Conversava outro dia com um amigo que tem
uma casa de praia, e ele me contava de sua experiência kafkaniana com
nossos fiscais corruptos. Para construir uma rampa para subir o jet-ski,
foi preciso todo tipo de autorização e aprovação. Coisas do Brasil. Meu
amigo, sujeito correto, “caxias” até, fez tudo certinho. E qual não foi
sua surpresa quando um fiscal apareceu lá pedindo grana, sem mais nem
menos, para não criar problemas?
Parêntese: a essência da burocracia
brasileira é criar dificuldades legais para vender facilidades ilegais
em seguida. São tantas normas, tantas regras arbitrárias, que sempre é
possível encontrar uma ou outra coisa fora do lugar para tentar achacar
os outros. O cerne da questão está justamente na quantidade excessiva de
regras, fruto de uma fé boboca e infantil no estado burocrata como
protetor contra empresários e “ricos malvados” em geral. Fecho o
parêntese.
Meu amigo não quis conversa, disse que
estava tudo feito dentro das normas, e mandou o fiscal embora. Qual não
foi sua nova surpresa quando um oficial da Justiça apareceu com uma
intimação às 6h da matina em sua casa?! Resumindo a história: ele foi
duas vezes para tribunais, primeiro por uma alegação absurda de que a
rampa não atendia aos padrões exigidos, depois sob acusação de impacto
ambiental (é mole?). Gastou uma grana com advogado. Desgastou-se. Mas
deu tudo certo.
E fiz essa longa introdução justamente
pela conclusão que tivemos durante a conversa: sua impressão dos juízes
que julgaram e logo arquivaram seus casos por falta de provas foi a
melhor possível. Uma mulher jovem, de bom nível, agindo com firmeza e
seriedade, e um rapaz jovem que também não perdeu tempo quando notou que
aquilo era um absurdo. O receio de meu amigo era que os juízes também
fizessem parte do esquema para obter subornos, mas ficou aliviado quando
viu que eram pessoas jovens, determinadas e sérias.
Refletimos, então, se essa é uma nova
tendência: promotores, juízes, procuradores, gente nova, com boa
formação, com um salário que não deixa ninguém rico, mas que garante uma
boa qualidade de vida, servidores públicos desprovidos do fervor
ideológico de outrora, mas ciosos de sua função primordial no combate à
impunidade e à corrupção. São casos cada vez mais comuns, felizmente.
E uma reportagem do GLOBO de hoje mostra exatamente isso, com base na turma por trás da Operação Lava-Jato:
Tendo
entre 28 e 50 anos, os nove — Dallagnol, Mattos, Antonio Carlos Welter,
de 46 anos, Athayde Ribeiro Costa, de 34, Januário Paludo, de 49,
Orlando Martello Júnior, de 42, Paulo Roberto Galvão, de 36, Roberson
Henrique Pozzobon, de 30, e Carlos Fernando dos Santos Lima, de 50 — são
representantes de uma nova face do MP. Trabalham em conjunto, são
especialistas em diferentes áreas — de improbidade administrativa a
atividade policial, passando por colaboração jurídica internacional — e a
maioria já concluiu o mestrado. Dallagnol estudou em Havard, e Lima, em
Cornell, nos EUA. Welter passou pela Universidade de Coimbra, em
Portugal, e Galvão, pela London School of Economics, na Inglaterra. Eles
ainda costumam dar cursos na Escola Superior do Ministério Público e
escrever livros e artigos.
[...]
— Essa nova
geração do MP, que é formada por homens e mulheres do seu tempo, tem uma
pauta de valores mais clara. Eles já não estão tão ligados à ideologia.
Por isso, digo que essa juventude não é revolucionária, mas
evolucionista. Esses novos procuradores têm consciência do poder do
Ministério Público. Sabem que, com um pouco de boa vontade e destemor,
podem operar contra a impunidade — disse o procurador Edilson Mougenot
Bonfim, que costuma dar palestras no Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP) sobre a nova geração do MP:
— Muitos
cresceram acompanhando as expectativas dos pais sobre o Brasil e agora
podem corresponder a isso, trabalhando pelo fim da impunidade, pela
igualdade de direitos e de aspirações. Se veem assim na incumbência
histórica de levar à frente essas ações. Sabem que a vontade de termos
uma sociedade melhor sempre existiu, mas veem que agora é o momento, que
não dá mais para postergar.
Esse pessoal tem feito a diferença! Eles
agem com coragem, com convicção na Justiça, no império das leis, no
Estado Democrático de Direito, e valorizam sua independência. Assim como
respeitam e estimam a independência da imprensa também. O procurador
Dallagnol, discordando da presidente Dilma, que chegou a dizer que não é
função da imprensa investigar, afirmou que enxerga na imprensa
independente uma “aliada” na guerra contra a impunidade.
E somos mesmo! Nem preciso dizer que
tenho orgulho de abrigar meu blog na Veja, ícone dessa imprensa
independente que produz jornalismo de verdade, doa a quem doer. E por
isso entendo tão bem o que motiva esses jovens procuradores e juízes:
nem tudo na vida se mede pela conta bancária. Aliás, as coisas mais
importantes não!
Eis algo que um vendido jamais entenderá.
Os corruptos costumam medir os demais por sua régua, projetam o que são
nos outros, olham a humanidade diante de um espelho. Como se vendem com
facilidade, pensam que todos fazem o mesmo. Blogueiros e “jornalistas”
que atuam na mídia chapa-branca, ganhando muito dinheiro de verbas
estatais em troca da cumplicidade, revoltam-se com aqueles que preferem
abrir mão de mais grana em troca de algo bem mais valioso: a consciência
limpa e a convicção de que luta a boa luta em prol da liberdade e da
justiça.
Juntos, a nova leva de jornalistas
corajosos e sem o velho ranço ideológico marxista, e essa nova geração
de servidores públicos honrados, preparados e sérios, têm uma chance
rara de mudar o Brasil, de finalmente reduzir a impunidade e a
corrupção, e implantar uma República de fato neste país. Saibam que
contamos com todos vocês, admiramos seu trabalho, e estamos juntos na
mesma luta. Tremei, corruptos!
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