurgia e a telefonia nas mãos do PT (em comparação com Petrobrás e os Correios). Ele foi muito bem aí.
Aécio também lembrou outra mentira de Dilma: a de dizer que ele foi demitido. Na verdade, a ata do conselho da Petrobrás diz que ele renunciou ao cargo, recebendo honrarias e elogios. Dilma tentou negar o fato dizendo que Paulo Roberto Costa havia declarado que foi avisado antes da substituição de equipe.
Aécio não retrucou por completo, mas lembrou que Dilma não negou as honrarias e ainda deixou Roberto sair com todos seus direitos, ao invés de lhe aplicar demissão por justa causa (na verdade, ele deveria lembrar que a versão que vale é a da ata). Ele fez muito bem em lembrar que vai reestatizar novamente a Petrobrás, que hoje está nas mãos de uma quadrilha colocada pelo PT lá.
Por fim, Aécio. Como linha auxiliar do PT, Luciana Genro entrou para acusar o tucano do jeito de sempre, falando de termos como “privataria”, “mensalão mineiro” e dizendo que o PSDB não pode falar de corrupção pois é “o sujo do mal lavado”. Ela basicamente repetiu seu discurso do debate da CNBB, com uma série de ataques.
Acho que Aécio às vezes “trava” diante de Luciana (até por esta é uma exímia guerreira política), e não responde a todas as acusações. Pelo menos ele concluiu a resposta chamando-a de leviana (por que ela acusou-o de ter beneficiado a família com um aeroporto), dizendo que ela não está preparada para ser candidata à Presidência. Uma pena que ele não lembrou do Mensalão do PSOL neste momento. Mas como é diante de Luciana Genro, podemos dar um desconto.
Nas outras interações, como vimos anteriormente (com Pastor Everaldo e Dilma), Aécio já havia se saído muito bem. Um outro pequeno deslize ocorreu quando ele desafiou a “nova política” de Marina, perguntando onde ela estava durante o mensalão do PT. Ela disse que mensalão também ocorreu no PSDB e Aécio não deixou o partido. Ele disse que ela, enquanto ministra do meio ambiente, nomeou vários petistas que não conseguiram se eleger.Marina retrucou dizendo que o PSDB se juntou ao PT para atacá-la.
Dilma usou um truque dizendo que o PSDB “quebrou o Brasil três vezes”. Aécio deu uma ótima resposta dizendo que pegou o Brasil com 916% de inflação por ano, levando-o para 7%. Boa resposta.
Em suma, é possível notar que Dilma tem um ponto a seu favor: a quantidade de mentiras que consegue proferir em uma velocidade maior que seus adversários conseguem refutar. Por outro lado, Marina parece ter perdido aos poucos essa capacidade e não parece preparada para um embate com Dilma, ao menos neste momento. Já Aécio Neves demonstrou, nos últimos 3 ou 4 dias, uma evolução nítida.
Ele só precisa perder a mania de deixar alguns ataques sem resposta.
Uma dica para quem for para o segundo turno: revejam todas as propagandas eleitorais do PT, e todos os debates anteriores, e procurem não pelos argumentos, mas pelos “frames”. Enfim, todas as frases de efeito que Dilma costuma dizer a todo momento, seja para atacar oponentes, seja para apregoar falsos méritos.
Entre os frames falsos incluem-se : “havia um engavetador geral da república no governo FHC”, “antes não investigava, agora investiga”, “hoje o Bolsa Família atende 55 milhões de pessoas” (na verdade são 11 milhões de benefícios).
A dica, enfim, é não deixar nada sem resposta, neutralizando mini-bloco por mini-bloco de discurso, em um esforço de desconstrução. Tendo feito esse tipo de pesquisa detalhada, a possibilidade de Dilma Rousseff ser derrotada no segundo turno é considerável, pelo que vimos neste debate. Potencial existe: basta aproveitá-lo.
Resumo final: Aécio Neves foi o melhor no debate. Não foi nota 10, mas foi realmente bem, de forma distanciada dos outros candidatos. Em segundo lugar, eu colocaria Luciana Genro (a melhor guerreira política desta eleição). Em seguida, eu apontaria Dilma ligeiramente acima da Marina, em quase um empate técnico. Dos menores, Pastor Everaldo e Eduardo Jorge completamente apagados.
E Levy Fidelix entrou nervoso, o que o levou para a lanterna deste evento. (Uma das piores coisas em guerra política – como em qualquer guerra – é entrar com os nervos à flor da pele. O ambiente pode ser de conflito, mas a calma durante o conflito é essencial.)
Que venha o dia 5 de outubro!
Links para vídeos da entrevista, no site da Globo.com: 1 / 2 / 3
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