Minha Casa, Minha Vida: falhas e falta de fiscalização
Desde mobílias muito requintadas à carros de luxo são visto no bairro do programa Morar Bem. |
Muitas dessas famílias estão perdendo espaço para pessoas
que se cadastram apresentando ganhos inferiores aos que têm na
realidade. Brechas nas regras e falta de acompanhamento dos gestores
responsáveis permitem fraudes como essa desde o lançamento do programa,
em 2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
É
o caso do professor de educação física Ricardo Vilela, 38 anos, e da
mulher, a advogada Lívia Vilela, 32, contemplados com uma casa no
Condomínio Jardins das Acácias, no bairro Jardins Mangueiral, em São
Sebastião. A renda do casal é de R$ 12 mil, mas apenas um se inscreveu
no Minha Casa, fornecendo a renda individual. “Demoramos três anos para
sermos contemplados”, conta Ricardo Vilela.
Jardins das Acácias: carros de valor elevado e mobília sofisticada indicam que moradores não atendem a requisitos |
Carros
de alto valor estacionados no condomínio e casas com mobília
sofisticada, que não condizem com a renda apresentada para concorrer ao
imóvel, são outros indícios de que o programa não está beneficiando
apenas quem precisa dele.
O governo alega que a estrutura dos governos
locais, que realizam o cadastramento das famílias, não é suficiente para
checar a veracidade das informações dos candidatos. “Não fazemos uma
avaliação policial. Se uma pessoa pertence a uma família rica, mora com
os pais, mas não tem renda, pode concorrer, não é ilegal. Essa é uma
discussão de conceito familiar. Não discriminamos cor, crença, opção
sexual e estado civil”, afirma a secretária Nacional de Habitação do
Ministério das Cidades, Inês Magalhães.
O professor Ricardo Vilela e a mulher, Lívia: ganho mensal de R$ 12 mil do casal não foi obstáculo para a compra do imóvel |
Moradores
do Jardins Mangueiral reconhecem outras falhas no programa, como a má
qualidade do material utilizado na construção.
A dona de casa Wilzamar
Nunes Fernandes Pereira, 23 anos, que divide a casa com o marido,
vigilante, e a filha, conta que, quando chove, há infiltrações nas
janelas do quarto e nos lustres. “A água desce pela luminária. Já teve
dias que encontrei minha casa toda alagada. É perigoso porque tenho uma
filha pequena e o risco de ela levar um choque é muito grande”,
desabafa. Ela diz que a situação é ainda pior em outras moradias.
“O
teto do banheiro da minha vizinha desabou. A sorte é que ela não estava
no banheiro.” A localização distante é outro problema. “Não há hospital,
padaria, e o transporte público é escasso. O hospital mais próximo é
uma UPA, que não funciona por falta de médicos”, reclama Ana Maria
Oliveira Moura, 50 anos.
Comércio ilegal
Outro
condômino do Jardins Mangueiral, que preferiu não se identificar, conta
que há beneficiários que alugam ou vendem o imóvel, o que infringe a
regra do programa, pois o proprietário só pode negociar o bem após morar
na residência por 10 anos, ou quitar a dívida com a Caixa Econômica
Federal ou o Banco do Brasil, instituições que subsidiam o candidato,
dependendo da faixa de renda.
“Como as pessoas sabem que é ilegal,
qualquer negociação é feita por debaixo do pano. Geralmente elas não
sentem dificuldades para comercializar a unidade habitacional”, revela.
Os
órgãos federais pecam na fiscalização desse comércio. A Caixa Econômica
atua somente quando há denúncias. “Quando recebemos uma denúncia,
promovemos uma ação de reintegração. A lei diz que esse contrato é nulo.
O maior prejudicado é quem compra, que vai perder o dinheiro. Queremos
evitar situações histórias de contratos de gaveta. Fazemos sempre um
trabalho para que as pessoas não vendam seu imóvel, pois é um patrimônio
único, no caso dos mais pobres”, observa Inês Magalhães.
Para
o cientista político Carlos Melo, a prática de apresentar renda
inferior ao ganho real é reflexo do clientelismo. “É um indivíduo que
faz valer a sua relação pessoal e se consolida num privilégio”, explica.
O burocrata que autorizou essa prática, segundo o especialista, deve
ser punido. “Isso é burla. O problema está na operação.. Isso joga o
programa na lata do lixo, mesmo que sejam casos de exceção”, ressalta.
“Não seria melhor rever a política e escolher municípios que realmente
podem cumprir com as regras?” questiona o especialista. “O processo de
seleção tem que ser aperfeiçoado. Estamos lidando com dinheiro público”,
observa.
Balanço
O
governo federal divulgou mês passado o primeiro balanço de investigação
das denúncias de irregularidades no Minha Casa, Minha Vida. Ao longo
dos cinco anos de execução, 15,7 mil denúncias de ilegalidades foram
registradas. Dessas, 1.561 referem-se as unidades ocupadas ilegalmente e
outras 5,1 mil continuam em apuração.
As demais foram consideradas improcedentes. O Executivo afirma que o número é pequeno diante da magnitude do Minha Casa, Minha Vida, que já entregou 1,6 milhão de casas. O foco principal das investigações feitas pela Polícia Federal é referente a ações de milícias ou outros tipos de organizações criminosas.
As demais foram consideradas improcedentes. O Executivo afirma que o número é pequeno diante da magnitude do Minha Casa, Minha Vida, que já entregou 1,6 milhão de casas. O foco principal das investigações feitas pela Polícia Federal é referente a ações de milícias ou outros tipos de organizações criminosas.
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