O GLOBO - 13/11
Por necessidade, Lula voltou a campo. Quer levar Meirelles para a Fazenda, com poder para comandar e mudar a política econômica
O regime de superávit primário foi introduzido nas contas públicas brasileiras em 1999, no segundo mandato de FHC, em meio à crise de desvalorização do real. Até aquele momento, havia déficits e a dívida pública subia todos os anos. Os títulos do Tesouro Nacional, as promissórias do governo, eram papel podre no mercado internacional. Depois de dez anos seguidos de superávits — os mais altos no primeiro governo Lula — e de constante redução da dívida, o Brasil foi premiado com o grau de investimento em 2008. Lula comemorou dizendo que a gente finalmente se tornara um país sério.
Tudo melhorou: dívida menor, juros reais menores, inflação baixa e na meta, custo menor de financiamento no exterior. O regime de superávits primários (economia no orçamento para pagar juros e reduzir a dívida), o sistema de metas de inflação, também de 1999, e o câmbio flutuante formaram a base da estabilidade macroeconômica daqueles anos. É tudo isso que começou a ser derrubado no primeiro governo Dilma. Não por acaso, uma das agências, a Standard&Poors, reduziu a nota brasileira em março último.
Surpreende esse comportamento de Dilma? Não. Olhando um pouco para trás, fica mais fácil entender.
O PT combateu ferozmente todas as bases do Real. Prometia suspender pagamentos das dívidas interna e externa. Como dizia Lula, sim, ele mesmo, não fazia sentido gastar o dinheiro público pagando credores enquanto o povo passava fome.
Os economistas do partido, Guido Mantega à frente, diziam: fazer superávits primários elevados era “suicídio”, política recessiva e nefasta. A saída era aumentar o gasto público em tudo, de salários a obras, em vez de remunerar banqueiros e rentistas.
A campanha de Lula em 2002 começou com esses parâmetros. Mantega era o principal assessor econômico. Maria da Conceição Tavares, a inspiradora de documentos que pregavam a ruptura com o modelo neoliberal.
E aconteceu o quase milagre. Eleito em 2002, Lula, em vez de jogar fora o modelo FHC, mandou para o lixo todos os documentos petistas. Seguiu direitinho a cartilha ortodoxa. Fez superávits primários anuais superiores a 3% do Produto Interno Bruto, bastante elevados e previstos no plano anunciado por FHC em 1999, em acordo com o FMI.
Por que Lula mudou? Porque o dólar foi a R$ 4,00 na véspera de sua eleição; capitais fugiram do país; uma promissória do governo brasileiro de 100 dólares era negociada a 35 dólares, “junk bonds", puro lixo; o Tesouro não conseguia se financiar, ou seja, tomar mais dinheiro emprestado aqui mesmo, porque os credores, quando apareciam, exigiam juros absurdos.
Diziam os petistas que era a reação do capital internacional. Mas o que queriam? Quem seria idiota de financiar um governo que promete dar o calote?
A sorte é que Lula não era economista do PT, muito menos seu principal colaborador da época, o médico e político Antonio Palocci. Este convenceu o presidente eleito que a opção era simples: ou a cartilha ortodoxa ou o caos (inflação disparando, financiamento zero da dívida, calotes, recessão).
Lula topou. Por necessidade. Provavelmente, não estava convencido do acerto daquela política econômica, assim como provavelmente não se entusiasmava com a linha petista. Pragmático, usou a que cabia para o momento.
No governo, quando a situação se equilibrou, o mercado e o FMI ficaram felicíssimos e Lula pode então tocar seus programas sociais. E mais coisas neoliberais, como legislação que garantiu o sistema de crédito. Pois é, a coisa funcionava.
Mas com a ira dos economistas petistas, grupo que então já incluía a ministra Dilma. Durante vários momentos esse pessoal tentou derrubar Palocci e, especialmente, o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Guido Mantega se empenhou nisso. Lula quase topou em pelo menos uma ocasião. Luiz Gonzaga Belluzzo seria o presidente do BC.
Palocci caiu por outros motivos. Meirelles tocou o barco até o fim, com uma gestão independente no BC. Entregou estabilidade, inflação e juros menores, credibilidade.
Entra Dilma e começa a derrubar os pilares daquela base macroeconômica. Não anunciou que as metas mudavam, mas fez a coisa. Dizia ter compromisso com a meta de inflação de 4,5%, mas deixou-a correr para 6,5%. Dizia ter compromisso com a estabilidade das contas públicas, mas aumentou o gasto sistematicamente, enquanto reduzia o superávit primário, até transformá-lo em déficit.
O resultado dessa virada é isso aí: inflação alta, juros altos e estagnação.
Por necessidade, de novo, Lula voltou a campo. Quer levar Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda, com poderes para comandar e mudar a política econômica. Quer que Dilma 15 seja igual Lula 2003. Dilma resiste.
Exatamente a mesma disputa de 2002. Com uma diferença: o presidente era Lula.
