quinta-feira, 20 de novembro de 2014

“Desmontar esse sistema envolve uma ação política arriscada: sem planejamento, pode ter consequências inesperadas, e servir de combustível para aventuras e ações contra o regime democrático”, diz o jornalista Gilson Euzébio

Crise institucional à vista



Gilson Luiz Euzébio *


A Operação Lava Jato tem demonstrado, a cada episódio, falta de comando do governo Dilma: a Polícia Federal conquistou tamanha autonomia que caminha por conta própria, indiferente a seus comandantes hierárquicos, o ministro da Justiça e a presidente da República. Parece que os dois são os últimos a saberem das operações.

Essa falta de comando ficou evidente na sexta-feira, quando a Polícia Federal desencadeou uma grande ação para prender empresários da construção civil. Dirigentes das maiores empresas brasileiras de construção foram levados para a cadeia, e só no dia seguinte o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, resolveu falar sobre o assunto, quando não tinha mais nada a dizer.


Com atraso de dois dias, a presidente Dilma disse que tinha conhecimento da operação. Como presidente da República, ela tem obrigação de saber, de ser informada, sobre ações de grande repercussão em todos os órgãos do governo. Mas a impressão é que Dilma só acordou com os ataques do PSDB, que aproveitou a ocasião para bombardear o governo, o mesmo responsável pela Operação Lava Jato. Aliás, ela própria já reclamou do vazamento clandestino de informações a que ela não tem acesso.

Há tempos o governo dá autonomia, mas mantém certa distância da Polícia Federal. Em outros governos, os ministros da Justiça costumavam anunciar o resultado das operações policiais mais importantes. Havia hierarquia, havia comando. Nenhum governo pode abrir mão do comando.


Agora são os delegados que comandam o espetáculo e se posicionam politicamente. A Operação Lava Jato “pode mudar o país para sempre”, disse no domingo a presidente Dilma Rousseff. Para melhor ou para pior? É um excesso de otimismo. Nas investigações dos escândalos do governo Fernando Collor, dizia-se – e esperava-se – o mesmo. Nada mudou. Só os mecanismos de desvio, que se tornaram mais sofisticados.



A frase da presidente deu à operação um caráter revolucionário, o poder de “mudar o país para sempre”. Se considerarmos o ressurgimento de movimentos favoráveis ao golpe militar, de extrema direita, pelo impeachment da presidente, de ódio ao PT, de ódio aos políticos, somados à inabilidade política do governo, podemos dizer que temos uma situação propensa a conflitos capazes de provocar mudanças.


Some-se a isso o fato de termos uma presidente eleita por diferença pequena de votos, o que a enfraquece politicamente. Venceu uma campanha que deixou muitas sequelas e ressuscitou a oposição.


Essas diferentes correntes de oposição tendem a crescer no espaço deixado pelo governo, na falta de rumo

Caberia à presidente Dilma conduzir o processo de mudança, mas falta sintonia e habilidade ao governo. A reação da presidente da Petrobras, Graça Foster, de criar uma espécie de diretoria contra a corrupção, parece mais uma jogada de marketing. Ela poderia começar investigando as empresas de auditoria e controle, que não enxergaram esses desvios. As construtoras também passam por auditoria, são fiscalizadas inclusive pela Receita Federal.

A extensão dessa operação policial deveria merecer atenção especial do governo: praticamente todo o setor de construção civil do Brasil foi parar na cadeia, como numa revolução. É um setor intensivo em mão de obra e responsável pelos grandes empreendimentos em andamento.
Como a operação policial vem crescendo e a corrupção não é privilégio da construção civil, logo pode abalar outros setores econômicos. Qual o plano do governo para evitar que esses abalos contaminem a economia como um todo?

Há muito espaço para a investigação se espalhar: trata-se de uma operação contra um sistema, não contra um ou outro ato de corrupção.

As empresas privadas sempre trabalharam com o setor público na base do suborno e do superfaturamento. Assim era o sistema independentemente de quem estava no poder. O superfaturamento era justificado, na época da inflação, pela perda de valor monetário e atrasos de pagamento do setor público, embutidas as “comissões de costume”. Essa prática tacitamente acordada, embora ilegal, institucionalizou-se num sistema de grande amplitude.
Desmontar esse sistema envolve uma ação política arriscada: sem planejamento, pode ter consequências inesperadas, e servir de combustível para aventuras e ações contra o regime democrático.


Bastam, porém, as informações atuais para se prever mais atraso em grandes obras de infraestrutura, embora o governo negue. Faltou planejamento para punir os responsáveis, mas preservar as empresas, minimizando o impacto negativo sobre a produção. Se houver atraso nas obras, certamente a participação do setor no PIB cairá, contribuindo para a redução da taxa de crescimento econômico, e disseminação do pessimismo.

Se as grandes construtoras ficarem impedidas de continuar as obras, nos restará recorrer a empresas estrangeiras e entregar a elas esse mercado. Não deixa de ser uma oportunidade para os defensores do liberalismo radical, da entrega do mercado ao capital internacional. Mas, a essa altura, os estrangeiros devem andar mais desconfiados do que nunca: como investir num país onde podem ser presos sem julgamento? Ao que consta, os empresários estão em prisão temporária ou preventiva.

Só resta à presidente Dilma assumir o comando da faxina geral, e, como chefe da Nação, restabelecer o diálogo com todos os setores, de forma a assegurar o crescimento econômico do país. Caso contrário…


* Gilson Luiz Euzébio é jornalista.

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