Por necessidade, Lula voltou a campo. Quer levar Meirelles para a Fazenda, com poder para comandar e mudar a política econômica
O regime de superávit primário foi introduzido nas contas públicas brasileiras em 1999, no segundo mandato de FHC, em meio à crise de desvalorização do real. Até aquele momento, havia déficits e a dívida pública subia todos os anos. Os títulos do Tesouro Nacional, as promissórias do governo, eram papel podre no mercado internacional. Depois de dez anos seguidos de superávits — os mais altos no primeiro governo Lula — e de constante redução da dívida, o Brasil foi premiado com o grau de investimento em 2008. Lula comemorou dizendo que a gente finalmente se tornara um país sério.
Tudo melhorou: dívida menor, juros reais menores, inflação baixa e na meta, custo menor de financiamento no exterior. O regime de superávits primários (economia no orçamento para pagar juros e reduzir a dívida), o sistema de metas de inflação, também de 1999, e o câmbio flutuante formaram a base da estabilidade macroeconômica daqueles anos. É tudo isso que começou a ser derrubado no primeiro governo Dilma. Não por acaso, uma das agências, a Standard&Poors, reduziu a nota brasileira em março último.
Surpreende esse comportamento de Dilma? Não. Olhando um pouco para trás, fica mais fácil entender.
O PT combateu ferozmente todas as bases do Real. Prometia suspender pagamentos das dívidas interna e externa. Como dizia Lula, sim, ele mesmo, não fazia sentido gastar o dinheiro público pagando credores enquanto o povo passava fome.
Os economistas do partido, Guido Mantega à frente, diziam: fazer superávits primários elevados era “suicídio”, política recessiva e nefasta. A saída era aumentar o gasto público em tudo, de salários a obras, em vez de remunerar banqueiros e rentistas.
A campanha de Lula em 2002 começou com esses parâmetros. Mantega era o principal assessor econômico. Maria da Conceição Tavares, a inspiradora de documentos que pregavam a ruptura com o modelo neoliberal.
E aconteceu o quase milagre. Eleito em 2002, Lula, em vez de jogar fora o modelo FHC, mandou para o lixo todos os documentos petistas. Seguiu direitinho a cartilha ortodoxa. Fez superávits primários anuais superiores a 3% do Produto Interno Bruto, bastante elevados e previstos no plano anunciado por FHC em 1999, em acordo com o FMI.
Por que Lula mudou? Porque o dólar foi a R$ 4,00 na véspera de sua eleição; capitais fugiram do país; uma promissória do governo brasileiro de 100 dólares era negociada a 35 dólares, “junk bonds", puro lixo; o Tesouro não conseguia se financiar, ou seja, tomar mais dinheiro emprestado aqui mesmo, porque os credores, quando apareciam, exigiam juros absurdos.
Diziam os petistas que era a reação do capital internacional. Mas o que queriam? Quem seria idiota de financiar um governo que promete dar o calote?
A sorte é que Lula não era economista do PT, muito menos seu principal colaborador da época, o médico e político Antonio Palocci. Este convenceu o presidente eleito que a opção era simples: ou a cartilha ortodoxa ou o caos (inflação disparando, financiamento zero da dívida, calotes, recessão).
Lula topou. Por necessidade. Provavelmente, não estava convencido do acerto daquela política econômica, assim como provavelmente não se entusiasmava com a linha petista. Pragmático, usou a que cabia para o momento.
No governo, quando a situação se equilibrou, o mercado e o FMI ficaram felicíssimos e Lula pode então tocar seus programas sociais. E mais coisas neoliberais, como legislação que garantiu o sistema de crédito. Pois é, a coisa funcionava.
Mas com a ira dos economistas petistas, grupo que então já incluía a ministra Dilma. Durante vários momentos esse pessoal tentou derrubar Palocci e, especialmente, o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Guido Mantega se empenhou nisso. Lula quase topou em pelo menos uma ocasião. Luiz Gonzaga Belluzzo seria o presidente do BC.
Palocci caiu por outros motivos. Meirelles tocou o barco até o fim, com uma gestão independente no BC. Entregou estabilidade, inflação e juros menores, credibilidade.
Entra Dilma e começa a derrubar os pilares daquela base macroeconômica. Não anunciou que as metas mudavam, mas fez a coisa. Dizia ter compromisso com a meta de inflação de 4,5%, mas deixou-a correr para 6,5%. Dizia ter compromisso com a estabilidade das contas públicas, mas aumentou o gasto sistematicamente, enquanto reduzia o superávit primário, até transformá-lo em déficit.
O resultado dessa virada é isso aí: inflação alta, juros altos e estagnação.
Por necessidade, de novo, Lula voltou a campo. Quer levar Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda, com poderes para comandar e mudar a política econômica. Quer que Dilma 15 seja igual Lula 2003. Dilma resiste.
Exatamente a mesma disputa de 2002. Com uma diferença: o presidente era Lula.
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